O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou um esforço concentrado no Congresso Nacional para aprovar até sexta-feira, 7 de julho, a primeira votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária, que prevê substituição de impostos federais e estaduais por uma cobrança única, o IVA (Imposto de Valor Agregado).
Além da grande mobilização política que a empreitada vai exigir - por se tratar de uma PEC, a proposta precisa passar por dois turnos de votação na Câmara e, depois, por outros dois no Senado -, diversos pontos da versão final da reforma tributária apresentada em 22 de junho pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda são alvo de pressões por mudanças por parte de governadores e de setores da economia que se dizem prejudicados.
Além das pressões políticas, há questões difíceis de obter acordo, como a criação de um Conselho Federativo, que vai supervisionar a arrecadação de tributos no lugar de estados e municípios.
De acordo com juristas, a criação desse conselho nos termos em que foram inseridos no texto é inconstitucional, pois fere o pacto federativo.
Para tentar viabilizar a votação, Lira iniciou no fim de semana uma blitz política. De um lado, pediu para que os líderes partidários se reunissem com suas respectivas bancadas para identificar quais são as maiores resistências ao texto. De outro, colocou o relator da reforma à disposição para dialogar com os parlamentares.
A especialista em direito tributário do escritório Terra e Vecci Advogados, Fernanda Terra, afirma vários tópicos da reforma em tese podem emperrar um acordo.
Um deles é o provável aumento da carga tributária embutido na proposta para alguns setores, em especial o de serviços, como saúde, educação e de profissionais liberais. A especialista cita seu próprio escritório como exemplo.
Segundo ela, pela proposta, o aumento de alíquota será de 140% em relação à taxação atual, pelo fato de o escritório em que atua pagar os tributos pelo modelo de lucro presumido.
“O setor de serviços, que paga hoje 5% de ISS e 3,75% de PIS-Cofins, passará a pagar 25% de alíquota única, índice que por sinal ainda não foi definido, mas está sendo avaliado”, diz Terra.
Estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgado na semana passada, adverte que, caso a alíquota IVA seja de 25%, o aumento da carga tributária no setor de serviços colocará sob risco 3,8 milhões de empregos.
Segundo Terra, não há articulação política no Congresso para cobrar a promessa do governo de que a reforma não trará aumento de carga tributária. “O argumento sempre é que o crescimento do PIB cobre essa diferença”, diz.
Contribuição e imposto
Outro ponto polêmico na versão final do relator do texto, de acordo com a especialista, é sobre a conversão de dois tributos, o ICMS (estadual) e ISS (municipal), no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios.
Por sua vez, a reforma também prevê que no lugar de três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), entra a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal.
“Imposto e contribuição são tributos de natureza diferentes, sendo que a CBS, por ser contribuição, a União não divide com ninguém, enquanto o IBS divide com estados e municípios”, explica Terra.
Segundo ela, o que determina a natureza jurídica de um tributo não é o nome, mas sua base de cálculo e fato gerador. O drama é que, embora um seja imposto e o outro, contribuição, são idênticos no detalhamento da lei – como fica explícito no texto.
“Isso pode gerar judicialização da questão por parte dos governadores, que vão alegar que, na prática, contribuição é o mesmo que imposto e vão pedir sua parte no quinhão”, adverte.
A advogada observa que esse é um problema recorrente na reforma tributária. “Embora exista um consenso em torno da ideia de unificar os tributos, falta detalhamento jurídico no texto constitucional em alguns trechos para evitar judicialização posterior.”
Outro ponto que está gerando inúmeras discussões diz respeito às incertezas quanto ao funcionamento do Conselho Federativo para que os estados, municípios e Distrito Federal exerçam as competências administrativas relativas ao IBS.
De acordo com Rubens Boicenco, advogado tributarista do CSA Advogados, o texto da PEC propõe que os entes federativos participarão da assembleia geral, que funcionará como instância máxima de deliberação e autoridade orçamentária.
“Como o texto prevê que os votos serão distribuídos de forma paritária entre o conjunto dos estados e o Distrito Federal, os governadores temem uma eventual perda de representação no Conselho Federativo”, afirma Boicenco.
Na noite de domingo, enquanto Arthur Lira começava a mobilizar as bancadas na Câmara para agilizar a aprovação da reforma, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, propôs que o voto no referido Conselho tenha um peso proporcional à população dos entes participantes -- indicando uma nova frente de disputa entre os governos estaduais e o governo federal em relação à reforma tributária.
Para a tributarista Fernanda Terra, o problema maior da formação do Conselho Federativo é de ordem constitucional. “Os governadores perdem a autonomia de cobrar impostos e isso fere o pacto federativo”, adverte.
Há também ruído entre os governadores com a proposta de transição para o modelo de IVA dual, entre 2026 e 2032. Nesse intervalo, os cinco tributos existentes hoje (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão gradativamente substituídos pelo novo modelo de IVA.
No texto da PEC, as alíquotas do ICMS começarão a cair em 2029, com a extinção definitiva do imposto estadual em 2033. O corte anual será equivalente a 20% da alíquota vigente.
“Defendemos uma redistribuição dos percentuais, com uma alíquota teste em 2029 e migração definitiva em 2033", disse Carlos Eduardo Xavier, presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda).