Em 2022, Bill Gates lançou um desafio ao time da OpenAI. Empolgado com a startup, dona do ChatGPT, o cofundador da Microsoft propôs que sua equipe preparasse um algoritmo de inteligência artificial para um exame de biologia da Advanced Placement, tradicional programa americano de educação.

A provocação veio acompanhada de um pedido: que o “aluno” fosse capaz de responder a perguntas para as quais ele não havia sido especificamente treinado. O resultado? O algoritmo foi aprovado com louvor, alcançando a pontuação máxima no exame.

Essa história é contada pelo próprio Gates em sua mais recente publicação no site Gates Notes. No longo texto, a trama é o ponto de partida para que o bilionário americano faça previsões sobre a inteligência artificial, ressaltando o potencial desse conceito no prazo de cinco a dez anos.

“O desenvolvimento da inteligência artificial é tão fundamental quanto a criação do microprocessador, do computador pessoal, da internet e do celular”, escreve Gates. “Isso mudará a maneira como as pessoas trabalham, aprendem, viajam, obtêm assistência médica e se comunicam umas com as outras.”

No texto, publicado na terça-feira, 21 de março, ele destaca que segmentos “inteiros” da economia irão se reorientar em torno da inteligência artificial. E observa que as empresas se distinguirão pela forma como usam esse recurso.

Gates ressalta ainda que esse conceito pode reduzir algumas das piores desigualdades do mundo, especialmente em segmentos como saúde e educação. Ao mesmo tempo, ele alerta para os riscos embutidos na aplicação dessa tecnologia.

“O mundo precisa garantir que todos – e não apenas os ricos – se beneficiem da inteligência artificial. Os governos e a filantropia precisarão desempenhar um papel importante para garantir que reduzam a desigualdade e não contribuam para ela”, escreve o fundador da Microsoft.

Confira as principais análises e previsões de Gates destacadas no texto:

Assistente pessoal

Para Gates, à medida que o poder computacional ficar mais barato e a capacidade do ChatGPT de expressar ideias for aprimorada, será como se cada pessoa tivesse um funcionário para ajudá-la em diversas tarefas. Além disso, os avanços na tecnologia permitirão a criação de um agente pessoal.

“Pense nisso como um assistente pessoal digital: ele verá seus e-mails mais recentes, saberá sobre as reuniões das quais você participa, lerá o que você lê e as coisas com as quais você não quer se preocupar”, observa.

Em sua visão, esses “assistentes pessoais”, turbinados pela inteligência artificial e treinados com dados sobre a empresa e questão e seu respectivo setor, vão permitir que cada profissional seja mais produtivo.

“A ascensão da inteligência artificial irá liberar as pessoas para fazer coisas que o software nunca fará – ensinar, cuidar de pacientes e de idosos, por exemplo”, afirma. “A saúde e a educação são duas áreas em que há grande demanda e não há profissionais suficientes para atender a essas necessidades.”

Saúde

Sob esse viés, Gates entende que essa tecnologia pode aprimorar a área de saúde de diversas maneiras. Um dos exemplos envolve sua aplicação em países mais pobres, que concentram boa parte das mortes de crianças menores de cinco anos.

“Os modelos de IA usados em países pobres precisarão ser treinados em doenças diferentes das dos países ricos. Eles precisarão trabalhar em diferentes idiomas e levar em consideração diferentes desafios, como pacientes que moram muito longe das clínicas ou não podem parar de trabalhar se ficarem doentes”, escreve.

Ele também destaca o fato de que muitos algoritmos já conseguem auxiliar no desenvolvimento de medicamentos a partir da análise de uma avalanche de dados, algo que seria impossível para um ser humano.

“Algumas empresas estão trabalhando em medicamentos contra o câncer que foram desenvolvidos dessa maneira”, diz. “A próxima geração de ferramentas será muito mais eficiente e será capaz de prever os efeitos colaterais e descobrir os níveis de dosagem.”

Educação

Gates acredita que no prazo de cinco a dez anos, os softwares orientados por inteligência artificial finalmente cumprirão a promessa de revolucionar a forma como as pessoas ensinam e aprendem, uma tarefa que, em sua avaliação, outras ferramentas falharam.

“Ele conhecerá seus interesses e seu estilo de aprendizagem para que possa personalizar o conteúdo que o manterá engajado. Ele medirá sua compreensão, perceberá quando você está perdendo o interesse e entenderá a que tipo de motivação você responde. E dará um feedback imediato”, afirma.

Ele ressalta, porém, que esses algoritmos ainda irão precisar de muito treinamento e desenvolvimento antes de alcançar esse estágio e que, mesmo com o aperfeiçoamento da tecnologia, o aprendizado ainda dependerá de um bom relacionamento entre alunos e professores.

E acrescenta: “Novas ferramentas serão criadas para escolas que podem comprá-las, mas precisamos garantir que elas também sejam criadas e disponibilizadas para escolas de baixa renda nos Estados Unidos e em todo o mundo.”

Riscos

Gates também reserva um espaço para falar de riscos e problemas inerentes à tecnologia artificial, de questões mais simples, como as respostas descalibradas e equivocadas de um algoritmo até a ameaça representada por seres humanos “armados” com essa ferramenta.

“Como a maioria das invenções, a inteligência artificial pode ser usada para fins bons ou malignos. Os governos precisam trabalhar com o setor privado para encontrar formas de limitar os riscos”, aconselha Gates, que também passa por temas como a possibilidade de que os algoritmos fiquem fora de controle.

Para marcar sua posição, ele sugere que, num futuro previsível, quando esse assunto dominar as discussões, três princípios devem guiar esse debate. “Primeiro, devemos tentar equilibrar os temores sobre as desvantagens da IA – que são compreensíveis e válidas – com sua capacidade de melhorar a vida das pessoas”, afirma.

Em outro plano, ele alerta que as “forças de mercado” não irão desenvolver naturalmente produtos e serviços de inteligência artificial que ajudem os mais pobres. ”Com financiamento confiável e as políticas certas, os governos e a filantropia podem garantir que as IAs sejam usadas para reduzir a desigualdade”, escreve.

De acordo com Gates, é preciso ter em mente que a inteligência artificial está apenas no começo de seu potencial. "Quaisquer limitações que tenha hoje irão desaparecer antes que percebamos.”