A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2021, o comércio bilateral bateu recorde, com mais de US$ 135 bilhões. O mercado chinês é o destino de um terço das exportações brasileiras. Tudo isso apesar das tensões entre o governo de Jair Bolsonaro e as autoridades chinesas. Nesse quadro, quais as perspectivas para as relações sino-brasileiras em caso de reeleição do presidente ou de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de outubro?
Bolsonaro e a China
Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro desde a década de 1970 a chegar ao poder com um discurso crítico à China. Em diversos momentos de seu governo, isso se tornou um problema diplomático, sobretudo no início da pandemia, quando ele e seus aliados reproduziram no Brasil a retórica de Trump, que culpava os chineses pelo coronavírus, alegando que seria parte de guerra biológica por parte do Partido Comunista chinês.
À medida que a pandemia agravou a situação econômica brasileira, Bolsonaro abandonou algumas de suas posturas mais agressivas e chegou a acordos com os chineses, parando com sua retórica acusatória e autorizando o uso de equipamentos da empresa Huawei para a instalação do padrão 5G de internet no Brasil. Vacinas chinesas foram usadas no combate à Covid-19, embora por iniciativa do governo estadual de São Paulo, e não das autoridades federais.
O que podemos esperar na relação Brasil-China em caso de reeleição de Bolsonaro? A trégua com Pequim está longe de ser um acordo de paz duradouro. É plausível que as tensões voltem a ocorrer em caso, por exemplo, de uma crise internacional em torno de Taiwan ou de novas mobilizações trumpistas nos Estados Unidos.
Mas mesmo com essas tensões, o comércio e os investimentos continuariam a crescer, como tem sido ao longo de seu governo. Em 2021, o Brasil foi o país estrangeiro no qual a China mais investiu, como mostram os dados do Conselho Empresarial Brasil-China. Há parcerias em setores como energia, infraestrutura e tecnologia da informação que já estão consolidadas, independente do grupo político que esteja no Palácio do Planalto.
O cenário com Lula
Nos governos do Partido dos Trabalhadores, a China foi parceira em reforçar a cooperação internacional com outros grandes países em desenvolvimento. Isso resultou na criação de iniciativas diplomáticas como os BRICS, o grupo BASIC (de negociações globais sobre o clima) e os G-20 financeiro e da Organização Mundial do Comércio.
Em caso de vitória de Lula, haveria a retomada de iniciativas de cooperação com a China. Provavelmente o Brasil entraria na Iniciativa do Cinturão e Rota - trata-se de um projeto de investimentos globais em infraestrutura que pode mobilizar até US$ 1 trilhão até 2049. Inicialmente pensado para a integração da Eurásia, nos últimos anos o governo chinês o expandiu para outras regiões, como a América Latina, onde 20 países já aderiram, incluindo Argentina e Chile.
É provável que Lula aprofundaria as parcerias com os chineses no combate à mudança climática – o tema ganhou importância para Pequim nos anos 2010, mas o compromisso dos governos brasileiros com essa agenda tem sido bem mais errático.
Também haveria apoio de Brasília às propostas de ampliar os BRICS, incorporando outros grandes países em desenvolvimento – Argentina e Irã já são candidatos. São ideias caras para os governos da China e da Rússia, mas que não foram bem acolhidas por Temer e Bolsonaro, que deram pouca importância ao grupo.
O Brasil diante da uma nova China
Contudo, o contexto global é hoje muito diferente da década de 2000, quando Lula foi presidente pela 1ª vez. Naquela época, havia um boom de commodities impulsionado pela demanda da China, que crescia mais de 10% ao ano e comprova grande quantidade de produtos do Brasil, como soja, minério de ferro, petróleo e carne. As exportações brasileiras para os chineses saltaram de US$ 1,6 bilhão (2000) para US$ 20,9 bilhões (2008), consolidando os laços econômicos entre os dois países.
A China contemporânea enfrenta um cenário mais duro. Houve a crise financeira global, a pandemia, os impactos globais da guerra na Ucrânia, disputas comerciais com os Estados e a União Europeia. O crescimento econômico caiu, e em vez dos dois dígitos da década de 2000, tem sido entre 3% e 6% ao ano.
Desde o início da presidência de Xi Jinping (2012), o governo chinês alterou seu modelo de desenvolvimento, com o Estado assumindo papeis mais profundos em termos de regulação e controle do setor privado, com tensões graves em áreas importantes como o mercado imobiliário e as empresas de tecnologia da informação.
Tanto Lula quanto Bolsonaro se referiram à influência econômica chinesa no Brasil de forma negativa, ressaltando seu impacto para o declínio da indústria nacional. Em discurso a empresários na Fiesp, Lula acusou a China de estar “comprando o Brasil”, mesma expressão que Bolsonaro havia utilizado na disputa presidencial de 2018.
Essa retórica crítica não é por acaso, nem se trata apenas de exaltação de campanha. O Brasil enfrenta há dez anos uma sucessão de crises econômicas e políticas, e o fechamento de fábricas e a perda de empregos industriais são parte desse quadro de deterioração.
Para setores industriais como têxteis, calçados e brinquedos, a competição com a China é um aspecto essencial do problema, e os empresários brasileiros demandam medidas protecionistas. Encontram simpatia entre políticos preocupados com política industrial e defensores de um maior papel do Estado na economia.
Em síntese, um futuro governo brasileiro, com Bolsonaro ou Lula, se defrontaria com uma China que cresce menos, envolvida em diversos problemas domésticos e internacionais, e com o governo brasileiro às voltas com preocupações com desindustrialização e influência chinesa na economia nacional.
*Maurício Santoro é doutor em Ciência Política pelo Iurperj, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor do livro “Brazil-China Relations in the 21st Century: the making of a strategic partnership” (Palgrave Macmillan, 2022).