No fim de janeiro, o empresário Gustavo Ioschpe desembarcou em Nova York. Comprou apenas passagens de ida para ele e sua família, nada de bilhete de volta. Por enquanto, Manhattan será seu novo lar. Aliás, as caixas da mudança ainda espalhadas na sala de casa dão conta que o período na Big Apple será longo.

Mas por um bom motivo: Ioschpe está levando a sua empresa, a Big Data, uma das principais companhias de dados e inteligência artificial do País nas áreas de bens de consumo e farmacêutica, para os Estados Unidos. Para quem vem trilhando o caminho há uma década, a sensação é de recomeço.

Esse recomeço, entretanto, parte de uma grande base. “Nos próximos três anos, a nossa ideia é que a operação americana represente 50% do nosso faturamento total”, diz Ioschpe ao NeoFeed. Ele não revela os números em jogo, diz apenas que as receitas são de oito dígitos e o lucro de sete dígitos. Mas o “sonho americano” é grande.

“A gente já fez trabalho aqui nos EUA com a Anhenseur-Busch e agora estamos prestes a assinar um grande contrato com uma outra empresa que vai nos abrir muitas portas nos Estados Unidos”, diz Ioschpe. Pode ser que a sua Big Data ganhe projeção, mas não será uma missão fácil.

Primeiro, a companhia vai disputar mercado com outras empresas estabelecidas como Palantir, do americano Peter Thiel, e com as grandes consultorias como McKinsey, BCG e Quantum Black. Em segundo ludar, ela terá de vencer uma barreira cultural.

Uma brasileira querendo vender inteligência de mercado para as empresas americanas? “Tem preconceito, mas acho que, no fundo, a racionalidade vence. Se tivermos o melhor produto, não tem preconceito que vai nos segurar”, diz ele, que já está abastecendo sua base de dados e mira a contratação de uma equipe específica no país.

Mas, afinal, o que a Big Data faz? Ela consegue determinar o sortimento de produtos que a indústria tem de comercializar em cada ponto de venda, a cada determinado dia, na quantidade ideal e o nível de desconto que deve ser aplicado. “Temos 17 mil variáveis para saber isso. Desde dados óbvios como os do IBGE até fluxo de trânsito, linha de transporte coletivo, perfil ideológico da população, entre outros”, diz Ioschpe.

A ideia é cruzar esses dados para conseguir encontrar conexões não óbvias entre compradores, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas. “Quais são as variáveis importantes para venda de cerveja, quando estou com a Ambev; venda de presunto, com a BRF; venda de pia, quando estou trabalhando com a Duratex; ou de Eno, com a GSK?”, indaga Ioschpe.

A companhia usa variáveis para agrupar pontos de venda. “Consigo ver que uma farmácia no interior da Bahia é irmã gêmea de outra que está no Leblon, no Rio de Janeiro, e isso não é nada trivial”, diz ele. O algoritmo consegue identificar pelo mesmo clima, mesma renda, nível educacional e número de linhas de ônibus que passam naquele determinado lugar.

Ao analisar os dados dos estabelecimentos do mesmo grupo, enxergando quem está vendendo melhor ou pior, a companhia consegue levar o sortimento para os membros daquele determinado grupo que não estão indo tão bem. Dentre várias histórias, Ioschpe conta o caso de um bar, em Pirituba, bairro de São Paulo, que ele visitou com os vendedores da Ambev.

O dono do bar dizia que uma das recomendações do algoritmo não fazia sentido. Ele afirmava que o público dele não comprava cerveja Original, que era mais cara, e o aplicativo dizia para ele comprar uma caixa por semana para vender aos clientes. De tanto escutar a insistência do vendedor, o dono do bar acabou fazendo um teste e, para a surpresa do comerciante, as garrafas se esgotaram no mesmo dia.

