Em 1982, sete mil pedras foram cuidadosamente amontoadas no gramado em frente ao tradicional museu Fridericianum, em Kassel, na Alemanha. Era uma obra de arte, parte do evento Documenta — que ocorre a cada cinco anos.
Concebida três anos antes, a ideia do artista Joseph Beuys (1921-1986) era a seguinte: cada vez que um pé de carvalho fosse plantado na cidade, uma pedra seria retirada do local. Sua esperança era de que essa iniciativa, amalgamando arte e ecologia, se espalhasse pelo mundo.
Beuys é um dos personagens cuja trajetória mais me influencia, seja como artista, seja como pedagogo — ele foi professor de escultura. “Toda gente é um artista”, costumava dizer ele, esbanjando sua visão democrática, humana e social das coisas.
Podemos classificá-lo como um artista-xamã, pois é difícil separar pensamento e vida em sua biografia. O pensamento de Beuys é a vida de Beuys. O pensamento de Beuys é a obra de Beuys. Foi dessas raras pessoas capazes de transformar a realidade ao redor.
Artista múltiplo, plural e polivalente, realizou pinturas, esculturas, happenings, performances, vídeos e instalações. Não à toa, é considerado um dos artistas mais influentes da Alemanha na segunda metade do século 20.
Quando jovem, ele queria ser médico. Durante a Segunda Guerra, contudo, alistou-se na Luftwaffe, a força aérea alemã. E desse episódio há uma história, com contornos de lenda, que teria sido um marco divisor fundamental de sua existência. Conta-se que ele teria sofrido um acidente aéreo na Crimeia e, resgatado por tártaros, acabou curado com ervas — tendo o corpo todo recoberto por gordura e feltro.
Verdade ou mito, fato é que esses elementos acabaram se tornando recorrentes em sua obra. Em 1974, por exemplo, ele viajou aos Estados Unidos para a inauguração da Galeria René Block, em Nova York. Foi enrolado em feltro ainda no aeroporto. De lá, a bordo de uma ambulância, transportaram-no para a galeria. Durante sete dias, ficaria enrolado em feltro e recluso na sala, tendo como companhia apenas um coiote.
A performance se chamava “Eu Gosto da América e a América Gosta de Mim”. Sua proposta era um desafio: se ele conseguisse se tornar amigo do animal selvagem nesse período, era sinal de que ele gostava da América e a América gostava dele.
Sua obra tem humor único e uma ironia muito própria dele. As performances e os happenings passaram a ser a tônica de sua carreira sobretudo após o início dos anos 1960, quando ele tomou contato com o movimento Fluxus e acabou sendo impelido a inovar nos formatos.
As criações de Beuys não eram provocações gratuitas. Sua obra tinha uma consistência política muito forte. Elencado entre os pioneiros do movimento ambientalista alemão, ele foi um dos fundadores do Partido Verde de seu país — depois, acabou se desiludindo e abandonando a militância partidária.
As criações de Beuys não eram provocações gratuitas. Sua obra tinha uma consistência política muito forte
Beuys acreditava na arte como instrumento emancipador das consciências. “Libertar as pessoas é o objetivo da arte, portanto a arte, para mim, é a ciência da liberdade”, dizia. Sua irreverência e seu jeito próprio de ser e criar são exemplos a quem quer enveredar pelo caminho artístico.
Aprendi e aprendo muito com ele. Toda vez que tenho o privilégio de me deparar com um trabalho de Beuys, me emociono, reflito e fico comovido. São obras muito originais. Como gosto particularmente de desenhos, destaco ainda o traço com liberdade peculiar de sua lavra — Beuys foi um desenhista exímio, excelente.
Experimentou reconhecimento público ainda em vida: no fim dos anos 1970, o museu Guggenheim, de Nova York, dedicou a ele uma retrospectiva.
Sempre que posso, exalto vida e obra desse personagem singular das artes plásticas. De repente, meu respeito e minha admiração por Beuys pode estimular a curiosidade de outros e tornar o trabalho dele ainda mais conhecido.
*Marcos Amaro é artista plástico, colecionador e empresário. Ele também é presidente do FAMA Museu e Campo e membro dos conselhos do MAM e do MASP.