Nova York — Na Black Friday de 2011, nos Estados Unidos, a Patagonia, marca global de roupas e aparatos de esportes ao ar livre, estampou um anúncio de página inteira no jornal The New York Times. Ali, acompanhando a imagem de um casaco, estava a frase: “Don’t buy this jacket”. É isso mesmo, "não compre esta jaqueta".
A provocação refletia um paradoxo vivido até hoje pelos executivos da empresa: crescer e sustentar um negócio lucrativo e, ao mesmo tempo, fazer campanha contra o consumismo desenfreado, incentivando as compras conscientes como forma de proteger o meio ambiente.
Claro que o casaco vendeu horrores. O público comprou a ideia por trás de uma das marcas mais progressistas e amadas do mundo, fundada em 1973 na Califórnia por Yvon Chouinard, um alpinista americano vidrado em esportes de risco, proteção ambiental e desdém por contas bancárias infladas.
O episódio é contado por David Gelles em seu novo livro Dirtbag Billionaire — How Yvon Chouinard Built Patagonia, Made a Fortune, and Gave it All Away (em tradução livre, “Bilionário Desprendido — Como Yvon Chouinard Construiu a Patagonia, Fez Fortuna e Doou Tudo”).
Com quase 300 páginas, a biografia conta a história do fundador da Patagonia, hoje com 86 anos, que torceu o nariz quando a revista Forbes o incluiu na lista de bilionários em 2017 pelo seu US$ 1,2 bilhão.
Gelles, jornalista de negócios do The New York Times, autor também de um livro sobre Jack Welch, ex-CEO da GE, passou meses conversando com Chouinard, seguindo suas trilhas, aventurando-se em seus esportes e entrevistando pessoas próximas a ele.
No ambiente de trabalho, conforme relatos de muitos, o empresário revelava uma personalidade às vezes distante, voltada para microgestão, impaciência para papo furado e, nos últimos anos, pessimista.
Mas o coração do fundador vai além da vida corporativa. Ele sempre desejou que seu negócio fosse um veículo de proteção ambiental, mostrando a outras empresas que é possível prosperar, preservando o meio ambiente e ainda doar parte dos ganhos a iniciativas de proteção da natureza.
O primeiro passo para expandir esta filosofia foi cofundar o grupo Conservation Alliance, que reúne empresas com a mesma missão e produtos similares, incluindo a The North Face (criada por um amigo), REI e Kelty. Hoje, esta aliança conta com 270 marcas que juntas já doaram cerca de US$ 36 milhões.
"1% for the Planet"
O desafio da Patagonia foi sempre equilibrar a trajetória de uma empresa que, como todas as outras, deixava rastros industriais no planeta, enquanto enviava uma mensagem de alerta sobre as mudanças climáticas.
Em 2002, ele também criou a organização “1% for the Planet”, por meio da qual as empresas doam 1% de suas receitas anuais a causas socioambientais. Hoje, o movimento está em mais de 110 países e cerca de US$ 808 milhões já foram doados.
Casado desde 1971, seus filhos Fletcher e Claire trabalham na empresa. Ambos herdaram a postura minimalista e ambientalista do pai. Fletcher se enveredou para o surfe e Claire tornou-se designer, criando marcas para coleções da Patagonia.
A forma como a família posiciona a filosofia da empresa supera modismos, como a tendência do colete sem mangas da Patagonia usado sobre camisa social, que tomou conta dos profissionais de Wall Street — a patota que ele mais abomina.
Pelo menos o problema do bilhão na conta, ele já resolveu. Há três anos, ele juntou a equipe na sede da empresa em Ventura, na Califórnia, e anunciou que, em vez de abrir o capital da empresa, ele e sua família estavam doando 100% de sua fortuna de US$ 3 bilhões de ganhos e ações com direito de voto ao Patagonia Purpose Trust, criado e supervisionado pela família, e à ONG Holdfast Collective. Ambas as iniciativas são focadas em combater as mudanças climáticas.
O filantropo explicou sua decisão em uma carta aberta, sublinhando que a empresa sempre destinou 1% das vendas anuais à preservação do meio ambiente, tornou-se uma empresa B (certificação de alto comprometimento com causas sociais e ambientais) e, em 2018, oficializou seu propósito: salvar o planeta.
Para Chouinard, quando uma empresa abre capital, ela perde o controle. Ao priorizar o lucro dos acionistas acima de tudo, ela acaba perdendo sua autonomia e se tornando apenas mais uma “companhia irresponsável”.
Para entender a trajetória do empreendedor, Gelles descreve sua essência logo no início do livro: um homem de origem humilde que nasceu em 1938 e cresceu em Lewiston, pequena cidade de Maine, época em que o mundo só tinha 2 bilhões de habitantes.
O empresário é da primeira geração de sua família nascida nos Estados Unidos. Seu avô paterno, um fazendeiro em Quebec, no Canadá, certo dia, empacotou seus pertences, levando a família e o sobrenome francês para o outro lado da fronteira.
Chouinard, que não completou a faculdade, “aprendeu a escalar antes de andar”, descreve o autor. Foi pioneiro em subir as montanhas de granito mais desafiantes do mundo. Se aventurou de caiaque em rios perigosos. Surfou ondas gigantes em praias prístinas. Escalou geleiras na Antártica. Perseguiu tigres na Sibéria. Mais: perdeu-se em florestas no Butão, quase bateu as botas numa avalanche na China e, por pouco, não se afogou no Chile.
Quando jovem, Chouinard se considerava um ferreiro. Começou a carreira a partir de sua paixão pelo alpinismo, desenvolvendo mosquetões e "pitões" — lâminas metálicas com uma argola que são marteladas em fendas de rocha para servir como ponto de ancoragem.
Como empreendedor, ele acreditava que, ao criar o melhor produto da categoria, os consumidores pagariam um preço premium pela excelência.
Royal Robbins, o mais famoso alpinista na época, dizia que os produtos de Chouinard eram superiores em inovação e qualidade. Essa criatividade resultava das próprias escaladas do empresário.
Em 2020, Chouinard chegou a escrever uma carta aberta usando palavras, digamos, coloquiais, pedindo para que o público votasse corretamente “para tirar pessoas [inapropriadas] do poder”. Dois anos depois, ele fez um apelo a empresários para que eles mesmos deixassem de ser [inapropriados] e doassem 1% ao planeta.
No lançamento de Dirtbag Billionaire em setembro, Gelles, que já entrevistou Elon Musk, não resistiu a comparar os dois empreendedores:
“Enquanto Chouinard é genuinamente recluso, renuncia à sua fortuna e foca nas causas que abraça, o fundador da Tesla faz de tudo para se inserir nos últimos ciclos de notícias, além de ostentar seu status de homem mais rico do mundo. No mundo dos negócios não existem dois líderes mais diametralmente opostos.”