Os governos brasileiros se fazem de surdos. Enquanto o mundo civilizado estabelece metas e políticas de transição para energias renováveis, o governo federal realizou um leilão, na quinta-feira, 7 de outubro, de 92 novos blocos de exploração de petróleo e gás natural na costa brasileira.

Além da falta de visão estratégica, esta iniciativa veio carregada de riscos ambientais com a abertura de exploração em áreas de preservação marinha da região Nordeste. Apesar das declarações oficiais em contrário, o leilão fracassou e apenas 5 blocos na Bahia de Santos foram comprados. Nenhum dos 14 lotes de reconhecido risco ambiental foi arrematado.

O governo agora diz que vai analisar o resultado do leilão e buscar entender se a falta de atratividade se deu pelos riscos comerciais inerentes à aquisição de novas fronteiras exploratórias; acúmulo de ativos petrolíferos nas mãos das companhias; maior seletividade das empresas petrolíferas devido às dificuldades econômicas do pós-pandemia; ou o contexto ambiental local e global.

Muito provavelmente, a combinação desses fatores resultou nesse revés. O fato é que, como destacou a Folha de S. Paulo, esse foi o leilão que teve o menor número de participantes e a menor arrecadação desde o início deste modelo de licitações em 1999. Ainda assim, participaram gigantes do setor, como Shell, Chevron, TotalEnergies e a Petrobras.

O pouco caso com o meio ambiente ao incluir lotes de alto risco para a biodiversidade na Bacia Potiguar, que engloba o Rio Grande do Norte, o Ceará e o arquipélago de Fernando de Noronha, é um traço típico do atual governo. Desconsiderou uma nota técnica do ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, vinculado ao próprio Ministério do Meio Ambiente, que afirmou claramente ser temerária a inclusão da Bacia Potiguar no leilão.

Vale destacar que os governos anteriores também apostaram alto nas “riquezas” do Pré-Sal. Já na década passada, sustentar políticas de desenvolvimento a partir de reservas de combustível fóssil se mostrava uma decisão contaminada por uma visão de mundo “curtoprazista”, incapaz de perceber as necessárias transformações da sociedade e a aceleração das transformações que se seguiriam já na década seguinte.

Se na década passada era importante, na atual é ainda mais urgente posicionar-se como um ator relevante na geopolítica da transição energética. Algo lógico para um “país tropical abençoado por Deus” com a extensão de recursos naturais, alta capacidade de produção de biomassa, insolação e incidência de ventos.

Sem dúvida não vamos prescindir do dia para a noite dos combustíveis fósseis e de outras aplicações petroquímicas, mas definitivamente queimá-lo e lançar CO2 na atmosfera é o seu pior uso e, muito provavelmente, o que necessariamente deverá entrar em declínio mais rapidamente ainda nesta década. A urgência do combate às mudanças climáticas não permite a falta de um plano consistente de transição energética de países, estados, cidades e empresas.

A urgência do combate às mudanças climáticas não permite a falta de um plano consistente de transição energética de países, estados, cidades e empresas

Os céticos afirmam que as soluções atuais não permitem o abastecimento de energia suficiente para suportar toda a atividade humana no planeta nos moldes que temos hoje. Por isso, há tanta pressão por investimentos em inovação nos mais diversos campos de geração de energias renováveis, além de uma lenta, mas consistente, tomada de consciência de parte da população sobre a necessidade de mudanças no estilo de vida.

Todos esses fatores devem ser considerados no momento de se planejar as ações para esta década – em qualquer nível, do individual ao coletivo. Onde você, ao tomar uma decisão, vai apostar seu futuro?

Adoraria acreditar que este fracasso retumbante venha a representar um ponto de inflexão no programa energético brasileiro e na política de concessões de explorações de petróleo – e que o Pré-Sal deixe de ser utilizado como “ouro dos tolos”. Na verdade, tolice minha.

Não sabemos ainda se foram apenas circunstâncias conjunturais momentâneas que afugentaram as empresas ou se a decisão está ligada à pressão por transição energética, ou ainda ao risco reputacional provocado pelo barulho das ONGs e da mídia ao alertarem para os perigos ambientais relacionados a esta licitação específica.

Por hora, o que está claro é que, também no âmbito da energia, seguimos explorando as novas fronteiras do atraso.