Não se pode acusar o empreendedor Rafael de Albuquerque de não tentar. Em 2005, aos 19 anos, ele criou a Zoox para ajudar hotéis a implantar acesso Wi-Fi pago a seus hóspedes. Quando o serviço ficou gratuito, a empresa quase faliu pois o ganha-pão era o compartilhamento da receita da conexão (e ele vendeu a companhia). Logo na sequência, tentou a sorte com uma empresa de vídeo sob demanda para hotéis. Também não deu certo.

Por fim, Albuquerque recomprou a Zoox em 2010 e apostou em um software que ajudava os hotéis a gerenciar os acessos via Wi-Fi. Dessa vez, o negócio decolou e avançou para além dos hotéis – os principais aeroportos do mundo, varejistas e shopping centers usam a solução da startup brasileira ao redor do mundo.

Mas o pulo do gato aconteceu quando Albuquerque teve outro insight em 2016: usar o Wi-Fi como meio de capturar dados e entender o comportamento das pessoas em lugares físicos. Oito anos depois, a Zoox é hoje uma das maiores empresas de dados do Brasil.

A startup conta 1,6 mil clientes, como Santander, Rock in Rio, Allos, Rede D’Or, SulAmérica, Burger King, TIM, Claro e Serasa. Está também em 25 países e tem dados de 99,8% da população brasileira, 98,7% das empresas e 82% da frota de veículos do Brasil.

Não bastasse isso, e atuando completamente fora do radar dos principais fundos de venture capital do Brasil e do mundo, conquistou a família Moll, dona da rede D’Or, que é uma investidora relevante da companhia. Além deles, também apostaram na Zoox a HDI Seguros (que já saiu), a 2A Investimentos e a Opus Capital. No total, já captou mais de R$ 50 milhões e foi avaliada em US$ 169 milhões na última rodada, em 2022.

“No fim deste ano, a parte de dados vai ser maior do que a de Wi-Fi”, diz Albuquerque, ao NeoFeed, que estima um ARR (Annual Recurring Revenue) de R$ 100 milhões no fim de 2024 – e operando no breakeven desde o ano passado. “Somos o ‘Booking.com’ dos dados e ajudamos as empresas a criarem seus próprios ChatGPTs com dados internos e externos.”

Não se trata de uma frase de efeito de Albuquerque. O Booking é uma das maiores empresas de turismo do planeta sem ser dono de um único hotel – hoje, está avaliado em quase US$ 130 bilhões na Nasdaq, mais do que o badalado Airbnb.

A Zoox não é dona também de nenhum dado. Mas criou ferramentas para que as empresas possam extrair valor de seus próprios dados, cruzando com mais de 300 bases de dados distintas. São desde informações das pessoas que acessam os Wi-Fi (em março deste ano, foram 60 milhões de conexões e 15 milhões de usuários únicos) até a base de dados da Receita Federal e do IBGE.

“Percebemos que gerávamos muitos dados. Mas aprendemos que ninguém sabia usá-los. Todo mundo falava dessa história (big data), mas ninguém sabia o que fazer (com os dados)”, afirma Albuquerque.

E, mais uma vez, um novo insight fez a Zoox criar módulos que entregam, de forma mastigada, diversas informações para as empresas – lembra do ChatGPT próprio? Foi assim que surgiu o Zoox Eye, um produto integrado com birôs de dados públicos e privados.

Ele conta com seis módulos, que dão desde uma visão 360º de uma pessoa (e que permite saber qual o cliente ideal de uma empresa), passando pelo combate a fraudes e à lavagem de dinheiro até o cruzamento de dados de redes sociais com os da Receita Federal para fazer uma busca por um funcionário.

Dito assim, parece difícil de entender o que a plataforma da Zoox faz. Alguns exemplos vão ajudar a deixar mais claro como a startup trabalha (os nomes dos clientes serão preservados, pois os contratos são confidenciais).

Um grande banco, por exemplo, pode verificar se o CEP de uma pessoa que está fazendo o seguro de um carro é de fato onde ele mora, evitando fraudes e reduzindo a sinistralidade. Empresas que vendem ingressos são capazes de identificar se alguém que está comprando o bilhete é cambista ou não.

Varejistas conseguem ter informações precisas de seus consumidores com apenas o e-mail ou o CPF. E, com isso, podem a oferecer campanhas hiper segmentadas, reduzindo o CAC (custo de aquisição do cliente). E administradores de shopping centers usam as placas de carros para saber mais sobre quem frequenta o espaço comercial.

Quem vê Albuquerque apresentando a sua plataforma fica impressionado (e também assustado) com o que o Zoox Eye consegue fazer (e saber). O empreendedor, no entanto, garante que tem todas as informações respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). “Quem se conecta pelo Wi-Fi, dá opt-in. Não vendemos os dados”, diz o fundador da Zoox. “E acessamos bases de dados públicas.”

Para ganhar dinheiro, a Zoox tem também diversas estratégias. Com o software de Wi-Fi, seu principal negócio ainda, a startup cobra um valor por cada antena instalada. Os clientes são desde as principais redes de hotéis que atuam no País, como Windsor, Bourbon, Accor e Blue Tree, entre muitas outras. Além dos principais aeroportos do Brasil e do mundo e o metrô de Nova York (a empresa está em Portugal, México, Estados Unidos, República Dominicana, Espanha e França).

Com os dados, há vários modelos. Um deles é um custo fixo baixo por cada consulta via API. Outro é o tradicional SaaS (Software as a Service) para as companhias que usam os módulos. E, por fim, a Zoox entrou na área de serviços profissionais, ajudando as empresas a criar estratégias de dados para extrair informações valiosas para os seus negócios.

O próximo passo é entrar de cabeça na onda da inteligência artificial. Albuquerque acredita que consegue avançar nessa área sem a necessidade de um novo aporte, apenas com o dinheiro que já está sendo gerado pela Zoox – embora uma nova rodada, no futuro, não esteja descartada.

O plano é aplicar os recursos de inteligência artificial para dar respostas de forma clara e rápida, usando a parte conversacional via voz, texto ou até mesmo WhatsApp. “Quero que se pergunte: ‘qual é o meu cliente ideal?’ ou “onde devo abrir minha próxima loja?’”, afirma Albuquerque. “E vou ser agnóstico, usando ChatGPT, Google ou open source.”

De acordo com o fundador da Zoox, a startup já está trabalhando nessa evolução da plataforma desde outubro do ano passado. E os primeiros lançamentos de IA devem ficar prontos neste ano. “Temos um time específico e uma diretoria só para olhar para isso hoje em dia”, diz Albuquerque.

Com isso, a ideia é avançar sobre a concorrência do mercado de big data analytics, que pode chegar a US$ 5,5 bilhões no Brasil em 2029, segundo a empresa de pesquisa americana Mordor Intelligence. Entre os competidores estão a Big Data, de Gustavo Ioschpe, um dos pioneiros do big data no Brasil, e a Neoway, comprada pela B3 por R$ 1,8 bilhão, em 2021.