Avaliada em mais de US$ 119 bilhões, a Booking Holdings (antiga Priceline.com) se transformou em uma referência no mercado de turismo. Em 2023, a companhia ultrapassou a marca de 1 bilhão de diárias de hotel reservadas em sua plataforma.
Para atingir este patamar, a companhia que vale atualmente mais do que o Airbnb, foi comprando e criando uma série de empresas. Uma delas foi o site de hospedagem Booking, em 2005. Na época, a Booking faturava em torno de US$ 10 milhões por ano. No ano passado, o grupo de turismo faturou mais de US$ 21,4 bilhões.
E uma das pessoas que ajudou a criar esse império no setor de turismo foi Jeff Hoffman, um dos primeiros funcionário da Priceline.com. Ele também comandou empresas como Enable Holdings, Black Sky Entertainment, Driving Force Enterprises, entre outras, e atualmente é palestrante e mentor de empresários do mundo.
Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, Hoffman afirma que vê o setor de turismo enfrentando o que parece ser uma crise de identidade. Para ele, as companhias precisam focar mais nas relações dos consumidores com as experiências locais dos destinos.
“Nem todos querem fazer os roteiros programados ou visitarem os mesmos pontos turísticos de sempre”, afirma Hoffman, que vai apresentar um painel sobre criatividade e inovação em 22 de março no South Summit Brazil, evento que o NeoFeed é um dos parceiros de mídia.
Para além do setor de turismo, Hoffman hoje é um crítico da forma como os negócios estão sendo conduzidos. “As pessoas estão muito dependentes da tecnologia e desconectadas das necessidades de seus clientes”, diz Hoffman. “O vendedor tradicional está cada vez mais raro.”
No palco do Arena Stage, Hoffman deverá abordar também questões sobre inteligência artificial. O tema do momento no mercado de tecnologia levanta diferentes questões. Uma delas é sobre a viabilidade de negócios que usam essa tecnologia.
Para Hoffman, existe a possibilidade de que o mercado esteja lidando com uma bolha de inteligência artificial por conta do medo dos investidores de ficarem de fora do investimento. “Mas, no longo prazo, quando a tecnologia for refinada, testada e validada, vai ser algo muito significativo”.
Confira os principais trechos da entrevista que Hoffman concedeu ao NeoFeed:
Você pertence a outra geração de empreendedores. A figura do fundador de uma empresa mudou muito ao longo dos anos?
Há dois lados. O primeiro é que o empreendedorismo se tornou popular. E isso fez com que o trabalho de resolver problemas e criar uma solução melhor para o mundo seja visto como uma carreira.
E qual o lado ruim?
Muitos empreendedores enxergam isso como um caminho para ficar rico rapidamente, vendendo suas empresas em um ou dois anos. É preciso criar uma empresa que resolva um problema real, que tenha consumidores reais e que gere lucro. Mas, às vezes, alguém tem sorte e as pessoas pensam que existe um caminho mais curto para o sucesso.
"Muitos empreendedores enxergam isso como um caminho para ficar rico rapidamente, vendendo suas empresas em um ou dois anos"
Nos últimos anos, você se dedicou a projetos de mentoria de empresários. Qual a maior queixa deles?
São duas. Uma está em levantar capital. Como convencer alguém a apoiar o seu negócio. O outro lado dessa história está na montagem das equipes. Quem levanta dinheiro e não tem uma equipe talentosa pode não dar certo. Mas quem tem uma equipe eficiente, tem mais chance de atingir seus objetivos com menos capital.
Em termos de disponibilidade de capital, está mais fácil crescer uma empresa atualmente?
Sim. Existem momentos em que a captação é difícil, mas isso se dá por conta de ciclos econômicos. Mas, mesmo assim, negócios bons sempre irão levantar dinheiro com investidores. O curioso é que quando há muito dinheiro livre, há muitas ideias sendo financiadas, mas nem todas vão funcionar.
Se você fosse abrir uma empresa atualmente, o que faria diferente?
Eu deixaria a tecnologia um pouco de lado. Eu sairia do escritório e me engajaria com os consumidores do meu negócio, tratando-os como seres humanos. As pessoas estão muito dependentes da tecnologia atualmente e estão desconectadas das necessidades de seus clientes.
"As pessoas estão muito dependentes da tecnologia atualmente e estão desconectadas das necessidades de seus clientes"
A figura do vendedor tradicional, o salesman, desapareceu?
Sim. O vendedor tradicional, aquele que escuta as pessoas, está cada vez mais raro. É preciso se reaproximar do lado humano dos consumidores.
Você citou alguns negócios, mas não falou sobre inteligência artificial (IA), que é a onda do momento. Há um pouco de exagero em torno da IA?
Eu acho que vai ser uma bolha no começo. Mas, no longo prazo, quando a tecnologia for refinada, testada e validada, vai ser algo muito significativo pela habilidade de processar informações de forma mais rápida, reconhecer padrões e fazer recomendações de ações.
Mas por que está atraindo tanto investimento?
É um pouco por causa do FOMO (Fear Of Missing Out, expressão em inglês que pode ser traduzida livremente como o medo de ficar de fora de alguma onda tecnológica). As pessoas enxergam a IA como a próxima grande onda da tecnologia e sentem que precisam entrar nesses negócios. Hoje, praticamente todas as empresas dizem que trabalham com inteligência artificial, mas a maioria nem sabe o que é isso.
"Hoje, praticamente todas as empresas dizem que trabalham com inteligência artificial, mas a maioria nem sabe o que é isso"
E, no final, são poucas as empresas que realmente estão trabalhando com IA... Se a gente considerar OpenAI, Meta, Apple...
Isso com certeza é um problema. Há um pequeno número de players com bilhões em funding e que torna essa competição muito difícil para as startups.
A regulamentação da tecnologia seria a única forma de mudar isso?
Minha esperança é de que essas big techs foquem esforços na construção de ferramentas que serão utilizadas por essas startups que, por sua vez, irão fornecer soluções para indústrias específicas. É como uma empresa de distribuição que utiliza o Amazon Web Services. Seria uma solução democrática.
Qual o seu maior temor em relação à inteligência artificial?
O maior risco é deixar que a tecnologia tome todas as decisões. As pessoas estão se tornando cada vez menos capazes de tomarem decisões e estão delegando cada vez mais tarefas para as máquinas.
Você foi um dos nomes por trás do Booking. Hoje, o mercado de turismo vive uma crise. O que as companhias devem fazer?
Existem duas grandes tendências neste setor. Uma está em relação às experiências locais dos viajantes. Nem todos querem fazer os roteiros programados e visitarem os pontos turísticos dos guias, mas conhecerem os pontos locais frequentados pelas pessoas que moram naqueles lugares. Isso leva a segunda tendência, que é a questão da personalização da viagem para o que o viajante realmente quer fazer e conectá-lo com outros viajantes.
O Airbnb, que já oferece essas experiências, mudou o mercado de turismo. E agora a gente vê um movimento em que Booking oferece acomodações além de hotéis e o Airbnb além das casas. O que você acha disso?
Cada uma está tentando fisgar esse outro tipo de consumidor. Mas eu não acho que essa é uma estratégia que vai ter um sucesso massivo. Porque cada empresa era boa no que fazia. E não acho que elas vão conseguir roubar mercado uma da outra. Talvez um pouco. Quando você faz algo bem, você deve continuar fazendo.