TRANCOSO - Primeiro o “impulso” de comprar em meio a pandemia uma área em frente ao mar de seis hectares de Mata Atlântica, em Trancoso, para conservação. Depois trazer do interior de Minas quatro casas desmontadas com mais de 100 anos cada - de caminhão! – e remontar uma delas nesta área.
Esse oásis ganhou o nome de Uxua Maré e é mais uma das ousadias da dupla de empreendedores criativos, o holandês Wilbert Das e o americano Bob Shevlin, fundadores do hotel Uxua, inusitado e premiado hotel-casa pela hospitalidade e design.
“Estou trabalhando o Maré no mesmo processo que foi o Uxua, construindo um lugar de sonho. Num futuro próximo, essa área vai funcionar como uma extensão do hotel, com mínima intervenção, um jardim agroflorestal, um paraíso para hóspedes, paz e privacidade na natureza”, explicou Das ao NeoFeed.
Eleito o melhor resort do mundo em 2021 pelos leitores da Conde & Nast Traveller com nota 99,99 e único representante do Brasil em toda a lista, o Uxua é uma “utopia” que se concretizou em Trancoso.
“É um experimento econômico que deu certo”, define Shevlin sobre a casa de verão que se tornou um hotel e que emprega hoje mais de 100 pessoas. “Olhando para trás, se formos pensar, sempre fomos anti-greenwashing”, diz ele.
Depois de lançarem o Uxua em 2008, com o qual alcançaram ano a ano o reconhecimento internacional, a dupla agora quer inspirar outros empresários que chegam na região a empreender com responsabilidade e sustentabilidade.
“Não queremos que Trancoso seja vítima do próprio sucesso”, diz Shevlin. Durante a pandemia, “muitos condomínios começaram a ser construídos aqui, mas não com paixão e inspiração como no passado, mas só com ganância”, pontua Das.
O Uxua faz parte de uma holding formada pela dupla que compra, reconstrói e reforma casas na Itália e Estados Unidos. Eles não revelam quantas casas são, só que buscam por oportunidades de “preservar patrimônios”.
Assim como no hotel, Das trabalha com material recuperado e já criou uma rede de fornecedores que o avisa de peças e até estruturas inteiras que podem ser refeitas, como no caso das casas vindas de Minas para o Uxua Maré.
Em Trancoso, por exemplo, eles têm ainda o Uxua Alma, que constrói, faz a manutenção e o gerenciamento de casas criadas por Das para terceiros, como foi o caso do apresentador da CNN Anderson Cooper.
O “momento Uxua” hoje é de ampliar sua prática de preservação. Por isso, assim como outros 30 moradores e empreendedores locais, como Marcel Leite, do grupo Capim Santo, compraram áreas na região em que podem combinar conservação e hospitalidade.
Além do terreno do Uxua Maré, Das e Shevlin também estão à frente de outro projeto, o Uxua Roça, uma área de 17,5 hectares em que já estão trabalhando com agrofloresta.
“A ideia é recuperar a área e que possamos ter ovos, legumes e até leite para o hotel. Mas como não consigo parar de inventar, quero construir um lugar muito bonito ali, e até ser uma outra extensão para o Uxua, mas uma nova experiência”, diz Das.
Por enquanto, a casa dos caseiros e até o galinheiro já receberam o toque de design de Das. E uma das casas vinda de Minas vai ser remontada lá para abrigar hóspedes.
O Uxua, por meio de Shevlin, também está à frente da parceria com a ONG Conservação Internacional para o desenvolvimento do turismo regenerativo em toda a região do sul e extremo sul da Bahia e integra o projeto Futuri, uma aliança voluntária que busca contar com 200 empresários do setor de hospitalidade na região.
“Construímos um manual de boas práticas sustentáveis de turismo para atrair o máximo de empreendedores para o projeto”, diz Shevlin.
Para envolver também a comunidade nesse processo, o hotel é o principal patrocinador do Organic Festival, que chegou a sua terceira edição em outubro. O evento, organizado pelo francês Charles Piriou, promove o encontro de chefs badalados e chefs locais em jantares usando ingredientes locais, organiza oficinas gastronômicas e reúne pequenos produtores de orgânicos e artesãos numa feira de confraternização.
