Com a pandemia, o processo de transformação digital das empresas se acelerou. Projetos que estavam previstos para acontecerem em três a cinco anos foram implementados em meses ou semanas.
Agora, estamos diante do novo cenário. O que fazer nos próximos anos? Vimos que muitas ideias e hábitos consolidados por décadas foram desmontados em poucos dias. E se acontecer de novo?
Em muitas empresas, ouço os próprios CEOs dizerem que precisam se posicionar de forma mais audaciosa. Essa audácia se reflete diretamente na amplificação do processo de digitalização e em consequência os gestores de TI, os CIOs, passam a estar diretamente no palco, diante dos refletores.
O tempo do CIO preocupado apenas em manter seu parque de servidores e ERP funcionando sem problemas já passou. Isso agora é commodity. O seu desafio é como conciliar esse anseio dos seus CEOs por mais audácia, com o dia a dia, que, queiramos ou não, é o que mantém o negócio vendendo e faturando.
A missão de TI está mudando. Aliás, já mudou. As empresas estão cada vez mais buscando a tecnologia para ser a força dinâmica em seus negócios. É a constatação que a pandemia acelerou o redesenho da forma como as pessoas trabalham, fazem compras, se comunicam, tomam decisões e vivem.
São mudanças que vieram para ficar. A implicação clara desse cenário é que os CIOs precisam mudar de serem líder de tecnologia para impulsionadores de negócios, e as ações que eles tomarem é que determinarão em grande parte se as empresas no qual trabalham poderão sobreviver e se manter competitivas.
Em um mundo cada vez mais hiperconectado, com as pessoas empoderadas com smartphones e mais acostumadas a usar o mundo digital no seu dia a dia, demandam mais e mais funcionalidades e facilidades das empresas com as quais pretendem fazer negócios. O cliente no centro deixa de ser discurso para se tornar uma necessidade básica de sobrevivência empresarial.
Olhando a missão da TI, fica claro que para atender a essa premissa, o seu cliente não é outro setor da empresa, mas o cliente de verdade, aquele lá na ponta, que compra seu produto. Para entendermos a necessidade de mudar o papel da TI nesse contexto, vamos visualizar um cenário ainda comum em muitas empresas.
Em muitas delas, são as equipes de produto e vendas que interagem com os clientes. E, a partir das identificações das suas necessidades, eles acionam a TI, e passam os requisitos para produtos e serviços que precisam. A TI é apenas um subproduto dessas interações. Onde está o problema?
Sem uma profunda compreensão do cliente, a TI e o CIO continuarão a ser apenas os executores da estratégia comercial, em vez de atuar como modeladores. O resultado é que essa falta de contato faz com que empresas não consigam ser eficazes na liderança do design de suas ações de e-commerce e experiência online.
Quanto mais longe a TI estiver do cliente, menos ela pode entender o que os clientes valorizam e qual deve ser o papel da tecnologia na entrega desse valor. As empresas de tecnologia não funcionam dessa forma. Nessas organizações, os desenvolvedores trabalham em estreita colaboração com gerentes de produto e clientes.
Na verdade, as equipes de desenvolvedores, de fato, são tão eficazes em identificar as necessidades quanto as equipes de produtos, com a vantagem adicional de que podem agir imediatamente de acordo com essas observações, traduzindo-as em código.
A construção desse nível de integração começa com os CEOs entendendo que é essencial incorporar os desenvolvedores às equipes de produtos e vendas para cocriar as coisas que os clientes desejam. É uma mudança organizacional e de processos. Modelos ágeis são essenciais nessa transformação.
Outro desafio é se desapegar do modelo de manter a infraestrutura tecnológica em casa. Manter servidores e equipes técnicas para atualizar versões de máquinas e sistemas operacionais não agrega valor para o negócio. O ambiente de cloud computing já está bem maduro hoje.
Melhorias na produtividade e ganhos de eficiência na migração para a nuvem podem gerar economias de custo significativas, e representam, essencialmente, maneiras melhores de fazer o que a TI já faz: manter os sistemas atuais funcionando.
Os CIOs têm um papel crucial em enfatizar a migração para a nuvem, para permitir que os negócios se concentrem no objetivo maior: criar novos negócios, desenvolver práticas inovadoras e gerar novas fontes de receita, que a nuvem possibilita ou acelera.
É essencial também implementar uma cultura ágil de verdade e não apenas no discurso e narrativas. Ser ágil para uma empresa é uma mudança transformacional, mais ou menos como a revolução de conceitos que Copérnico provocou na astronomia, ao derrubar o conceito do geocentrismo.
Ser ágil para uma empresa é uma mudança transformacional, mais ou menos como a revolução de conceitos que Copérnico provocou na astronomia
Ser ágil significa que no centro do universo não está mais a empresa (e os clientes em órbita), mas o próprio cliente. A empresa é que orbita em torno dele. Isto implica em buscar proporcionar experiências positivas e inovação contínua. Portanto, ser ágil não é apenas implementar uma metodologia e ferramentas, mas uma fazer uma mudança cultural significativa. Ser ágil não é opção, mas necessidade.
