Inseridas em um mercado no qual as inovações rapidamente tornam-se obsoletas, as empresas de tecnologia, volta e meia, deparam-se com um dilema: largar na frente da concorrência ou aguardar o momento mais propício para se lançar em um novo segmento?
Não são poucas as companhias do setor que alcançaram o topo ao apontar novos caminhos. Assim como não são raros os casos de empresas que pagaram o preço por esse pioneirismo.
A decisão de seguir pelo primeiro caminho tem sido o mote da Samsung. E talvez ajude a explicar a liderança da fabricante no mercado global de smartphones. A estratégia de sair na dianteira, no entanto, vem se mostrando cada vez mais arriscada para a companhia.
O passo mais recente a colocar essa abordagem em xeque responde pelo nome de Galaxy Fold. Primeiro smartphone de tela dobrável do mundo, o dispositivo começou a chegar às lojas da Coreia do Sul e de mercados como os Estados Unidos em setembro.
Previsto inicialmente para abril, o lançamento foi adiado depois que os primeiros aparelhos distribuídos à mídia especializada apresentaram uma série de problemas, entre eles, o mau funcionamento ou mesmo a quebra da tela principal com poucos dias de uso. E, ao que tudo indica, boa parte dessas questões não foi solucionada nesse intervalo.
Destacado em diversas avaliações de especialistas pelo mundo, o principal sinal de que talvez tivesse sido melhor gastar mais tempo e dinheiro nos centros desenvolvimento da Samsung é a longa lista de instruções de manuseio que acompanha o produto.
O leque de alertas passa, por exemplo, por não pressionar com “força excessiva” a tela com algo afiado, inclusive as unhas do usuário
O leque de alertas passa, por exemplo, por não pressionar com “força excessiva” a tela com algo afiado, inclusive as unhas do usuário. E inclui ressalvas como não expor a dobradiça entre as telas a água ou a poeira, e manter o aparelho longe de chaves e cartões de crédito.
Entre outras questões que reforçam a cautela com o lançamento, a empresa está oferecendo a substituição de tela no primeiro ano de uso por US$ 149, bem como um serviço de concierge para dar assistência aos consumidores que funciona 24 horas, sete dias por semana.
Assim como o guia de instruções, a recepção ao produto tem sido marcada por uma série de reservas e restrições. Embora o pioneirismo seja apontado, muitas vezes, como um atenuante, as primeiras impressões sinalizam que o aparelho segue sendo extremamente frágil.
Brian Heater, editor do site americano TechCrunch, por exemplo, destacou problemas com a tela em apenas 27 horas de uso. Jornalista especializada do The Wall Street Journal, Joanna Stern ressaltou, por sua vez, outro ponto que reforça o desafio da Samsung: o preço do produto.
“Se eu recomendo que você compre um telefone de US$ 2 mil que precisa de mais cuidado que um ovo Fabergé? De jeito nenhum”, escreveu em sua avaliação. “O Fold escapou cedo demais dos laboratórios da gigante sul-coreana”, acrescentou.
Sob pressão
Para fontes consultadas pelo NeoFeed, a Samsung pode acabar sendo vítima da armadilha de se manter na liderança a qualquer custo. “A empresa tem essa cultura de se pressionar a ser o fabricante que lidera qualquer novidade do segmento”, diz um executivo do setor. “Mas na ânsia de serem inovadores e muito agressivos, eles muitas vezes erram e são precipitados.”
Parte dessa estratégia pode ser explicada por alguns fatores. O primeiro deles são as sucessivas quedas nas vendas globais da categoria. No segundo trimestre, o recuo foi de 2,3% na comparação anual, segundo a consultoria americana IDC.
Ao mesmo tempo, a Samsung tem perdido espaço na China, um país essencial para o segmento. A empresa, que já chegou liderar as vendas locais, foi desbancada por rivais domésticas como Huawei e Xiaomi, além de marcas desconhecidas pelo grande público, como Vivo e Oppo. Hoje, a companhia não figura nem entre os cinco principais fabricantes no país.
Com o Galaxy Fold, a empresa também vem enfrentando problemas em outro mercado crucial: os Estados Unidos
Com o Galaxy Fold, a empresa também vem enfrentando problemas em outro mercado crucial: os Estados Unidos, o que só favorece sua maior rival, a Apple. “O lançamento tem despertado reações bem negativas dos consumidores americanos”, diz Rosangela Florczack, professora da ESPM e pesquisadora em gestão de crise e reputação.
Ela destaca o fato de as empresas de tecnologia contarem com consumidores que mais se assemelham a fãs das marcas como um possível atenuante para a Samsung. “Isso ainda é um escudo pra eles, mas em um universo gigantesco e diverso de consumidores, e com o poder das redes sociais, você não consegue sustentar a sua marca apenas com esse fã-clube”, afirma Rosangela.
Esse contexto ganha contornos ainda mais críticos quando se tem um antecedente de problemas. Em 2016, por exemplo, o lançamento do Galaxy Note 7 foi marcado por casos de explosões de aparelhos, em virtude de falhas na bateria.
“Eles adotam muito essa estratégia de lançar produtos inacabados para figurarem como pioneiros nos mecanismos de busca”, diz Rosangela. “Mas, da mesma forma, esse histórico de incidentes fica registrado. O que, no médio prazo, traz muito danos e desgastes para a marca.”
Ainda é cedo para dizer se no caso do Galaxy Fold a urgência foi o melhor caminho. O certo, no entanto, é que a Samsung não ficará sozinha na categoria por muito tempo. A Huawei programa para este mês o lançamento de seu modelo, batizado de Mate X.
Já a Microsoft revelou ontem, 2 de outubro, os primeiros detalhes do Surface Duo, aparelho de tela dobrável que marca sua volta aos smartphones e tem lançamento previsto para o fim de 2020.
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