O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) divulgou recentemente um estudo indicando a recuperação do setor aos níveis pré-pandêmicos. Neste ano, a previsão é de uma movimentação financeira de US$ 9,5 trilhões globalmente, ou 95% do montante que circulava até 2019.
Para a Decolar, a maior empresa de viagens online da América Latina, esse é o momento para expandir os seus horizontes. E uma das estratégias é crescer com a inauguração de lojas físicas, plano que pode ser acelerado com uma fusão com a CVC Corp, segundo apurou o NeoFeed.
Nativa digital, a Decolar estaria interessada nas mais de 1,2 mil lojas próprias e franqueadas da operadora de turismo, que criaria uma empresa única de vendas na região latino-americana. Seria uma opção para a CVC, que, no fim do primeiro trimestre de 2023, reportou um prejuízo de R$ 128 milhões e um endividamento, via debêntures, de R$ 926 milhões - a companhia fez, recentemente, um alongamento dessa dívida, com a primeira amortização no fim de 2024, e a redução do valor para a casa dos R$ 750 milhões.
“Conversamos permanentemente com todos os potenciais sócios. São conversas delicadas, às vezes vai bem, às vezes não”, diz Damián Scokin, CEO global da Decolar, em entrevista para o NeoFeed, quando questionado sobre o andamento das conversas com a CVC. “Por isso, a Decolar sempre tem um plano B. Não podemos só conversar de crescimento inorgânico como única alavanca de crescimento.”
A possibilidade de fusão entre Decolar e CVC Corp, no entanto, esfriou, mas não morreu, após o anúncio do follow on da operadora de turismo. Confirmado na quarta-feira, 14 de junho, a CVC vai emitir 83,3 milhões de ações ordinárias, num total de R$ 350 milhões considerando o fechamento do papel na segunda-feira 19.
Por conta disso, Scokin está colocando o plano B em marcha. A Decolar está se preparando para “decolar” seu plano orgânico, que ficou adormecido um ano em meio na gaveta: criar as lojas com a marca Decolar. A ideia ficou engavetada em razão das condições de mercado, segundo Scokin.
“Nosso interesse em investir em lojas físicas não está limitado às conversas de fusão. Avaliamos, sim, a possibilidade de fazer algum tipo de aquisição ou de associação com algumas lojas físicas, o que não foi bem-sucedido. Ficamos esperando isso acontecer, mas decidimos avançar com as lojas físicas próprias”, afirma o CEO global da Decolar.
A partir de julho, capitais como São Paulo e Rio de Janeiro são as mais cotadas para receber as primeiras placas da empresa. Curitiba e Belo Horizonte são cidades que também estão nos planos, assim como Buenos Aires. Os espaços serão próprios ou franqueados e a negociação com shopping centers está em andamento - embora as localizações não sejam confirmadas pela Decolar.
Avanço no B2B
Para se consolidar além do Online Travel Agency (OTA) para o cliente final, a Decolar colocou um pé firme no B2B. No terceiro trimestre do ano passado, a empresa absorveu a operação da HotelDO, uma plataforma que atende exclusivamente agentes de viagens, um acordo que começou há três anos.
Há seis meses, a Decolar implementou também uma tecnologia proprietária para melhorar a experiência de venda e agilizar as consultas pelo broker, o que tende a aumentar a taxa de concretização da venda. Além da consulta online, o canal por voz com um “agente Decolar” ganhou força nesse segmento.
O crescimento do HotelDO, que atende 12,5 mil agentes de viagens na América Latina, mostra os esforços da empresa para ser omnichannel - algo que se encaixa na estratégia de abertura de lojas físicas.
“Esse é o segmento que que mais cresce na América Latina e é nossa grande aposta de crescimento junto com as lojas físicas, principalmente no Brasil. Não damos exposição aos números, mas são dois dígitos e crescendo”, diz Scokin.
Com projeção de faturamento de US$ 700 milhões neste ano, frente aos US$ 640 milhões do ano passado, o Brasil é o maior mercado da Decolar. No primeiro trimestre deste ano, o total de transações no País entre os negócios da empresa foi de 43%, um crescimento de 35% sobre o mesmo período do ano anterior. A expectativa é que o Brasil supere os 50% até o ano que vem.
Das últimas cinco aquisições feitas pela companhia, três eram empresas nacionais. De 2020 a 2022, a Decolar adquiriu a fintech Koin, pioneira no modelo de financiamento BNPL (Buy Now, Pay Later); a Stays.net, empresa de software as a service que faz gestão de canais digitais do mercado de aluguel para temporada; e a agência online brasileira ViajaNet.
Nos últimos meses, a Decolar viu um concorrente direto mergulhar na crise. A Hurb, antiga Hotel Urbano, fez uma série de cancelamentos de viagens para os consumidores. Esses cancelamentos provocaram a suspensão de contratos com fornecedores. Houve, ainda, a insatisfação com a postura do fundador João Ricardo Mendes, que desrespeitou clientes insatisfeitos com o serviço.
“Primeiro de tudo, a indústria sofre quando qualquer um concorrente não pode cumprir uma promessa de viagem. É uma má notícia”, diz o CEO da Decolar. “Eu, particularmente, não gosto de setor com fraca credibilidade porque um dos fatores que você tem de fazer é jogar dentro das regras.”
E complementa: “Obviamente há uma demanda que não está sendo satisfeita que a Decolar está capturando com muito sucesso. Isso explica boa parte dos bons números que atingimos no último trimestre.”
Com ações listadas na New York Stock Exchange (Nyse), a Decolar - que fora do Brasil é chamada de Despegar - tem valor de mercado de US$ 435 milhões. Com operações em 20 países, o número de passageiros atendidos com passagens aéreas e hospedagem supera as 17 milhões de pessoas por ano.
As finanças da Decolar
No primeiro trimestre de 2023, as reservas brutas da Decolar totalizaram US$ 1,1 bilhão, um aumento de 44% sobre o mesmo período de 2022. As receitas foram de US$ 158,7 milhões, um recorde para um trimestre e crescimento de 41% sobre o mesmo período. E a companhia terminou com US$ 228 milhões em caixa.
Com a esperada recuperação plena do setor de viagem e turismo no segundo semestre de 2023, Scokin concentra sua preocupação na macroeconomia brasileira. Ele é mais um entre tantos do setor privado a criticar o nível alto do juro básico da economia brasileira.
“O Brasil é uma economia que tem alguns números muito bons, como a tendência de queda inflacionária, mas que ainda não se reflete em uma qualidade e melhora da situação do mercado de crédito”, diz ele. “Quando esse cenário se normalizar, a situação vai ser ainda muito melhor. Mas o setor está olhando a situação macro do Brasil, e nós não só pelo turismo mas sob a perspectiva da Koin.”
A Koin reportou um Ebitda negativo de US$ 2,5 milhões no primeiro trimestre (uma redução frente aos US$ 4,6 milhões do mesmo período de 2022) mesmo mantendo uma estratégia conservadora na originação de empréstimos. A projeção da Decolar é que a fintech atinja o breakeven ainda em 2023.
Como quem mexe com vendas não perde uma oportunidade de fazer negócio, Scokin deixa uma dica para as férias de inverno que estão se aproximando. Para quem gosta do frio, ele indica o sul da Argentina, com Ushuaia.
Mas quem quer fugir da estação, a Riviera Maya, no México, pode surpreender. “O México vai desistir de pedir visto para brasileiros, então os pacotes estão atrativos”, diz ele, que já vai treinando o discurso para repetir no balcão de suas lojas.