“O objetivo é que os moradores se apropriem do festival, que se sintam reconhecidos em suas iniciativas e parte da transformação”, explica Piriou.
Do inverno ao paraíso
A jornada da dupla na porção tropical do mundo começou num inverno, em 2004. Wilbert Das era o poderoso diretor criativo da grife italiana Diesel quando chegou em junho daquele ano, em Trancoso.
Era o único turista no vilarejo que até então só era disputado no Ano Novo. Encantou-se com a natureza e o acolhimento que recebeu dos locais. “Assim que deixei Trancoso, eu estava emocionalmente em choque. Isso nunca tinha acontecido comigo que viajava literalmente toda semana pelo mundo.”
Voltou em outras férias com Shevlin, que trabalhava dedicado ao marketing da Diesel, até se decidir em ter uma casa ali. Compraram uma área de 6 mil m² em pleno Quadrado, o centro histórico e preservado de Trancoso, e Das assumiu a reforma da casa em parceria com artesões locais, criando uma linguagem de design única, unindo luxo e descontração.
“Eu estava à frente da concepção das lojas Diesel, assim como do hotel do grupo, o Pelican, em Miami. O que fiz foi uma curadoria de tudo que achei incrível em Trancoso e fui compondo os ambientes.”
E o que não achava interessante desenvolvia com os artesãos, como o chuveiro revestido em madeira, por exemplo. “Nunca trabalhei com pessoas tão criativas e dedicadas como os baianos.”
Em determinado momento, viram que uma forma de recuperar o investimento no refúgio de verão seria agregar novas casas e fazer dele um negócio. Na época, já haviam saído da Diesel.
Em 2008, lançaram o conceito de hotel-casa Uxua com nove unidades, cada uma com identidade própria. Hoje, o complexo tem 13 casas independentes, parte restaurada, parte construída, em que cada uma conta entre uma e três suítes, e que ficam “camufladas” no jardim, numa área não contínua de 8 mil m².
“A concepção de design do Wilbert e nossa relação com o mundo do design logo atraiu a comunidade internacional”, lembra Shevlin. “Em 2010, a Pirelli escolheu o Uxua para fazer seu famoso calendário”.
E, na sequência Anna Wintour, a todo-poderosa da Vogue America, designou Mario Testino para fazer um editorial de moda de 15 páginas no hotel. “Com essa dose extra de sorte logo entramos no breakeven.”
Como numa coleção de moda, cada nova casa reconfigurada por Das para o Uxua conquista espaço na mídia internacional. Na decoração, ele usa peças do próprio tear que fica à vista dentro do hotel, faz móveis a partir de troncos caídos e usa gravetos como biombos e mescla "elementos de brasilidade". Talvez por isso, o Uxua conquistou viajantes no exterior muito antes de ser reconhecido pelos brasileiros.
“Não sei se por sermos gringos ou qual era a resistência, mas a clientela brasileira demorou a se formar. A gente teve reportagens em todas as Vogues do mundo, na CNN, The New York Times, The Wall Street Journal, mas não na imprensa daqui. Em alguns casos, os brasileiros parecem não ter orgulho das belezas do próprio país”, avalia Das.
Este ano em que conquistou outros títulos, o de terceiro melhor resort do mundo e o melhor da América do Sul, também pelo ranking da Conde Nast Traveller, o Uxua tem registrado metade de hóspedes brasileiros. No ano passado, o público internacional respondeu por 60% das reservas.
Para o réveillon deste ano, apenas a Casa do Lago, com três suítes para seis pessoas, ainda está disponível, depois de um cancelamento de última hora. O pacote com sete noites com check-in flexível, transfer de Porto Seguro, café da manhã, serviço de praia, acesso ao spa e ao Vida Lab (laboratório de pesquisa de plantas locais para fins terapêuticos) sai por R$ 210 mil. Em geral, as diárias na alta temporada partem de R$ 2.660.
A receita para continuar a cativar hóspedes de todos os lugares, diz Shevlin, é “gente e natureza”. Nesse momento, mais natureza do que nunca.