Vamos começar com um pouco de contexto. Tenho 55 anos, cresci e me formei no Rio Grande do Sul, portanto, tenho lugar de fala quando o assunto é racismo e machismo. Luto diariamente para domar o que adquiri como cultura social e hoje me sinto mais parte da solução do que do problema.

Envergonho-me das muitas vezes em que fui racista e machista na minha juventude. Acho que o melhor que posso fazer para me redimir é trabalhar por um futuro sem racismo, machismo e, acrescento, injustiças sociais. E você?

Minha dica é primeiro revisar internamente suas ações e posicionamentos antes de olhar para os outros. Se você souber seu papel no contexto maior da nossa sociedade, terá mais condições de contribuir com o todo. Isso vale para as pessoas, as organizações de qualquer tipo e, portanto, vale para as empresas.

Temos todos o mau hábito de criminalizar as vítimas. “Veja o que os vândalos fizeram”... “Com aquela roupa, ela estava pedindo para ser estuprada”... Prefiro o ponto de vista que ouvi da jovem ativista americana Tamika Mallory: “Estamos queimando [lojas] porque as pessoas aqui de Minnessota estão dizendo para as pessoas em Nova York, na Califórnia, em Memphis, em todos o país: ‘Já basta’. E não somos responsáveis pela doença mental infligida ao nosso povo pelo governo americano e por aqueles que têm poder. Não dou a mínima que eles queimem o Target porque o Target deveria estar nas ruas conosco, pedindo a justiça que o nosso povo merece”.

Em princípio, todos concordamos que violência gera violência, certo? Então, vamos nos voltar contra a violência primária em vez de concentrarmos nossa atenção em condenar a reação. Isso somente interessa a quem quer acomodar a situação e conter transformações. A polêmica sobre as manifestações das empresas e de outras organizações em favor do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) é, de fato, mais uma distorção, um subterfúgio daqueles que querem manter o status quo, que pretendem sustentar uma estrutura social racista, machista e, em geral, não inclusiva.

As crises conjuntas e globais econômica (recessão), ambiental (mudanças climáticas), social (saúde e pobreza) e de governança (polarização) explicitam a urgência da vocalização (advocacy) em favor de mudanças sistêmicas em nossa sociedade – e isso diz respeito a todas as pessoas e empresas. O futuro pertence àqueles que trabalharem hoje por uma sociedade melhor.

O Brasil estruturalmente e cotidianamente é muito mais racista, machista e injusto socialmente que os Estados Unidos

E isso nada tem a ver com a falsa isenção. Quem se isenta, compactua com os danos que a manutenção da realidade traz ao presente e ao futuro. Quem se isenta pode, sim, ser alvo da ira vingativa, como a dos jovens negros de Minessota. Ou, quem sabe, em breve, dos jovens negros e pobres da Rocinha, da Brazilândia ou da Ceilândia. Afinal, o Brasil estruturalmente e cotidianamente é muito mais racista, machista e injusto socialmente que os Estados Unidos. Uma hora essa conta irá chegar.

Isso também nada tem a ver com política partidária. Mas sobre quais princípios éticos, morais e universais queremos construir nossas relações em sociedade. É anterior e um nível acima da disputa partidária, que depois pode e deve refletir essas questões. Os casos de ativismo corporativo se multiplicam. E NeoFeedpublicou muitos deles nos últimos dias.

Essa é uma tendência sem volta. Começou há algum tempo e alcança várias empresas no Brasil e no mundo, que se posicionam em favor de causas como a defesa do meio ambiente ou o respeito aos direitos das minorias. Ainda há muito a fazer. Exige um pouco de coragem, empatia e timing de comunicação. Importante ter em mente que, em geral, os comentários negativos estão entre os 10% de haters usuais, ampla minoria em relação ao conjunto de reações de apoio.

Se você trabalha com comunicação corporativa, desapegue-se da ilusão de agradar a todos. No mundo de hoje, isso não existe. Opte por estar ao lado do que você e sua organização realmente acreditam e seja relevante para a construção de um mundo melhor.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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