Acabou o suspense. O governo federal anunciou o novo PAC (Plano de Aceleração de Crescimento) em um evento no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, nesta sexta-feira, 11 de agosto.
E, com o anúncio, veio uma surpresa. Na distribuição de investimentos de R$ 1,7 trilhão previstos pelo novo PAC, chama a atenção justamente a fatia que sairá do setor privado – R$ 612 bilhões, o equivalente a 35% do total.
Estão previstos também aportes do Orçamento Geral da União (R$ 371 bilhões), de empresas estatais (R$ 343 bilhões) e financiamentos – a maioria de bancos públicos, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, que somam R$ 362 bilhões.
Estruturado em nove eixos de atuação, com previsão de obras de infraestrutura, concessões e parcerias público-privadas (PPPs) em estados e municípios, o programa vai atender a uma ampla gama de setores.
As prioridades, além de gerar emprego e renda, são retomar obras paradas e viabilizar investimentos públicos e privados em áreas estratégicas, como de transição energética, transportes e de neoindustrialização.
A predominância do setor privado é atribuída aos três eixos que mais vão receber investimentos do PAC - somados, cerca de R$ 1,5 trilhão -, boa parte com concessões e PPPs.
O eixo que leva a rubrica Cidades Sustentáveis e Resilientes, por exemplo, foi contemplado com R$ 610 bilhões, quase um terço do orçamento total do programa.
Parte do dinheiro será usado para construir 130 mil moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, que foi ampliado e relançado em junho. Neste eixo também estão previstos investimentos de urbanização de favelas, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e contenção de encostas e combates a enchentes.
Outro eixo com um grande quinhão de investimentos, R$ 540 bilhões, é o de Transição e Segurança Energética. Nele, o governo incluiu a retomada do programa Luz para Todos, voltado à universalização do acesso à energia elétrica em 11 estados.
No segmento de transmissão de energia, incluído na rubrica, o governo espera expandir a rede de alta tensão em mais de 28 mil quilômetros, contando com investimentos privados. Ainda na área de transição energética, os aportes em dois itens causaram polêmica.
Um deles é o de geração limpa e renovável, que prevê o investimento no conjunto de usinas eólicas que totalizam 5.308 megawatts (MW) e em geração em fotovoltaicas, com oferta de mais 8.569 (MW) em capacidade. As duas áreas já contavam com subsídios e vinham atraindo investimentos privados.
A inclusão no PAC da usina nuclear Angra 3 também causou surpresa, pois a retomada do projeto – que vai exigir R$ 20 bilhões para ser concluído ou R$ 13,5 bilhões para ser descontinuado – divide especialistas do setor.
O governo, que havia sinalizado que deixaria a usina fora do PAC, decidiu inclui-la não com verbas, mas com o objetivo inicial de fazer “uma reestruturação do estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental do projeto”.
O último eixo contemplado com grande verba foi o de Transportes. Ele vai concentrar investimentos em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias, por meio de concessões, PPPs e aportes do Ministério dos Transportes, num total de R$ 349 bilhões.
Dinheiro sobrando
Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, aponta um acerto do governo na elaboração do PAC: facilitar a participação da iniciativa privada no programa.
“Tem dinheiro sobrando no mundo inteiro do setor privado para investir em infraestrutura, mas é preciso que o governo ofereça uma boa modelagem e transparência nos projetos de concessões e PPPs”, diz.
Segundo ele, embora o governo tenha demorado para anunciar o programa, vários dos grandes projetos anunciados já foram estruturados por governos passados.
Resende cita o Ferrogrão, projeto de uma ferrovia que corta as Regiões Centro-Oeste e Norte anunciado há mais uma década e que agora está sendo analisado pelo STF, a ferrovia TransNordestina e licitações rodoviárias, como da BR 381, que já teve cinco tentativas frustradas de concessão.
“Daria para viabilizar esses projetos ainda este ano; mas os demais, que ainda precisam ser modelados, só mesmo a partir de 2024”, diz o especialista.
Segundo ele, a maior preocupação é o gasto da União, que vai exigir aprovação do arcabouço fiscal e, portanto, de negociação no Congresso.
Resende também elogiou o acordo entre o Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada) e o governo para a criação de um fundo garantidor que permita às grandes empreiteiras sem acesso a crédito participar das obras. O acordo foi confirmado nesta sexta-feira pelo governo.
“Esse acerto é importante porque corrige um erro cometido durante os escândalos de corrupção apurados pela Operação Lava Jato, que foi misturar o CNPJ das empreiteiras com o CPF de seus dirigentes”, diz.
O que existia, argumenta, era uma relação espúria entre gestores das empresas e personagens do governo. “As empreiteiras têm grande expertise técnica, não podemos perder isso, espero que a governança dos contratos seja rígida e tenhamos aprendido a lição.”
O economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, também adverte para erros cometidos por PACs anteriores. “Precisamos ficar atentos a problemas como a ingerência política e a corrupção em obras complexas, como na Refinaria de Abreu e Lima”, adverte Honorato, referindo-se à obra em Pernambuco cuja retomada foi incluída no programa.
Apesar do grande volume de dinheiro empregado, de R$ 1,7 tri, o investimento em infraestrutura no Brasil ainda é considerado baixo, de 1,8% do PIB. O especialista da Fundação Dom Cabral afirma que o ideal é elevar essa participação acima de 3% do PIB, para recuperar o histórico de investimentos mais fortes do passado.
“Se o governo conseguir imprimir com esses projetos uma maior aceleração do seu investimento em infraestrutura, a iniciativa privada dá conta do resto”, diz Resende.