A crise disseminada pela Covid-19 despertou, na mesma medida, uma onda de mobilização entre empresários e executivos de peso em todo o mundo. No rastro do coronavírus, não foram poucas as iniciativas que traduziram um engajamento sem precedentes por parte de tantos nomes relevantes em seus países e na economia global.
Em meio a esse burburinho, no entanto, uma voz tem se destacado. Conhecido por destinar milhões de dólares para apoiar causas humanitárias e sociais, Bill Gates, cofundador da Microsoft, já havia alertado, há cinco anos, sobre o fato de o mundo não estar preparado para lidar com uma pandemia. Na época quase ninguém deu ouvidos ao seu aviso, que foi reforçado em diversas oportunidades desde então.
As últimas semanas confirmaram, porém, que Gates estava certo. Nesse cenário, o bilionário vem sendo um dos protagonistas no debate em torno das saídas para a crise. E, muito além do discurso, tem financiado projetos que buscam combater não apenas os impactos da Covid-19, mas de outras prováveis pandemias no futuro.
Nesse contexto, Gates anunciou, em meados de março, que estava deixando o Conselho de Administração da Microsoft. O bilionário alegou que precisava se dedicar mais às suas atividades de filantropia. De lá para cá, boa parte de seu tempo tem sido reservado à cruzada contra a Covid-19.
“É como uma guerra mundial, com a diferença que, neste caso, estamos todos do mesmo lado”, escreveu Gates, em seu mais recente artigo, “A primeira pandemia moderna”, publicado no Gatesnotes, site no qual ele compartilha sua visão sobre diversos temas. “Todos podem trabalhar juntos para aprender sobre a doença e desenvolver ferramentas para combatê-la.”
No artigo, um recurso usado com cada vez mais frequência por Gates para chamar a atenção para o tema, ele traça caminhos para controlar a epidemia. E fala sobre como a fundação mantida com sua mulher, Melinda, vem atuando nesse contexto.
Criada em 2000, a Gates Foundation é exemplo de como a preocupação do bilionário é antiga. Desde então, a fundação concentrou boa parte de suas iniciativas no apoio a projetos ligados ao desenvolvimento de tratamentos e vacinas para doenças e epidemias como malária, Ebola, HIV e SARS.
E agora, escreve Gates, está usando a experiência acumulada nessa trajetória para selecionar as melhores ideias no combate à Covid-19. Como parte desses esforços, no início da crise, a fundação anunciou um aporte de US$ 125 milhões em um fundo para financiar testes e pesquisas relacionadas à Covid-19, em uma parceria com a Mastercard e a entidade britânica Wellcome.
Entre outras iniciativas, a Gates Foundation anunciou um aporte de US$ 125 milhões em um fundo para financiar testes e pesquisas relacionadas à Covid-19
“Mais de 100 grupos estão trabalhando nos tratamentos e outros 100 em vacinas. Estamos financiando uma parte deles, mas acompanhando todos de perto”, escreve. “É fundamental olhar para cada projeto para ver não apenas sua chance de funcionar, mas também as chances de que ele possa ser ampliado para ajudar o mundo inteiro.”
Nessa direção, Gates entende que o roteiro para combater e controlar a Covid-19 passa por cinco áreas: tratamento, vacinas, testes, rastreamento e abertura. Ele cita exemplos de como a Gates Foundation está trabalhando em algumas dessas frentes.
No campo dos tratamentos, entre outras iniciativas, a fundação está apoiando um consórcio de empresas que está pesquisando o uso do plasma de pessoas já infectadas para curar pacientes. Já nas vacinas, ele destaca os recursos arrecadados pela Coalização de Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI), frente criada a partir dos alertas feitos em 2015.
A CEPI está financiando uma série de projetos para o desenvolvimento de vacinas, entre eles, uma iniciativa tocada pela startup biofarmacêutica americana Moderna, que já está em fase de testes em seres humanos.
O desenvolvimento de vacinas, no entanto, é apenas um passo. Em manifestações anteriores, Gates também comentou a necessidade de os governos injetarem recursos para apoiar a construção de instalações capazes de suprir a fabricação das bilhões de doses que serão necessárias para controlar o avanço do coronavírus.
Gates destaca ainda que o isolamento está sendo importante para evitar mortes e o colapso nos sistemas de saúde. Há cerca de um mês, em uma participação no evento online TED Connects, ele criticou duramente os líderes globais contrários a esse modelo, em uma referência clara ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“É muito difícil dizer às pessoas: ‘Ei, vá a restaurantes, compre casas novas, ignore a pilha de corpos ali no canto, queremos que você siga gastando porque talvez haja algum político que pensa que o crescimento do PIB é o que importa”, afirmou, na época.
Agora, ele ressalta que as medidas de relaxamento devem ser graduais e precisam ser conduzidas com cautela por parte das autoridades. “É impossível derrotar um inimigo que não podemos ver”, afirma. “Portanto, os testes são essenciais para controlar a doença e começar a reabrir a economia.”
“É impossível derrotar um inimigo que não podemos ver. Portanto, os testes são essenciais para controlar a doença e começar a reabrir a economia”
Gates finaliza o artigo destacando que ele e Melinda cresceram aprendendo que a Segunda Guerra Mundial foi decisiva para a geração de seus pais. “De maneira semelhante, a Covid-19 – a primeira pandemia moderna – definirá esta era”, escreve, ressaltando a preocupação do casal com o alto custo da crise para as comunidades mais pobres e as minorias raciais. “Os líderes precisarão garantir que, à medida que os países se abram, a recuperação não torne a desigualdade ainda pior do que já é.”
Ataques
O engajamento e a postura proativa de Gates no enfrentamento da Covid-19 vem atraindo, na mesma medida, a fúria dos negacionistas da pandemia. O bilionário tem sido alvo constante e crescente de ataques disseminados por esses grupos nas redes sociais.
No início de abril, por exemplo, ele publicou um vídeo de três segundos em seu perfil no Instagram, onde se via uma placa pendurada em uma janela com a mensagem “Obrigado, profissionais da saúde.” A postagem foi seguida por 45 mil comentários que, em sua maioria, ligavam Gates a teorias da conspiração envolvendo questões como vacinas e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os ataques ganharam mais força na semana seguinte, quando Gates criticou a decisão de Donald Trump de suspender o envio de recursos para a OMS. A Gates Foundation é a segunda maior financiadora da entidade, atrás apenas dos Estados Unidos.
Segundo pesquisa da Universidade Clemson, citada em reportagem do The Wall Street Journal, nas semanas seguintes ao posicionamento de Gates, seu perfil no Twitter atraiu 270 mil comentários, especialmente por parte de apoiadores irados de Trump.
Como resposta, diversos grupos, muitos deles impulsionados por ativistas antivacina e por robôs, passaram a propagar ataques e fake news envolvendo Gates e uma série de teorias conspiratórias. As campanhas passam, especialmente, por acusações sobre ele ter planejado a pandemia. Ou pelo fato de que ele sabia previamente o que iria acontecer.
Para reforçar essas “teses”, os grupos usam trechos do vídeo da palestra feita por ele há cinco anos, quando alertou sobre os riscos desse cenário. E ressaltam que a fundação já tem uma patente de uma vacina contra o vírus registrada, o que deixaria clara a sua intenção de lucrar com a situação. As falsas notícias passam ainda por supostos planos para implantar um sistema de vigilância global ou controlar os sistemas de saúde.
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