Dias após conseguir contornar o impasse sobre o teto da dívida pública dos Estados Unidos no Congresso americano, o governo do presidente Joe Biden já se prepara para contrair cerca de US$ 1 trilhão em empréstimos, por meio da emissão de títulos do Tesouro. O objetivo é recompor o caixa que, na semana passada, atingiu o nível mais baixo desde 2017.
A torneira a ser aberta de US$ 1 trilhão em títulos do Tesouro vai inundar o mercado financeiro, que acompanha esse movimento com atenção, pois o grande volume de novas emissões deve aumentar a pressão sobre os depósitos bancários nos EUA, que já caíram este ano com o aumento das taxas de juros e a quebra de banco regionais.
Portanto, a solução de um problema – o acordo no Congresso que suspendeu por dois anos o limite do teto da dívida, obtido dias antes do prazo final, 5 de junho – está abrindo caminho para outro, já que as vendas esperadas de títulos do Tesouro podem drenar a liquidez nos mercados financeiros.
O Departamento do Tesouro ofereceu orientação nesta quarta-feira, 7 de junho, dizendo que pretende retornar seus saldos de caixa aos níveis normais até setembro.
O J.P. Morgan estimou que o governo americano vai precisar emprestar US$ 1,1 trilhão por meio da venda de títulos do Tesouro de curto prazo até o final de 2023, sendo US$ 850 bilhões em emissão líquida de títulos nos próximos quatro meses. Trata-se do maior aumento na emissão de títulos do Tesouro da história, exceto durante crises como o colapso financeiro de 2008 e a pandemia em 2020.
A nova emissão de títulos é fundamental para que o governo americano encerre os problemas gerados ao atingir o teto da dívida pública, no valor de US$ 31,4 trilhões, em janeiro. Desde então, o governo estava impedido de contrair novos empréstimos, via títulos do Tesouro, para cumprir obrigações financeiras.
O impasse no Congresso se arrastou por semanas e assustou o mercado financeiro. Caso não chegasse a um acordo, o governo americano teria de decretar um calote, de consequências proporcionais ao tamanho de sua economia, a maior do planeta.
Além de uma provável recessão, que, de acordo com estimativa de Biden, rebaixaria a nota de crédito do país e causaria o desemprego de 8 milhões de americanos, a bolsa americana poderia encolher em até 45%.
A despeito do clima de radicalização política no Congresso, poucos analistas acreditaram na hipótese do calote ao longo da crise. Mas Biden e a bancada democrata no Congresso esperaram até o último momento para fazer concessões à oposição, de maioria republicana.
Com isso, o governo americano chegou à data limite do teto da dívida com menos de US$ 50 bilhões em caixa. Daí a urgência em contrair novos empréstimos.
Efeito bancário
A nova emissão de títulos preocupa os bancos nos EUA, em especial os de menor porte. A crise bancária do início do ano foi causada por problemas com os títulos do Tesouro de longo prazo que essas instituições haviam comprado antes do início do aumento da taxa de juros.
Com o saque de clientes, em busca de opções mais lucrativas de investimentos, os bancos tiveram de se desfazer desse papeis a um valor de face menor para reforçar o caixa, amargando prejuízos. Esse foi o roteiro que levou o Silicon Valley Bank (SVB), entre outros bancos de médio porte, à falência.
“Os rendimentos já começaram a subir em antecipação ao aumento da oferta", afirmou Gregory Peters, diretor de investimentos da PGIM Fixed Income, à agência Reuters. “O aumento nos rendimentos pode forçar os bancos a aumentar suas taxas de depósito.”
A fuga adicional de depósitos e o aumento dos rendimentos podem, por sua vez, levar os bancos a oferecer taxas de juros mais altas em contas de poupança, o que pode ser particularmente caro para instituições menores.
No comunicado divulgado nesta quarta-feira, o Departamento do Tesouro prometeu que monitoraria "cuidadosamente as condições do mercado e ajustaria seus planos de emissão conforme apropriado”.