Doze mil bares e restaurantes paulistanos ganharam um ponto final na pandemia, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, a Abrasel. Inaugurado em 2000, o bar Filial, que por anos foi um dos únicos da Vila Madalena a funcionar até alta madrugada, engrossou a lista em julho de 2020. Foi-se quase na mesma época que outro clássico do bairro, o Genésio, dos mesmos donos, no outro lado da rua.
Com seu piso quadriculado, suas cadeiras de madeira pintadas de preto e a atmosfera de sempre, o Filial voltou à ativa em janeiro deste ano. O cardápio, agora assinado pelo chef Romulo Morente, do Moela, ganhou uma novidade ou outra, a exemplo da empada de rabada com cebola caramelizada. Reabriu com a promessa de funcionar até às 4h na sexta e no sábado e até às 2h durante a semana. Está baixando as portas, porém, por volta da 1h.
A companhia responsável por ressuscitar o Filial é a Fábrica de Bares, cujo dono é Cairê Aoas, de 38 anos. Fundada em 2014, ela é sócia e gestora de mais dois clássicos da boemia paulistana, o Riviera e o Jacaré, além de deter o licenciamento dos bares Léo e Brahma. Em parceria com o empresário Facundo Guerra, ajudou a tirar do papel o bar dos Arcos. A empresa detém uma fatia do estabelecimento, em meio às fundações do Teatro Municipal, e é responsável pela administração.
No fim do ano passado, assumiu a operação do hotel Marabá, que fechou as portas meses antes, por culpa da pandemia. No centro paulistano, será transformado, após uma reforma, no hotel Bar Brahma. E a Fábrica de Bares ainda comanda mais três empreendimentos, nos quais não tem nenhuma participação acionária: o clube de jazz Blue Note, no Conjunto Nacional; o restaurante Orfeu, vizinho ao edifício Copan; e o bar Navarro, na Vila Madalena.
E há novidades saindo do forno. Na última semana, o tradicional Bar Brasília foi reinaugurado, no aeroporto da capital federal. A casa havia fechado no meio do ano passado por culpa do novo coronavírus e funcionava na Asa Sul desde 2002.
A companhia de Aoas será apenas a gestora dessa novidade e o mesmo vale para mais dois negócios previstos para Brasília - esses com datas de inauguração em aberto. Um deles é a filial do Orfeu. O outro é o Bar Brahma local, que voltará à vida depois de um hiato de quase um ano – funcionou entre 2009 e 2021, quando foi abatido pela pandemia.
O futuro empreendimento mais aguardado é a nova Love Story, que teve a falência decretada em fevereiro de 2021. A antiga boate foi arrematada pela Fábrica de Bares, por Facundo Guerra e pela promoter Lily Scott por R$ 200 mil.
Rebatizada de Love Cabaret, deverá reabrir em novembro, após uma reforma de R$ 3 milhões, com direito a performances artísticas e suítes de motel – a vocação do endereço, afinal, será preservada.
Difícil não comparar a trajetória de Aoas, paulista do Guarujá, com a de Facundo Guerra. Argentino nascido em Córdoba, a 700 quilômetros de Buenos Aires, Guerra ficou conhecido por ajudar a revitalizar áreas degradadas de São Paulo – ou pelo menos tentar. Começou a fazer isso com o extinto clube Vegas, na Rua Augusta, e depois vieram iniciativas como o Cine Joia, na Liberdade, e o Mirante 9 de Julho, entre outras.
“O Facundo se encarrega mais da parte conceitual dos projetos, enquanto me atenho mais a questões operacionais”, explica Aoas, que se diz um grande admirador do argentino.
Os dois se conhecem desde 2018 graças à concorrência feita pela Secretaria Municipal de Cultura naquele ano para encontrar um empresário disposto a montar um empreendimento gastronômico no subsolo do teatro mais conhecido da cidade. Facundo e Aoas se candidataram e o contrato ficou com o primeiro. Conversa vai, conversa vem, resolveram unir forças para tirar o bar dos Arcos do papel.
Reativado por Facundo e por Alex Atala em 2013 – depois de sete anos fechado –, o Riviera estava nas mãos do empresário José Victor Oliva quando foi repassado, há três anos, para a Fábrica de Bares. Após um hiato pandêmico, o endereço reabriu em fevereiro com funcionamento 24 horas por dia.
Apostar em bares clássicos, Aoas admite, virou a vocação da Fábrica de Bares. “Mas não foi de caso pensado”, afirma. “Não sei dizer se reabrir um endereço clássico é mais fácil ou mais difícil do que criar uma marca do zero”.
As vantagens da primeira opção são evidentes: assumir um ponto fechado ou à beira da morte sai bem mais em conta. E a endereços icônicos não faltam boas histórias e clientes assíduos. “Por outro lado, os clássicos que entraram para o nosso portfólio também necessitavam de mudanças, do contrário não teriam fechado”, acrescenta. “Não é fácil decidir o que deve ser alterado ou não”.
Ele debutou nesse ramo aos 14 anos no extinto Café São Paulo Antigo, que era do pai dele, o empresário Álvaro Aoas. No empreendimento, nos arredores do Largo Santa Cecília, fez de tudo um pouco. Em 2001, quando já era gerente da casa, Álvaro e outros empresários reabriram o Bar Brahma, fundado em 1948.
“Foi um divisor de águas na trajetória da nossa família e um passo importante na recuperação do centro paulistano”, lembra o filho, que logo estaria trabalhando no empreendimento situado na esquina mais conhecida de São Paulo, a da Avenida Ipiranga com a São João.
Para ajudar a divulgar a novidade, os sócios decidiram organizar um camarote no sambódromo do Anhembi durante o desfile das escolas de samba. “A ideia não era montar um novo negócio”, diz o dono da Fábrica de Bares. Neste ano, o camarote do Bar Brahma chegou à 22ª edição, com 7 mil convidados por noite. No início, eram 1.200 foliões e olhe lá.
A inclusão do bar Léo ao portfólio sucedeu um episódio vergonhoso. Em 2012, descobriu-se que o clássico boteco estava vendendo chope da Ashby como se fosse Brahma – o primeiro vale bem menos, em mais de um sentido. Nas mãos dos Aoas, recuperou a credibilidade que foi para o ralo e ganhou duas filiais, no Rio de Janeiro e na Vila Madalena (a primeira fechou no começo da pandemia e a segunda, recentemente).
Com a saída de cena de Álvaro, hoje com 60 anos, o filho assumiu os negócios. Em 2018, a Fábrica de Bares reabriu o longevo Ilha das Flores, em São Paulo, surgido em 1991 (é outro endereço que não sobreviveu à pandemia).
A companhia tentou assumir o controle de mais dois clássicos, o Genésio e o Luiz, no centro do Rio de Janeiro. Nem a conversa com os donos do imóvel do primeiro bar avançou, nem as tratativas com os proprietários da segunda marca.
Cairê não revela quanto sua empresa fatura. Limita-se a dizer que ela emprega cerca de 1.000 pessoas, entre funcionários fixos e prestadores de serviço, e vende mais de 50 mil litros de chope por mês. De acordo com a Abrasel, o setor faturou R$ 242 bilhões no ano passado e a previsão para este ano é chegar a R$ 300 bilhões.