Além da questão do sortimento, a companhia também faz uma análise de preço. “Se você está vendendo para alguém no Morumbi, deveria cobrar mais do que para alguém que está em Paraisópolis, mesmo que estejam a 300 metros de distância”, diz Ioschpe. Outra análise é feita para promoções. Dependendo de cada lugar e do comportamento do consumidor, o algoritmo mostra qual produto deve receber desconto e qual a porcentagem ideal.

A Big Data, que tem entre seus sócios Igor Braga e Roberto Nalon, cobra um fixo no contrato e uma porcentagem de 25% em cima do ganho que o cliente teve de acordo com as suas recomendações. “Estamos trabalhando com Burger King e fazendo sortimento para a GSK”, diz Ioschpe.

Julio Miele, diretor de excelência comercial da GlaxoSmithKline (GSK), dona de marcas como Advil, Eno, Sensodyne, entre outras, explica que a solução da Big Data determina o portfólio ideal da GSK para cada uma das 70 mil lojas que a companhia farmacêutica vende no Brasil. “Com as 17 mil variáveis deles, consigo identificar o que precisamos vender para cada cliente”, diz Miele.

“Ele me mostra, por exemplo, que, em determinada loja, em vez de vender Eno Tutti-Frutti se ele colocar o Eno tradicional ele vai fazer dinheiro”, diz Miele. E, de fato, isso tem acontecido. “As lojas que aceitam as recomendações de vendas dos algoritmos tiveram cerca de 48% de aumento das vendas. Está mudando o jogo”, diz Miele, que iniciou o projeto em 2019.

Deu no The New York Times

O início da Big Data, hoje com 58 funcionários, foi do acaso. Ioschpe, que pertence à família fundadora da Iochpe-Maxion, fez faculdade em Wharton e mestrado em economia em Yale. Trabalhou no Goldman Sachs e voltou para o Brasil, em 2003. Foi quando montou a produtora cinematográfica de olho em oportunidades de mercado. Ela se chamava G7 Cinema e encontrou um nicho fazendo documentários sobre times de futebol como a “Batalha dos Aflitos”, sobre o Grêmio; "Soberano", sobre o São Paulo, entre outros.

Chegou em um momento em que estava negociando com o Barcelona. “Era um bom negócio, mas aquilo não tinha nada a ver comigo. Sou cinéfilo, mas não gostava de futebol e nem de fazer cinema.” O que dava prazer para Ioschpe era pegar pesquisas acadêmicas, olhar números e dados, e ver o que funciona ou não. Era como ele analisava as questões e os problemas da área de educação no Brasil.

Foi nessa época, em meados de 2012, quando estava lendo o The New York Times, que viu uma reportagem sobre um empreendedor israelense que estava criando uma empresa focada em big data, algo que pouco se falava naquela época. Foi um estalo para Ioschpe. “O lugar para levar ciência de dados era para a iniciativa privada, que buscava resultados”, diz ele.

Ele começou a pesquisar sobre o tema e viu que se tratava de um mercado bilionário. “Hoje se fala de trilhões”, diz. Ao estudar o mercado, percebeu que havia um oceano azul para desbravar, não havia competidores no mercado no Brasil. Foi atrás de profissionais de dados, achou-os no mundo acadêmico em universidades e montou a Big Data. Mas precisava provar que aquilo funcionava. Há uma década, o assunto não era difundido.

O empreendedor procurou CEOs que conhecia e passou a consultá-los sobre o interesse em um negócio como aquele. A resposta foi unânime. Mas, para contratar, tinha que mostrar um case que se mostrasse viável. “Ou seja, eu precisava trabalhar com empresas grandes e mostrar o resultado, o valor que aquilo agregava”, afirma o empreendedor. Ioschpe, então, foi atrás da Ambev.

Como conhecia Jorge Paulo Lemann por conta de sua ligação com o setor de educação, Ioschpe, que é um estudioso sobre o assunto, entrou em contato com o empresário, que fez a ponte com o então CEO da Ambev, João Castro Neves. “Fizemos uma reunião e duas semanas depois o contrato estava assinado.” Hoje são mais de 20 grandes empresas no portfólio.