O empresário José Carlos Semenzato, dono da holding SMZTO e jurado do programa Shark Tank Brasil, já passou por diversas crises econômicas e, em todas essas ocasiões, adotou um costume para lidar com as dificuldades.
“Eu sempre dizia ‘problema, fica no cantinho aí, a vida vai seguir aqui e daqui a pouco eu volto com uma solução para você’”, diz Semenzato ao NeoFeed. Mas, nas últimas semanas, o problema que ele e o mundo inteiro estão tendo de lidar é bem diferente.
O coronavírus, um inimigo invisível que botou as maiores potências de joelhos e tem amedrontado o mundo, tem sido devastador para a economia global e para grande parte das empresas. E o pior é quem ninguém sabe quando isso vai terminar.
“Hoje não tem esse efeito de dizer ‘problema, fica aí’. Ele é iminente e vem de uma forma que deixa a todos inseguros e sem enxergar o futuro”, diz o empresário. A saída é encará-lo, criando planos de contingenciamento e segurando o caixa até onde der.
Semenzato sabe que precisa fazer isso. Suas empresas, que juntas faturaram R$ 2,4 bilhões em 2019, atuam nos setores mais afetados. A SMZTO tem participações em 12 marcas que vão de alimentação, saúde e educação, que, da noite para o dia, viram seus faturamentos praticamente cessarem.
Em entrevista ao NeoFeed, ele conta como está atuando para preservar os 30 mil empregos diretos nas empresas em que é sócio, como Instituto Embelleze, Espaçolaser, OdontoCompany, L’Entrêcote de Paris, Oakberry, entre outras.
Ele também revela a estratégia que está adotando para manter as mais de 2 mil franquias de pé e diz que a palavra de ordem é solidariedade. “Haverá uma concessão geral de todas as partes envolvidas para que possamos sair vivos dessa fase”, diz o tubarão do Shark Tank. Acompanhe:
Como empreendedor, como você analisa a situação que o mundo está vivendo por conta do coronavírus?
É algo jamais visto. Sou empreendedor há 30 anos e confesso que é a primeira vez que estou vivendo na pele algo como isso. Se fizermos uma análise comparativa com o passado, mesmo quem já passou por outros planos econômicos, você conseguia resolver os problemas. Eu sempre falo ‘problema, fica no cantinho aí, a vida vai seguir aqui e daqui a pouco eu volto com uma solução para você’. Mas hoje não tem esse efeito de dizer ‘problema, fica aí’. Ele é iminente e vem de uma forma que deixa a todos inseguros e sem enxergar o futuro.
É difícil, tudo tem mudado rapidamente...
Isso e é interessante que cada negócio foi sentindo em momentos diferentes. Teve negócio, na segunda-feira, que o sócio-fundador ainda não acreditava no que vinha pela frente. Coube ao sócio mais ajuizado, nesse momento com a informação mais consolidada, dizer ‘calma, baixa essa expectativa, faz um cenário de fluxo de caixa para seis meses. Temos de sobreviver durante três a seis meses com o nosso caixa. Vamos baixar essas expectativas de buscar caminhos alternativos’.
Mas é o que todos fazem, buscar alternativas...
Na hora da crise, da dificuldade, você busca caminhos alternativos, tenta achar oportunidades, e elas existem, mas são muito pequenas as chances.
"Temos de sobreviver durante três a seis meses com o nosso caixa"
A sua visão sobre a crise foi mudando ao longo desses dias?
Na quinta-feira (12 de março), o meu discurso era um e, na segunda-feira (16 de março), já era outro. Passou a ser extremamente catastrófico, o caos está instalado, todas as empresas estão correndo e com necessidade de fluxo de caixa para seis meses. Graças a Deus, as nossas empresas estão capitalizadas e em condições de suportar até seis meses sem nenhuma quebra. O problema é que vai haver um efeito muito danoso para o pequeno empreendedor.
E a sua holding conta com milhares de pequenos empreendedores franqueados...
Temos mais de duas mil franquias e, olhando para o cenário do mundo do franchising, que tem mais de 150 mil unidades em operação, preocupa. Quando você vê o comércio e os shoppings fechando, é natural que haja uma inatividade e falta de receita generalizada. ‘Eu não vendo, não recebo e fica aquela dúvida na cabeça do pequeno empresário: se eu não consigo faturar, não consigo vender, vou pagar os compromissos?’.