Em uma empresa ágil, agindo como uma empresa de software, a TI deve ser ágil. Mas, na maioria das organizações, ainda vemos uma TI agindo menos como uma empresa de software e mais como uma empresa burocrática e cheia de processos e restrições para avançar de um ponto ao outro.
Emblemático deste modelo é o conceito “waterfall” que ainda direciona não apenas o desenvolvimento dos sistemas, mas os princípios de operação de muitas dessas áreas de TI. Ágil, para muitos CIOs, é sinônimo de desorganização, anarquia e até mesmo “perigoso” para o negócio, só aplicável a uma pequena parcela das aplicações. Triste engano!
A mudança é basicamente cultural e, portanto, toda atenção deve ser dada a este aspecto. Contratar ferramental e colocar aqui e ali uma ou outra equipe isolada, adotando estes métodos, enquanto a imensa maioria da TI continua atuando pelos processos seculares, não vai capturar o valor potencial da cultura ágil.
Como toda mudança cultural, vão existir barreiras e fortes reações contrárias, mas o processo deve evoluir de forma gradual e continuadamente. Para isso é essencial que exista patrocínio e comprometimento da corporação como um todo. Não apenas do CIO, mas do CEO.
Para todas essas mudanças acontecerem é necessário atrair e reter profissionais de tecnologia. Existe hoje um grande risco de colapso nas áreas de TI, principalmente quanto a profissionais de desenvolvimento de aplicações, causado pela falta de mão de obra qualificada.
Já não é de hoje que a quantidade de pessoas que se capacitam é menor que o número de vagas abertas na área de TI no Brasil, mais especificamente nas funções relacionadas com desenvolvimento de sistemas.
A pandemia acelerou drasticamente esse cenário, aumentando a demanda por desenvolvedores, uma vez que forçou a grande maioria das empresas a se adaptarem abrupta e compulsoriamente ao universo digital e ao home-office, além de ter sido o empurrão que faltava para que essas empresas iniciassem a já atrasada Transformação Digital em seus processos e serviços.
De acordo com uma pesquisa da Forrester, publicada em 2020, em 65% das organizações, a área de TI não consegue concluir tudo aquilo que é pedido pela área de negócios, por conta da grande demanda de projetos.
De acordo com uma pesquisa da Forrester, em 65% das organizações, a área de TI não consegue concluir tudo aquilo que é pedido pela área de negócios
Com isso, os profissionais dessa área estão sendo amplamente disputados pelas empresas, gerando uma competição predatória por talentos, o que inflaciona seus salários e, ao mesmo tempo, aumenta a pressão e a cobrança por resultados e desempenho.
O que a TI precisa fazer? Atrair e reter não é fácil. As empresas precisam capacitar ainda mais os seus desenvolvedores, fornecendo-lhes ferramentas de planejamento e desenvolvimento de classe mundial para facilitar sua vida profissional. A qualidade da experiência do desenvolvedor no seu dia a dia uma métrica primária de sucesso para retenção desses talentos.
As empresas também precisam usar seus melhores desenvolvedores para os trabalhos mais importantes. Assim como os militares não teriam um piloto de caça de alto nível (lembram do filme Top Gun?) fazendo trabalho mecânico básico, as empresas deveriam dar a seus principais desenvolvedores os projetos de maior prioridade e mais empolgantes.
Tecnologias como Low Code liberam desenvolvedores experientes para se concentrarem nas tarefas mais desafiadoras. Os CIOs precisam implementar processos que permitam rastrear em que os principais talentos estão trabalhando e realocar rapidamente os mais qualificados para as iniciativas mais significativas.
E, por fim, os CIOs precisam dar aos desenvolvedores liberdade para trabalhar. Em muitas organizações já vi absurdos como de 25% a 30% das pessoas em TI são desenvolvedores e a maioria são coordenadores ou gerentes. Essa estrutura cria camadas de burocracia que atrasam os desenvolvedores. Inverta essa proporção, dando aos desenvolvedores mais autonomia, definindo metas, mas dando-lhes liberdade sobre como cumpri-las.
Os negócios na era digital não sobreviverão sem uma plataforma de tecnologia forte. A pandemia mostrou essa realidade de forma clara para os C-level e o board. Agora, os CIOs têm uma oportunidade única de se tornarem impulsionadores de negócios.
Isso não significa jogar fora o antigo manual: as necessidades tradicionais de garantir a estabilidade, atender aos requisitos de negócios e gerenciar os custos e riscos da entrega ainda são necessárias. Mas eles não são suficientes.
Os CIOs precisam escrever um novo capítulo no manual de TI que incorpore um novo conjunto de aspirações ousadas para colocar a tecnologia na vanguarda dos negócios. E se tornarem, de verdade, alavancadores de negócios. O seu “I” tornar-se Imprescindível e Inovador. O risco de não agir é o “I se tornar Irrelevante!
Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS