É manhã de uma sexta-feira. Erick Silva quase não desvia os olhos das telas à sua frente, de onde saltam gráficos, cotações, índices, números e uma infinidade de dados que são seus guias para decisões que, não raro, precisam ser rápidas e tomadas em questão de segundos.
Essa cena descreve, em boa medida, a sua rotina. Desde abril de 2022, ele faz pequenas operações com derivativos na B3 e, entre perdas e ganhos, acumulou um saldo positivo de R$ 46.397,00 no ano. Nada mal para um trader iniciante. E ainda mais para um adolescente de 16 anos.
Silva não está sozinho nessa empreitada. Ele é um dos 130 estudantes que receberam uma concessão inédita da B3 para operarem contratos do Ibovespa Futuro, dentro do projeto Jovem Investidor, uma iniciativa da escola de negócios do Instituto J&F.
A organização é um braço da J&F, grupo que abriga negócios como JBS, Eldorado, Banco Original, PicPay e Flora. “O que eu aprendo no projeto pode me ajudar em qualquer área”, diz Silva, ao NeoFeed. “E o mais importante é que o resultado é imediato e está na sua frente, na tela, para o bem e para o mal.”
Com início das operações em agosto de agosto de 2020, a ideia do projeto era fazer com que os estudantes colocassem em prática os conteúdos de educação financeira ministrados na escola da J&F.
Nesses termos, os “jovens traders” não investem em ações. Eles operam contratos do Ibovespa Futuro projetando a queda ou a alta do índice. Para isso, levam em conta uma série de questões macro – da curva de juros nos Estados Unidos à demanda pelo minério de ferro na China.
“Escolhemos essa classe de ativos porque ela retrata o lado real da economia”, explica Edison Simões, profissional com mais de 40 anos de bagagem no mercado financeiro e professor de finanças responsável pelo projeto
Além da concessão da B3, o projeto é viabilizado por uma parceria com a corretora Commcor. Os alunos têm à disposição um total de R$ 3 milhões para operar, a partir de recursos e de subcontas conectadas a uma conta-mãe do instituto.
O programa é aberto a estudantes do nono ano do ensino fundamental ao segundo ano do ensino médio do instituto. Em 2024, a ideia é estender a opção a alunos do oitavo ano do ensino fundamental. O processo de seleção inclui uma prova e a autorização dos pais ou responsáveis.
Em sua última “safra”, 75% dos alunos do nono ano do ensino fundamental e 45% do primeiro ano do ensino médio aderiram ao projeto. Cada estudante tem um limite para operar, que é revisto periodicamente, de acordo com a sua performance.
“O mínimo que nós damos são dois contratos”, diz Simões. “Eu monitoro todas as operações e sei o volume que está sendo negociado. E temos algumas regras. Se alguém perde em sequência, reduzimos o limite, e vice-versa. No saldo, o risco da conta é zero.”
Karine Parado, de 17 anos, é uma das alunas que compõem essa equação. Ela estagiava em uma loja da Swift, uma das marcas da JBS, quando ficou sabendo do projeto e se candidatou para uma vaga.
“Eu parava no meu intervalo para ficar operando e ver como aquilo funcionava”, conta. “Até então, eu não tinha noção do impacto do que eu lia ou via. No fim do dia, aquele número na tela não é só matemática, é a economia e o valor do seu país.”
Muito além das telas
Segundo Simões, o sharpe – índice que avalia o retorno de um investimento – dos alunos é superior a 90% do mercado. No caso de eventuais ganhos, o instituto, como uma organização sem fins lucrativos, deve reinvestir o montante.
O professor destaca, porém, que, no saldo do desempenho geral, a operação fica no “empate”. Mas ele também ressalta que o objetivo não é gerar ganhos nem formar, de fato, traders.
“A ideia é desenvolver questões como disciplina e capacidade de decisão, principalmente, fora da zona de conforto”, diz. “E é impressionante a velocidade que eles assimilam como tudo está conectado. Temos alunos, por exemplo, que mudaram o orçamento das suas famílias.”