É muita insegurança para quem tem o caixa apertado...
A grande insegurança paira hoje, principalmente, na cabeça do pequeno empresário. É aquele que faz as vendas da semana e antecipa os recebíveis para a sobrevivência da semana seguinte, é o que tem mais dificuldade. Tem menos acesso a crédito, o dinheiro fica mais distante dele porque não tem garantias para oferecer.
"A grande insegurança paira hoje, principalmente, na cabeça do pequeno empresário"
E o que vocês estão fazendo para ajudar esses franqueados e pequenos empresários?
Instalamos um comitê de crise, falando com todos os franqueados diariamente, dando as melhores recomendações e listamos as prioridades.
Quais são as prioridades?
Em primeiro lugar, cuidar dos colaboradores. Não vai adiantar sair vivo dessa história se não tivermos um quadro de colaboradores ativos e confiantes. Boa parte dos nossos colaboradores agora está trabalhando em casa. No caso das clínicas odontológicas, temos que manter essas atividades para atendimentos emergenciais.
E isso está sendo feito em todo o Brasil?
Em cada lugar do Brasil, o comportamento é diferente. Tem estados que ainda não decretaram fechamento de comércio. O que temos pedido aos franqueados é que sigam as recomendações da OMS e das agências reguladoras como a ANS.
"Não vai adiantar sair vivo dessa história se não tivermos um quadro de colaboradores ativos e confiantes"
Quais estados que ainda não sentiram?
Há cinco ou seis estados que decretaram fechamento de comércio e shoppings. Só 30% dos estados fecharam. Mas quando você olha o Sudeste e pega Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo você praticamente eliminou 60% da atividade produtiva. Por mais que não tenha esse efeito ainda no interior do Brasil, você já tem o maior efeito destrutivo de receita, de caixa. O caos já está instalado. Não haverá faturamento para essa última semana de março. A cada dia vai caindo. Na segunda-feira, tivemos 70% de faturamento que costumávamos ter, terça-feira 50% e na quarta-feira caiu para 30%. A cada dia está havendo uma queda importante nos faturamentos das redes, o que sinaliza praticamente zerar o faturamento na próxima semana.
Diante disso, qual a orientação que você tem passado para os franqueados?
Muito importante fazer uma análise de fluxo de caixa do que ele tem de recebíveis que ele pode contar realmente. E não estamos falando de recebimento futuro, estamos falando de recebimentos já entregues, já materializados. Não adianta contar com o que vai receber em abril porque estamos contando com 10%. Já está no nosso plano catastrófico 90% de inadimplência e isso vai acontecer em efeito cascata. Mas não podemos deixar isso virar um pânico.
Com esse cenário, como não entrar em pânico?
Os governos municipais, estaduais e federal estão solidários a isso. Os fornecedores também estão dentro dessa cadeia, não vão vender e não vão receber. Logo, os lojistas não podem entrar em pânico porque não haverá recursos para pagar as contas deles em dia e haverá uma paralisia natural por 30 dias, 60 dias, que é o cenário que se apresenta.
"Já está no nosso plano catastrófico 90% de inadimplência e isso vai acontecer em efeito cascata"
Mas os franqueados aguentam isso?
Se o franqueado não paga o shopping, o shopping não pagará os seus fornecedores. Haverá um efeito em cadeia, uma paralisia de 100% no fluxo de dinheiro, os bancos também não vão receber. Acredito que haverá uma ajuda em cadeia que vai envolver os agentes governamentais, os bancos, os fornecedores.
E os salários dos funcionários?
Estamos trabalhando com o cenário de manter a folha de pagamento de todos os colaboradores nos próximos 3 meses a 6 meses. Esse é o cenário que estamos trabalhando atualmente. Mas, como ainda não sabemos o tempo que isso vai durar, tomamos uma decisão de, via RH, fazer levantamento de todos os colaboradores com férias vencidas ou por vencer e antecipando essas férias remuneradas.
E os aluguéis, as contas fixas?
Vai sobrar o aluguel e ele vai ter que ter um jogo de cintura importante. Se ele foi um bom pagador até hoje, por que o proprietário não vai dar um mês, dois meses de carência? Até porque o proprietário não terá para quem alugar nessa hora, ele terá de solidarizar. A palavra é solidariedade. Todos os empregadores, empregados, fornecedores e governos terão de ser solidários para sairmos vivos. Todos vão perder? Vão. Vamos ter de apagar do nosso ano de 2020 pelo menos três meses de produção. O ebitda de todo mundo vai cair, mas vamos sair vivos. E é preciso serenidade na tomada de decisão. Haverá uma concessão geral de todas as partes envolvidas para que possamos sair vivos dessa fase.
