O cientista de dados Júlio Peixoto entra em uma reunião de um empresa de distribuição de energia, em Fortaleza, onde trabalha. Quando os problemas começam a surgir, os colegas já olham para ele na expectativa de um “conselho” definitivo. “Isso aqui para piorar tem de melhorar muito”, já solta. Ou “nunca é tarde para deixar de tentar.”
Para ele que coleciona máximas como “é só uma fase ruim, logo vai piorar” ou “você não pode mudar o passado, mas irá estragar o futuro”, "se você trabalha com o que você ama, nunca mais vai amar nada”. Há quatro anos, ele criou o personagem “Coach de Fracassos” para criticar a figura do “charlatão” que propõe atalhos para problemas complexos e metas inatingíveis usando para isso mantras motivacionais.
Peixoto diz ao NeoFeed não ser um pessimista. “Sou cético e realista. Quando comecei queria mostrar os absurdos que os coachs propunham num roteiro de meritocracia, produtividade e felicidade como se fosse uma questão de escolha. A vida não é tão fácil.”
Na época, diz, nem conhecia o conceito de “positividade tóxica” (que busca suprimir as emoções negativas e acaba por afetar a saúde mental), mas foi interessante que “justamente por isso minhas postagens atraíram muita gente da área de saúde.”
Conquistou uma multidão nas redes que se diverte ou se ofende com suas frases de efeito e suas interações que nunca passam esperança, afinal “ela não existe”. Seu perfil no Instagram tem 724 mil seguidores e, no fim do ano passado, foi convidado pela editora Best-seller, do grupo Record, para fazer o livro “Coach de Fracassos - Humanizando o fracasso com doses de humor”.
Até agora vendeu cerca de dois mil dos 3 mil exemplares da tiragem inicial. O que pode ser considerado um bom resultado para um autor iniciante. Ainda mais quando a campanha de lançamento da própria editora nas redes sociais dizia se tratar de uma obra “contraindicada para cases de sucesso.” De cara já atraiu a recomendação de Fábio Porchat. “É uma Lei de Murphy moderna”, cunhou o humorista e apresentador.
Agora, ele que já estampou sua filosofia como “a maior motivação é o desespero” em canecas e camisetas, planeja levar seu “Coach” para o palco, num modelo “stand up” em que possa refletir sobre vários aspectos do cotidiano. Até porque os coachs podem até ter mudado de nome, "tem gente que adota mentor, agora", mas estão em todas as esferas da vida, do trabalho ao adestramento do pet.
“Começou como uma brincadeira e nunca pensei em ganhar dinheiro com isso. Afinal, é tabu falar de fracasso. Meu personagem é o oposto do cara animado e super-receptivo. Sou um desinfluencer.”
O personagem é uma válvula de escape, diz ele. “Tenho TDH, preciso fazer muitas coisas simultâneas. Quando estou no home office posso programar e fazer pão ao mesmo tempo.” E como foi demitido da universidade em que dava aula por uma “restruturação”, aproveitou a “janela livre” para fazer um doutorado em Ciência da Computação na Universidade Federal do Ceará. E, no meio de tudo, posta.
No ano passado, foi chamado para um encontro de influenciadores. “Eles me perguntavam o que você faz? TikTok? Não, sem dancinha. YouTube? Não. Eu não faço nada. Não tenho horário. Não posto todo dia. Não sei por que me seguem”, brincou.
Na verdade, nas legendas dos posts, Peixoto “traz um contexto”, sempre recorrendo ao humor. “Nunca esqueça que você é limitado”, postou. E explicou: “Seus piores fracassos te dizem fielmente quem você é e quem você nunca será. Querer não é poder e você não pode tudo, exceto se você for herdeiro.”
O despertar para a criação do personagem veio de uma questão de saúde, por sinal. Recém-saído de um processo de emagrecimento em que perdeu 45 quilos em seis meses, com acompanhamento de endocrinologista, dieta e exercícios, ele foi abordado por uma convidada numa festa. “Ela me ouviu contando do processo, se aproximou e para meu espanto disse ‘você emagreceu errado””.
Oi? Ela se auto-intitulava “coach de emagrecimento”, lembra, e tinha vários outros “passos e shakes para eu emagrecer mais rápido e sem sofrimento. Fiquei com muita raiva. Nem médica era. Fazia ADM, que deveria ser administração.” A partir daí, ele passou a pesquisar todos os perfis de coachs nas redes, reunindo “os absurdos que falavam.”
Ficou obcecado pelo tema. Até que um dia na Universidade Federal do Ceará, depois de uma prova desastrosa para quase toda a turma de Ciência da Computação que o professor chamou de “fracasso”, um amigo lhe disse: “É um coach de fracasso”.
Foi daí que criou o personagem, primeiro no Facebook. “Mas tinha muita briga lá por causa de política e muitos, muitos gatinhos.” Assim, foi para o Instagram “porque lá era o lugar da hipocrisia, do tudo lindo, o ‘pior melhor canal’ para mostrar que as pessoas precisavam refletir com sensatez”. Ou para mostrar como "a desilusão é libertadora.’”
O avatar que ilustra o personagem, por sinal, é do professor Alan Victor Oppenheim do Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação do MIT, cujo conteúdo caiu na tal prova em que só "6 de 50 foram aprovados". Peixoto estava entre os que passaram.
Ele diz que nunca vai levar ninguém para a montanha e abandoná-lo lá (numa referência ao coach Eric Marçal que colocou em risco a vida de 32 seguidores numa caminhada em péssimas condições de tempo, no Pico dos Marins, interior de São Paulo). Por isso criou a metodologia FDP (fracasso, derrota, desistência e procrastinação) para que as pessoas possam conviver em harmonia com suas próprias derrotas.
São ferramentas, explicadas no livro, para “evitar o sucesso”, “diagnosticar a produtividade”, “identificar a hora certa de desistir” e “expandir a zona de conforto”, entre outras. No fundo, o guru da desmotivação só quer facilitar um “processo de transformação focado nas possibilidades de erros futuros e não de erros do passado”. Porque é sempre bom avisar: “destrua seus sonhos antes que eles destruam você.”