Esse é o caso de Victor Yamaguchi. Formado no instituto, o jovem de 18 anos hoje atua como funcionário da entidade, assim como Erick e Karine. Ele segue participando do projeto e dando “aulas” além do programa.
“Eu aprendi a dar mais valor ao dinheiro e, hoje, consigo analisar o que fazer para melhorar meus ganhos”, afirma. “E o mesmo vale para a minha família. Muitas vezes, meu pai e minhas tias vêm falar comigo para entenderem onde é melhor investir.”
No que diz respeito à J&F, o projeto também tem, claro, a ideia de priorizar o que está dentro de casa, ao formar profissionais para as empresas da holding.
“Nós queremos formar gestores de empresa e tocadores de negócios”, diz Thais Lima, diretora de relações institucionais do Instituto J&F. “E é importante que esse aluno aprenda, na prática, que toda decisão tem uma consequência.”
Erick Silva é um dos candidatos a uma dessas vagas no futuro. Mas não na área que, inicialmente, projetava. Vindo de uma escola pública no bairro do Jaraguá, zona oeste de São Paulo, ele entrou na escola da J&F em 2018, com o plano de trabalhar na área de marketing da Swift.
“Eu não tinha muito contato com marcas onde eu morava e, quando cheguei aqui, eu vi Swift, vi Starbucks e os shoppings da região”, conta. “E comecei a querer entender como essas marcas precificavam os produtos, escolhiam onde colocar as propagandas e tudo que envolve essa área.”
No entanto, no nono ano, a aptidão para a matemática, incentivada desde cedo pela família, falou mais alto e ele buscou uma vaga no Jovem Investidor. “O projeto me deu um estalo e voltei ao que eu gostava desde pequeno”, diz. “Quero ser gestor de fundos.”
O Instituto tem outras iniciativas para quem quer seguir nessa carreira no mercado financeiro. Entre elas, a opção de se preparar para obter certificações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
A escola contabiliza 27 estudantes com a certificação CPA-20, que autoriza a dar explicações sobre investimentos a clientes. Outros 20 alunos obtiveram a Certificação Anbima de Especialistas (CEA), que permite fazer recomendações de produtos financeiros.
Das escolas técnicas ao ensino superior
Qualquer estudante pode tentar uma vaga no instituto. A base atual de 913 alunos está igualmente dividida entre egressos de escolas públicas e privadas. Gratuito, o colégio tem três escolas técnicas.
A Germinare Business e a Germinare Tech ficam no complexo que abriga o instituto e a sede da holding, em São Paulo. Já a Germinare Vet, que forma técnicos em veterinária, tem unidades em Lins e Amparo, no interior do estado, junto a plantas da JBS.
Com aulas em período integral e em salas que reproduzem o ambiente empresarial, a grade combina o currículo do MEC e a formação adicional em quatro áreas: finanças e negócios digitais; varejo; marcas; e commodities.
“Cada ano trabalha em cases de alguma marca da J&F e vai entender tudo sobre aquele mercado”, diz Thais Lima. “E existem ambientes como o mercado J&F, um espaço que tem todos os SKUs do grupo.”
Também há vagas de estágio nas empresas da J&F. A escola já formou mais de 400 alunos e, atualmente, mais de 250 funcionários do grupo estudam ou passaram pelo colégio. “Dos que se formaram em 2022, 98% têm carteira assinada, na J&F ou fora do grupo”, conta Lima.
O instituto já prepara seus próximos passos. Um deles é a extensão para o ensino superior, com o processo de aprovação para uma faculdade, 100% focada no ensino a distância, em curso no Ministério da Educação.
Outro projeto que deve ser expandido é a área de apoio de escolas públicas, que abrange 170 escolas municipais em São Paulo, do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. Após um processo de avaliação, esses colégios recebem um aporte anual de até R$ 50 mil, entre outros recursos.
O destino dessas cifras é decidido por consultores do instituto e pelas associações de pais e mestres de cada unidade, que, por sua vez, também pode ser fonte de novos estudantes para a escola da J&F, que já aplicou mais de R$ 11 milhões nessa vertente.