A Stone está comprando a Linx por R$ 6 bilhões numa jogada que muitos analistas consideram de mestre e que colocou pressão sob os seus rivais, como Cielo, Rede, Getnet, PagSeguro e Totvs.
Mas a gestora Fama Investimentos, liderada por Fabio Alperowitch, divulgou uma carta dizendo que o negócio não é ético. A informação foi publicada em primeira mão pela revista Exame.
No texto, a gestora contesta o acordo de não competição assinado pelos três fundadores da Linx, Alberto Menache, Nércio Fernandes e Alon Dayan, que são avaliados em cerca de R$ 240 milhões de reais para cada um.
Na visão da gestora, os valores que os fundadores receberiam, incluindo a venda das 26 milhões de ações que são donos mais o prêmio por não competição, resultaria em um valor de R$ 46 por ação, prêmio de aproximadamente 35% sobre o valor a ser recebido pelos minoritários.
A gestora também diz que, no caso de Menache, o prêmio é ainda mais elevado, de 63%, pois ele tem uma proposta de trabalho na divisão que será criada a partir da compra da Linx.
"Curiosamente, é até difícil entender o sentido lógico de alguém poder ter, simultaneamente, um contrato de trabalho e uma remuneração por “non-compete”. Quem está trabalhando pode competir consigo mesmo?", diz um trecho da carta.
Leia a íntegra da carta:
Transação entre Linx e Stone
Na qualidade de gestores de recursos detentores de cerca de 3% do capital social da Linx S.A., a FAMA Investimentos vem a público se manifestar sobre os termos da referida transação.
No anos 70, Lamy Filho e Bulhões Pedreira, coautores da Lei das SA, afirmaram em carta ao Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen: “a diferença entre as ações de controle e as minoritárias em geral é relativamente pequena, pois, a não ser quando o controle é exercido abusivamente em benefício do controlador, não assegura vantagens patrimoniais que justifiquem a atribuição de valor muito maior às ações de controle”.
Infelizmente, o alerta não foi suficiente para coibir uma série de transações que se sucederam nas décadas seguintes, em que controladores se apropriaram injustificadamente de um prêmio de controle excessivo, lesando os acionistas minoritários.
O advento do “Novo Mercado” tentou, entre outras coisas, conter práticas como esta, e definiu que as companhias integrantes deste segmento, tido como o mais diferenciado em termos de governança corporativa, oferecessem “100% de tag along”, um mecanismo de proteção aos acionistas minoritários que garante aos mesmos o direito de alienar sua participação na companhia investida nas mesmas condições percebidas pelo acionista controlador em caso de venda de controle.
Infelizmente, nem as boas práticas preconizadas pelos coautores da Lei das SA nem as diretrizes do Novo Mercado são capazes de coibir estratagemas criativos que são desenhados para driblar os conceitos e compromissos pré-estabelecidos.
É neste contexto que lamentamos e refutamos veementemente os termos estabelecidos na transação entre Linx e Stone, divulgados na presente data.
Encontramos diversos pontos que nos causam estranheza e incômodo no acordo anunciado, pois ferem nitidamente os bons princípios de governança corporativa, bem como a conduta moral e ética que não apenas esperamos, mas exigimos das companhias com as quais estabelecemos relação de sociedade.
Causa-nos profunda preocupação e decepção que três conselheiros da Linx tenham negociado, por meio de “Contratos de Não Concorrência” e de “Proposta de Contratação de Executivo”, a obtenção de valor muito superior ao valor a ser recebido pelos minoritários.
A “Proposta de Trabalho” para o Sr. Alberto Menache, para um período de três anos (compreendendo apenas quatro dias de trabalho por semana no primeiro ano, três dias no segundo e dois dias por semana no terceiro ano) tem valor de aproximadamente R$ 75 milhões de reais, além do salário mensal de R$ 416 mil reais e outros benefícios. Importante ressaltar que o Formulário de Referência da Linx, no item 13, informa que as maiores remunerações anuais na Linx nos anos de 2017, 2018 e 2019 foram de R$ 9,8 milhões, R$ 5,1 milhões e R$ 18,2 milhões, respectivamente.
Considerando os valores de fechamento do dia 11 de agosto das ações da Stone, os “Contratos de Não Concorrência” por três anos destes conselheiros (Sr. Alberto Menache, Sr. Nércio Fernandes e Sr. Alon Dayan) são avaliados em cerca de R$ 240 milhões de reais.
Assim, este grupo, formado por membros que compõem 3 dos 5 assentos do Conselho da Linx receberá, de forma combinada, ações no valor aproximado de R$ 315 milhões de reais. Esses mesmos membros, de acordo com o Formulário de Referência, possuem aproximadamente 26 milhões de ações da Linx.
Portanto, de acordo com a transação, como acionistas, os três membros do Conselho receberão quase R$ 900 milhões em troca das suas 26 milhões de ações (considerando o valor de R$ 34 por ação, extensível a todos os minoritários).
Contudo, somando os valores referente aos contratos supramencionados, o valor total a ser recebido pelo grupo será de aproximadamente R$ 1,2 bilhão, o que resultaria em um valor de R$ 46 por ação, prêmio de aproximadamente 35% sobre o valor a ser recebido pelos minoritários.
No caso do Sr. Alberto Menache, o prêmio é ainda mais elevado, pois considera o montante referente a “Proposta de Trabalho” elevando o valor para exorbitantes 63% a mais que o valor estimado a ser recebido pelos minoritários. (1)
Curiosamente, é até difícil entender o sentido lógico de alguém poder ter, simultaneamente, um contrato de trabalho e uma remuneração por “non-compete”. Quem está trabalhando pode competir consigo mesmo?
A FAMA Investimentos advoga há anos pelos princípios éticos e pela prática da boa governança, segundo a qual os acionistas devem sempre ser tratados com isonomia e respeito. A transação em questão fere aquilo que acreditamos ser o nosso princípio mais importante: a ética.
É lamentável e inaceitável que, ao apagar das luzes, uma trajetória de sucesso empresarial seja manchada em definitivo pela criatividade maléfica que já deveria ter ficado no passado.
O mundo atual, cada vez mais vigilante às questões de respeito e ética, não tolera práticas que visam burlar as regras do jogo.
FAMA Investimentos
(1) Os cálculos acima não consideram eventuais opções ou ações diferidas que possam ser de titularidade dos Conselheiros.