As mudanças climáticas finalmente alcançaram o topo da agenda global em 2021. Se o planeta vive uma febre com o aquecimento de sua temperatura média, os governantes e os líderes de negócios também foram tomados por uma atenção febril pelo clima.

O pico desse fenômeno foi a COP 26, a Conferência das Nações Unidas, em novembro, em Glasgow. Nenhuma empresa global pode ser considerada séria se não tiver um plano para alcançar o balanço de zero emissões de carbono em algum ponto até 2050.

Foi uma longa jornada até que a ciência conseguisse vencer as resistências e eliminasse todos os questionamentos, racionais e irracionais, de que o aumento de temperatura para além de 1,5 grau está em curso e será desastroso para a vida humana no planeta, em especial, para as populações mais pobres.

O gatilho para essa tomada de consciência não foi a empatia ou o amor ao próximo, mas o amor ao dinheiro. No momento em que esse risco se tornou evidente para os detentores de capital (investidores e demais agentes econômicos globais), a análise de performance ESG também virou a bola da vez, ganhou relevância e passou a pressionar o mundo corporativo por ações afirmativas no combate às mudanças climáticas.

Soma-se a isso o fato de que as mudanças climáticas já atraem a atenção das pessoas comuns, os consumidores. Na pesquisa global Healthy & Sustainable Living, realizada pela consultoria internacional GlobeScan em 31 países, as mudanças climáticas são o segundo tema de maior preocupação dos consumidores e somente foi superado por dois pontos percentuais pela pandemia de Covid.

Entre os brasileiros, são vistas como muito sérias para 73% dos consumidores, mas estão no mesmo nível de preocupação que outros tantos temas, como escassez de água, falta de acesso a serviços de saúde, a própria pandemia etc.

No entanto, no aprofundamento feito especialmente para o Brasil, em parceria com o Instituto Akatu, a mesma pesquisa revela que o nosso consumidor realmente despertou para a importância das mudanças climáticas.

Diz o estudo: “No Brasil, 8 em cada 10 pessoas veem os eventos climáticos extremos como incomuns e 5 em cada 10 consideram que eles são muito incomuns e alarmantes”. Ou seja, os efeitos na vida real das mudanças climáticas, como as fortes tempestades, inundações, secas e tempestades de areia e resíduos, que se tornaram comuns também no Brasil, já são reconhecidos e correlacionados pelos brasileiros com a transformação do clima para pior.

A pesquisa também aponta que 69% dos brasileiros esperam que o Brasil tenha um papel de liderança, com metas ambiciosas para combater às mudanças climáticas
o mais rápido possível. E o apoio a medidas de combate é igualmente alto:

  • 68% é fortemente ou parcialmente a favor de impostos sobre combustíveis fósseis;
  • 90% defende o investimento em novas tecnologias, como captura e armazenamento de carbono;
  • 96% apoia ações de educação para que pessoas adotem estilos de vida que impactem menos o clima;
  • e 98% é favorável a investimentos em soluções naturais, como proteção de florestas e reflorestamento. Um menu completo para governantes e líderes empresariais no país.

Enfim, as mudanças climáticas, se não estão na boca do povo, ao menos conquistaram corações e mentes em 2021. E o que virá em 2022? Em primeiro lugar, a preocupação com o clima vai nos ocupar por toda esta década, afinal não se resolve uma questão desta magnitude do dia para a noite, nem pode ser encarada como moda.

Mas, sem dúvida, não é o único problema global a nos ameaçar. Se coubesse a esse pobre consultor escolher, eu focaria na desigualdade.

Uma reportagem recente da BBC News Brasil conta que o Relatório sobre as Desigualdades Mundiais, lançado no dia 7 de dezembro, pelo World Inequality Lab, que integra a Escola de Economia de Paris, revela o inevitável impacto da pandemia no aumento da desigualdade no Brasil. E lista quatro dados exemplares desta trágica realidade:

• Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total;

• Os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos;

• A metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% da riqueza do país;

• O 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira.

Se você vive em uma grande cidade brasileira, basta dar uma boa caminhada para reconhecer um dos sinais desse efeito diário da concentração de renda. Bairros que possuíam um comércio de rua ativo estão se transformaram em canteiros de obras de grandes incorporações. A interrupção dos serviços por conta da pandemia fragilizou financeiramente os proprietários e os investidores aproveitaram para adquirir esses espaços a preços de ocasião.

Há, portanto, uma enorme barreira para que a desigualdade se torne um tema de atenção: como vimos no exemplo das mudanças climáticas, é preciso que seja percebida como um risco ao capital. E o exemplo acima revela como ainda a desigualdade pode ser o gatilho de uma oportunidade.

O que nos leva a dois caminhos futuros não excludentes: a necessidade de um maior esgarçamento do tecido social ao ponto de uma ruptura perigosa para toda a sociedade; e uma maior pressão da ciência econômica e social para os riscos futuros da desigualdade. Só assim alcançará o nível de urgência que o clima despertou.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).