Instalado na Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, o prédio de 17 andares traz parte da trajetória de Pércio de Souza, o empresário à frente da Estáter, butique especializada em investimentos, fusões e aquisições, fundada em 2003.
Além da empresa, o endereço abriga operações de algumas de suas investidas, como a corretora de seguros TRR, e de empresas que estão sob sua gestão, como o banco Voiter e o banco digital LetsBank. E, nas últimas semanas, ganhou um novo inquilino: a insurtech Seu Guru, nome mais recente no portfólio da Estáter.
Com a proposta de desenvolver uma plataforma digital para oferta de seguros para profissionais autônomos, MEIs e pequenas empresas, a startup chamou a atenção de Pércio e de seus pares, que assinaram um cheque de R$ 5 milhões em um rodada pré-operacional na novata.
“Quando o time nos disse que queria revolucionar o mercado de seguros e criar um mercado acessível para pequenos empreendedores, nós achamos bem ambicioso”, afirma Souza, ao NeoFeed. “Hoje, eu vejo que eles têm todos os ingredientes para executar esse plano.”
Esse diálogo teve início no fim de 2020, quando Guto Ramos e Rodrigo Castanho bateram na porta da butique para apresentar a ideia, na época, ainda em formatação. A outra metade do que viria a ser o time de fundadores da Seu Guru já estava, porém, “dentro de casa”.
Thiago e Felipe Souza, filhos de Pércio, se identificaram com o que ouviram. E, nos meses seguintes, ajudaram Ramos e Castanho a desenvolver e estruturar o modelo, as parcerias e a plataforma que materializam o conceito proposto pela insurtech.
“Vamos buscar a seguradora com o melhor preço para o profissional autônomo e traduzir isso na linguagem dele”, diz Castanho. “O Nubank fez isso lá atrás, com o cartão de crédito, e a PagSeguro, com as maquininhas. Agora, queremos fazer isso com o seguro.”
O horizonte da Seu Guru é amplo. Nele, cabem categorias como motoboys, diaristas, personal trainers, médicos e advogados. Mas, para o lançamento da plataforma, programado para setembro, o segmento escolhido foi o de salões de beleza e os profissionais da área.
Com um mercado potencial estimado pela insurtech em pelo menos 1,2 milhão de clientes, a oferta desenhada para a categoria ajuda a ilustrar qual o modelo desenvolvido e que será testado pela companhia. E que, no médio prazo, deve ser estendido a profissionais e empresas de outros setores.
Uma primeira etapa envolveu uma pesquisa detalhada junto aos profissionais da área. “Primeiro, nós fomos para a rua e escutamos o mercado”, afirma Ramos. “Não adiantava criar um produto sem entender a demanda dessas pessoas.”
Dentro dessa orientação, o portfólio para cabelereiros, salões e afins trará ofertas como seguros de acidentes pessoais e seguros patrimoniais para os estabelecimentos. O pacote também inclui o acesso a serviços de telemedicina, descontos em exames, consultas e farmácias.
Nessa última ponta, os serviços serão viabilizados por meio de um acordo com a Tem Saúde, startup que dá acesso a clínicas, consultórios e laboratórios, além de descontos em redes de farmácias como Pague Menos, Drogaria São Paulo, Droga Raia, Panvel e Drogaria Araújo.
A insurtech estima um mercado potencial de 1,2 milhão de clientes no segmento de salões de beleza
Já na oferta de seguros, a Seu Guru diz já ter firmado parcerias com as principais seguradoras. Mas não revela os nomes, já que os contratos ainda estão em fase de assinatura. Outro acordo, envolvendo serviços de bem-estar, como o acesso a academias, encontra-se no mesmo estágio.
“Não vamos sair pendurando muitos produtos antes de validar a plataforma”, explica Castanho. “Um motoboy vai precisar de seguros de acidentes pessoais, contra terceiros e rastreador. Uma diarista tem outras demandas. Vamos construir essas ofertas juntamente com cada categoria.”
Sem “segurês”
Essa orientação também se estende ao plano de dar flexibilidade para que cada usuário escolha, dentro das opções disponíveis, aquelas que atendem ao seu bolso e às suas necessidades. Com poucos cliques, o cliente poderá definir quais coberturas quer contratar.
“O usuário vai poder escolher não só qual cobertura quer, mas quanto quer pagar em cada uma”, diz Felipe. “Automaticamente, ele já estará vendo o quanto cada produto impactará no preço final do pacote.” O cliente também poderá cancelar determinada cobertura a qualquer momento.
A plataforma também vai contar com o Seu Guru, personagem que explicará, em uma linguagem distante do “segurês”, o que é exatamente cada produto, o que o usuário está comprando e o quanto ele está pagando.
“Apesar da customização ser essencial, muitas vezes alguns usuários também vão preferir a indicação de pacotes”, afirma Thiago. “Por isso, também vamos sugerir planos de acordo com o perfil daquele usuário.”
Com pagamentos mensais, a ideia é oferecer pacotes a partir de R$ 12, que não comprometam mais do que 3% da renda do profissional. “No caso dos salões de beleza, o faturamento médio é de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil’, afirma Castanho. “Então, a gente entende que um produto de até R$ 90 mensais é factível.”
A tecnologia é um dos pilares da insurtech para fechar essa conta. Para as seguradoras, a moeda de troca da startup é ser um atalho para alcançar esses perfis de clientes, extremamente pulverizados, além de oferecer dados detalhados sobre esses públicos, para aprimorar a precificação do risco.
“Esse é um mercado enorme, mas que não é muito explorado porque, para uma seguradora tradicional, atendê-lo diretamente muitas vezes é inviável”, diz Felipe. “Um corretor trabalhando para trazer esse cliente para dentro da base não é pago pelo baixo tíquete desse autônomo.”
“Esse é um mercado enorme, mas que não é muito explorado porque, para uma seguradora tradicional, atendê-lo diretamente muitas vezes é inviável”, Felipe Souza
Dessa maneira, a Seu Guru apostou na construção de uma plataforma capaz de se integrar rapidamente a outras ferramentas e ecossistemas. “Nosso objetivo é fazer todo o processo digital, para que não seja preciso recorrer a corretores”, diz Thiago.
Para escalar o negócio, a startup escolheu três vias. Além da oferta direta, a estratégia envolverá parcerias B2B2C, que já estão sendo costuradas, para o uso da plataforma por outras empresas, no formato de white label ou de integração de APIs, sob o conceito do open insurance.
O modelo inclui aplicativos, ecossistemas e agregadores relacionados as categorias. Em um exemplo, no caso dos motoboys, a Seu Guru pode fechar parcerias para plugar a sua plataforma com apps de delivery. Para os salões de beleza, a startup já tem acordos com três empresas, de nome não revelado.
Outro caminho da Seu Guru é a conexão com as demais empresas da Estáter. “Temos como explorar as bases de clientes e PMEs dessas companhias”, diz Felipe. “Assim como dialogar e usar o próprio canal dos corretores, com a TRR.”
Na visão de Gustavo Leança, head de soluções de seguros da Capgemini no Brasil, o modelo proposto pela Seu Guru ainda não encontra ofertas similares no mercado brasileiro. “É um formato que tende a crescer e que é relevante por tentar trazer uma grande massa que, hoje, está excluída do mercado”, diz.
Leança aponta, no entanto, algumas barreiras a serem superadas para que o modelo da insurtech seja validado e ganhe tração. “O grande desafio será alcançar volume e, por consequência, criar uma base de dados que consiga reduzir a exposição ao risco na precificação e na oferta”, afirma.