Das seis mulheres de Henrique VIII, a rainha Catarina Parr (1512-1548) foi a única que sobreviveu para contar a história. E é praticamente isso que ela faz em “Firebrand”, longa-metragem que especula as possíveis estratégias da monarca para não cair em desgraça, assim como as suas antecessoras.
“Ela foi obrigada a se casar sabendo que as cinco esposas anteriores estavam mortas”, afirmou a atriz sueca Alicia Vikander, lembrando que duas delas foram decapitadas por ordem do marido. Elas foram Catarina Howard e Ana Bolena – esta última é a mais conhecida, já interpretada por Natalie Portman em “A Outra” (2008).
“Foi uma luta diária para Catarina continuar viva, uma façanha incrível”, disse Alicia, durante o último Festival de Cannes. Uma das atrações da 25ª edição do Festival do Rio, inaugurado na quinta-feira, “Firebrand” fez a sua première mundial no evento francês, onde o NeoFeed participou do encontro de Alicia com a imprensa.
“Quando você se coloca no estado de espírito de Catarina tudo muda. Dá para perceber a fragilidade de cada momento e o medo que ela tinha de fazer qualquer coisa errada, algo que fizesse esse homem surtar”, contou Alicia, de 35 anos.
A ideia de explorar o que pode ter salvado a vida de Catarina, ao lado de Henrique VIII, tido como um dos monarcas mais cruéis da história, vem de um livro publicado em 2013.
“Firebrand” é inspirado em “Xeque-Mate da Rainha”, o romance histórico escrito pela britânica Elizabeth Fremantle, onde é destacada a inteligência de Catarina para andar constantemente em campo minado. Mas a própria Catarina deixou livros, que também contribuíram com a pesquisa de Alicia, em preparação para o filme.
“Geralmente apenas homens e reis são reconhecidos nos livros de história. E Catarina foi a primeira mulher inglesa a ter livros publicados no próprio nome. Ao lê-los, ouvi a voz dela e pensei: esta é uma mulher de 500 anos atrás!”
Agendado para estrear em março de 2024 nas salas de cinema, com lançamento da Paris Filmes, “Firebrand” também foi promovido na Côte D’Azur pelo ator inglês Jude Law, escalado para o papel de Henrique VIII, e pelo cearense Karim Aïnouz, encarregado da direção do filme.
“Ao tomar contato com a história de Catarina, eu me perguntei por que ninguém tinha feito esse filme antes”, disse Karim Aïnouz, convidado para rodar o drama pela produtora inglesa Gabrielle Tana, em 2021. Ela traz no currículo filmes como “Philomena” (2013), estrelado por Judi Dench, e “A Duquesa” (2008), com Keira Knightley.
Em “Firebrand”, Catarina não é apenas uma esposa que sofre com as crueldades do marido. Humanista, ela protege clandestinamente os protestantes perseguidos pela Igreja Católica (o que teria sido o seu fim, caso o marido descobrisse).
Também insiste para ter algum papel político na história da Inglaterra, o que lhe garantiu o posto de regente quando Henrique VIII liderou o seu exército contra a França. E justamente por seu interesse político, ela vira um alvo de maquinações de membros da corte do rei, que querem vê-la acabar como as outras esposas.
Ainda vale lembrar que Catarina, que não teve filhos com Henrique VIII, educou os seus herdeiros de casamentos anteriores, incluindo Elizabeth I, que mais tarde se tornaria rainha da Inglaterra.
“Fiquei intrigado pela força e pela modernidade de Catarina, uma mulher que faria sentido nos dias de hoje”, contou o cineasta, de 57 anos. Daí vem a abordagem mais feminista, o que possibilita aqui um desfecho diferente do oficial, apresentado pelos historiadores.
“Os livros de História trazem os mesmos fatos, enquanto os espaços entre uma coisa e outra são interpretados por cada historiador de um modo diferente. E isso é libertador, o que nos permitiu interpretar do nosso jeito, sobretudo os momentos mais ambíguos”, disse Jude Law, de 50 anos.
O ator se recusa a considerar o seu personagem um monstro. “Ainda que ele se comportasse assim, esse não é o meu trabalho. Não posso julgá-lo. Tive de entendê-lo. Ele precisava ser redondo, plausível e contraditório”, afirmou Law, quase irreconhecível por trás da maquiagem, incluindo cabelos grisalhos, barba espessa e dentes postiços.
Sua transformação ainda contou com uma prótese para representar uma ferida incurável na perna do rei (talvez uma úlcera varicosa, apontada por alguns historiadores como a causa de sua morte).
“Pelos relatos que li, era possível sentir o cheiro de Henrique XIII a três quartos de distância com aquela perna que estava apodrecendo, o que ele tentava disfarçar com óleo de rosa”, contou Law.
O ator chegou a encomendar a uma perfumista uma fragrância horrível para borrifar o set, por onde o seu personagem passava durante a filmagem. “Ela conseguiu criar esse misto extraordinário de pus, sangue, matéria fecal e suor”, disse ele, rindo.