Em uma convenção de vendas da IBM, o executivo Marcos Peigo pegou o microfone e disse para todos ouvirem. “Se vocês forem a um cliente e não tiverem solução para oferecer para ele, mande para mim.”
A frase de Peigo não era uma piada sem graça em uma convenção de vendas. Ele chegou à big blue, como é conhecida a IBM, para desenvolver uma área que não tem produto e nem solução de prateleira. Sua missão é entender as necessidades dos clientes e propor algo que resolva o problema – mesmo que o serviço ou software não seja o da IBM.
“Fui contratado para criar uma startup dentro da IBM”, disse Peigo, ao NeoFeed. O executivo está há pouco mais de dois anos à frente de uma divisão que não existe em nenhum lugar do mundo, apenas na América Latina. É a área batizada de Value Creation.
A “startup” de Peigo é um mescla de consultoria empresarial, ao estilo McKinsey, com o apelo tecnológico da IBM, mas que é agnóstica e conta ainda com profissionais que conhecem todas as tecnologias, inclusive a dos rivais, como Amazon e Microsoft.
Ao que tudo indica, a “startup” está começando a ganhar escala. Apesar de não divulgar dados por país ou região (globalmente, a IBM faturou US$ 79,5 bilhões, em 2018), Peigo diz que a Value Creation está ganhando peso na receita da big blue. “Não era nada, mas já posso dizer que é bem relevante”, diz ele.
O presidente da IBM Brasil, Tonny Martins, concorda. “Foi uma aposta de risco, mas foi a decisão mais acertada que tomamos”, afirmou o executivo, que está à frente da operação brasileira desde janeiro de 2018. “A única regra é que é proibido ter produtos prontos.”
Por esse motivo, a forma de trabalhar de Peigo é também singular. O time do executivo, que envolve pessoas com diversas habilidades, primeiro tenta entender qual o problema que precisa resolver.
Com base nisso, a IBM assina um contrato no qual se compromete em aplicar uma determinada quantidade de recursos no projeto. O principal investimento da big blue é em horas de seus especialistas.
Em seguida, a equipe vai a campo para entender o problema e propor uma solução, apresentando um relatório de recomendação sobre o que fazer. O cliente pode ler o documento e não querer seguir adiante. Nenhum problema. Ele paga as horas dos consultores da IBM e a vida a segue sem stress.
Do contrário, o time da IBM que fez a recomendação passa para o passo seguinte, que é fazer a implementação da solução proposta. “Mudamos a abordagem de vendas”, diz Peigo. “Antes, se não tinha produto ou solução, o vendedor ia embora.” Lembra do começo desta reportagem. Agora, a frase de Peigo agora faz sentido, não?
Um cliente de grande porte da IBM é a rede de fast-food Burger King no Brasil, que contratou a IBM para estudar formas para melhorar a eficiência dos restaurantes com o uso de inteligência artificial e outras tecnologias.
“A gente já fez os mapeamentos, estamos em fase de calcular retornos, impactos, mas muito em breve começamos a implementar os primeiros processos e vamos poder compartilhar quais são os ganhos esperados”, disse Iuri Miranda, CEO do Burger King Brasil, durante teleconferência de apresentação de resultados a investidores, referindo-se à relação com a IBM.
Uma das áreas que a IBM está trabalhando com o Burger King é o drive through. O trabalho da Value Creation envolve, entre outras atividades, gravar imagens e até conversas dos atendentes para entender como atuam. Só depois, a companhia irá propor uma solução. “Sempre trabalho a tecnologia com cabeça agnóstica”, diz Peigo.
Os nomes dos clientes são guardados a sete chaves, por conta da questão estratégica dos projetos. Peigo afirma que atende clientes de diversos setores da economia e trabalha com empresas de diversos portes.
De "startup" para startup
A IBM começa também a se aproximar de startups. A companhia acaba de anunciar seu programa batizado de IBM Open Ventures. A ideia é encontrar empresas com potencial inovador que usem tecnologias que possam se somar ao expertise da IBM e serem integradas em projetos da big blue.
A primeira turma já foi selecionada de um grupo de 360 startups, que foram indicadas por clientes da IBM e aceleradoras. Apenas 12 foram escolhidas. Mas o objetivo é selecionar entre 40 e 50 startups.
O programa da IBM, no entanto, é diferente de quase todos os que existem no mercado. A empresa não oferece aceleração e nem compra participação das startups. O objetivo é auxiliá-las com tecnologias e abrir portas em potenciais clientes.
O alvo são startups que já passaram pelo processo de validação do produto e estão mais maduras. “O perfil não é de dois garotos em uma sala colorida”, brinca Peigo.
Três nomes foram anunciados – os outros nove já foram escolhidos, mas faltam detalhes ainda para se tornarem públicos. São a Growth Tech, que desenvolve uma solução para empresas do setor imobiliário, a Tangerino, que conta com uma tecnologia de ponto digital para o departamento de RH, e a TNS, que tem uma solução para rápida detecção de salmonela em alimentos.
A ideia é que as startups possam aproveitar as tecnologias da big blue. A IBM, por sua vez, acredita que elas podem complementar soluções mais complexas e integradas para alguns de seus clientes. “Às vezes, é a peça de Lego que faltava em um projeto maior”, afirma Peigo, numa referência ao produto da startup.