"Todos os empregadores, empregados, fornecedores e governos terão de ser solidários para sairmos vivos"
A sua holding também investe em restaurantes um dos setores mais afetados por essa crise. O que está sendo feito?
Criamos uma estratégia de virar a chave fortemente para delivery. No L’entrêcote de Paris, Joy Juice, Guaco, Oakberry as entregas por aplicativo cresceram 60% nesta semana. Não quer dizer que seja a solução, mas criamos nos restaurantes mesas com espaçamentos de dois metros entre uma mesa e outra. Vai atender 30% da clientela, mas acho que todos os restaurantes serão fechados por trinta dias. Estão todos confinados, ninguém quer ir para restaurante agora.
E os seus outros negócios?
Nas clínicas odontológicas estamos mantendo um plantão emergencial. Na Espaçolaser, também com um plantão espaçado, com agendamento, e na semana que vem não deverá ter atendimento. Nas casas de festa, a Casa X, estamos pedindo para que as festas sejam adiadas por 60 dias. E não são poucas. São 300 festas por mês. No Instituto Embelleze e no Instituto Gourmet, estamos incentivando o uso de plataforma EAD. Mas acredito que, se todos aderirem 100% ao confinamento por 30 dias, poderemos ver essa pandemia aniquilada no Brasil. Melhor isso do que ficarmos fritando por seis meses.
Mas você não acha que é necessário adotar uma postura mais enérgica por parte do governo, como aconteceu na Itália e na França?
Acho que não é tardia. Estamos falando hoje, quinta-feira. Quando fiz reunião na segunda-feira com o meu time, disse que conversaríamos no dia seguinte. Na terça-feira, mudou tudo de novo. Na quarta-feira, mudou novamente. Os governos que estão tomando as decisões de fechamento de shopping, comércios e aeroportos, na minha visão, estão adotando as medidas certas para o momento. Ver o que a Itália está passando hoje nos mostra que podemos ser muito mais proativos agora. Mas tem de ser agora. Mais uma semana talvez possa ser tarde demais.
"Ver o que a Itália está passando hoje nos mostra que podemos ser muito mais proativos agora. Mas tem de ser agora. Mais uma semana talvez possa ser tarde demais"
Vocês pensam em criar uma linha de crédito para os franqueados?
As medidas mais emergenciais que pudemos tomar foi dar esse aconselhamento e fazer junto com os franqueados os fluxos de caixa de cada um, apontar os melhores caminhos de renegociação. Na segunda fase, naturalmente, com a queda do faturamento, faremos uma suspensão da cobrança de royalties e do fundo de propaganda. Não tem motivo para cobrar fundo de marketing se não tem o que divulgar e vender. Também recomendamos aos franqueados que busquem as melhores linhas de crédito no mercado para suportar capital de giro para aguentar esses 3 meses a 6 meses. Os agentes financeiros brasileiros como Caixa e Banco do Brasil, e para isso eles existem, estão aptos nesse momento e com dinheiro disponível para municiar empresários a sobreviverem nesse momento.
Você é empreendedor, é jurado e investidor do programa Shark Tank e já viveu e passou por muitas crises. O que essa pandemia está trazendo de lição para você?
Acho que traz uma lição para o Semenzato, com 30 anos de empreendedorismo no Brasil. Por ironia do destino e timing de negócio, o grupo SMZTO foi pego por essa catástrofe bastante capitalizado, quando houve um momento de liquidez em dezembro de 2019 e uma captação em janeiro e fevereiro. Nesse momento somos quase que uma ilha. Mas digo que a lição que fica para qualquer empreendedor é a de que temos sempre de trabalhar com colchão de reserva. Aqueles empreendedores que, podemos dizer, trabalham no limite da irresponsabilidade, que trabalham alavancados ao extremo, sempre com apostas muito agressivas, vão sofrer muito mais. O empreendedor brasileiro precisa trabalhar mais com planejamento, tem de trabalhar com essa margem de segurança, que eu chamaria quase de uma margem de sobrevivência. Para que nessa hora não tenha que liquidar ativos, porque isso vai passar.
Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.