Se o exame genético revela quem ou o que é; a isotopia, de onde vem. E informar a procedência é o foco da startup neozelandesa Oritain, fundada em 2008, em Dunedin. Combinando os princípios dos exames isotópicos com data science e modelagem estatística, os pesquisadores Russell Frew e Helen Darling desenvolveram um sistema pioneiro para fazer a rastreabilidade de produtos e matérias-primas, para indústrias de diversos setores.

Caracterizados pelo conjunto de átomos de um mesmo elemento químico, de número atômico igual, mas massas diferentes, os isótopos estão por toda parte. O ambiente deixa marcas nessas partículas e esses registros funcionam como uma impressão digital única, sobre a origem de tudo o que existe.

Base da medicina nuclear desde os anos 1920, a precisão da isotopia se popularizou, em meados do século 20, como ferramenta para a elucidação de crimes, de toda sorte – contra a vida e o meio ambiente, tráfico de drogas e falsificação de remédios, por exemplo.

Um caso clássico da perícia forense aconteceu em Dublin. Em março de 2005, um crime assombrou a capital irlandesa. Um corpo mutilado foi encontrado no subúrbio operário de Tallaght. Os restos mortais não permitiram a identificação papiloscópica. Mas, a análise de isótopos estáveis, em amostras de fêmur do cadáver, foi decisiva. Vindo da costa leste da África, o homem chegara à cidade sete ou oito anos antes.

Essas informações foram fundamentais para a Justiça autorizar o teste de DNA em uma criança, filha de uma suposta vítima. Com o resultado positivo, o morto foi identificado e o crime, desvendado. Vindo do Quênia, em 1996, Farah Swaleh Noor, de 40 anos, fora assassinado e esquartejado pelas filhas de sua namorada, as “Scissor Sisters”, como Linda e Chartlotte Muhall ficaram conhecidas.

O trabalho da Oritain guarda semelhança com a elucidação de crimes. Ele começa com a coleta dos “datilogramas químicos” que servirão de base para comparações futuras. Armazenada no banco de dados da empresa, a “impressão digital de origem” serve para auditar o produto e/ou matéria-prima em qualquer ponto da cadeia de suprimentos.

Do venture capital à Nestlé e Lacoste

A tecnologia desenvolvida pela neozelandesa tem atraído a atenção do venture capital. Recentemente, a startup levantou US$ 57 milhões, em uma rodada de série C, elevando o total financiado para US$ 70 milhões. O último aporte foi liderado pela Highland Europe e apoiada pela Long Ridge.

russell frew, cofundador oritain
O pesquisador Russell Frew, cofundador da Oritain

Entre os clientes da startup estão companhias de diversos setores, como têxtil, farmacêutico, alimentício, vinícola, canábico. A marca de luxo Lacoste, por exemplo, garante a procedência do algodão usado em sua confecção com a Oritain.

A Nestlé foi a primeira parceira da empresa de Dunedin no Brasil – e na América Latina. Há dois anos, a Oritain vem “seguindo” o café usado na linha Nescafé Origens.

“O café usado em todas as marcas da Nestlé é 100% certificado e 100% rastreado. Sabemos de onde vem cada grão, mas, como não compramos diretamente das fazendas, por mais que tenhamos essas informações, elas são feitas com base em notas fiscais e planilhas, por exemplo”, diz ao NeoFeed, Taissara Martins, head de ESG de Cafés e Bebidas da Nestlé. “Atestar essa rastreabilidade, por meio da química e da genética, nos pareceu incrível.”

Os cientistas forenses da Oritain percorreram as 35 fazendas, nos três terroirs, de onde saem os grãos para a produção do café da marca, nas regiões de Serras do Alto Parnaíba e São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, e Chapada Diamantina, na Bahia. Além de colher amostras junto aos produtores, os neozelandeses também visitaram os armazéns onde os grãos são estocados.

Agora, conta Taissara, sempre que a Nestlé compra café para a marca Nescafé Origens envia um punhado para Dunedin. São feitas três análises por ano, em cada terroir, completa a executiva.

Demanda do mercado

Informações precisas sobre rastreabilidade como as oferecidas pela Oritain vêm atender à demanda crescente do mercado de bens de consumo. Conforme a agenda ESG ganha força, a transparência torna-se imprescindível para a reputação das marcas e, consequentemente, o bom andamento dos negócios. A pressão não vem apenas dos clientes, cada vez mais conscientes e exigentes, mas também de investidores e reguladores.

Em abril passado, por exemplo, a União Europeia aprovou uma lei obrigando as empresas a garantir que os produtos vendidos no bloco não vieram de terras desmatadas ou levaram à degradação florestal. A nova legislação abriga carne bovina, cacau, café, dendê, soja e madeira, inclusive produtos que contenham ou sejam elaborados com essas comodities, como couro, chocolate e móveis.

vinho.jpg" alt="oritain vinho" width="860" height="484" /> O sele de rastreabilidade da Oritain em garrafa de vinho

O velho código de barras na embalagem dos produtos já não satisfaz mais - e nem dá conta da sofisticação dos falsificadores. Nas contas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a fraude e a pirataria custam à economia global, no mínimo, US$ 500 bilhões anuais; o equivalente a 3,3% de tudo o que é produzido.

A Oritain já flagrou vinho de um país misturado com vinho de outro e carne sul-americana vendida como britânica, relata Grant Cocchrane, CEO da empresa.

A startup neozelandesa é a única a trabalhar com isótopos estáveis, mas outros empreendedores vêm desenvolvendo soluções em blockchain e nos chamados códigos de barras biológicos. Como costuma dizer o investidor Warren Buffet: “Leva-se 20 anos para construir uma reputação e cinco minutos para arruiná-la. Se você pensar sobre isso, fará as coisas de forma diferente”.