As taxas de juros no Brasil devem começar a cair apenas em 2024 e não no ano que vem, como vinha projetando o mercado, por conta da incerteza fiscal gerada pela incorporação, a partir de 2023, de despesas fora do teto de gastos do próximo governo, do presidente eleito Luiz Inacio Lula da Silva.
O alerta é do banco Credit Suisse, que divulgou nesta quarta-feira, 7 de dezembro, o documento “Perspectivas macroeconômicas para 2023 e 2024”, com vários indicadores da economia brasileira e previsões de cenários para os próximos dois anos.
De acordo com banco, a política fiscal representa o principal risco para o Brasil no biênio 2023-2024. Isso porque a proposta de Orçamento de 2023 não acomoda a maioria das promessas de campanha (por exemplo, Bolsa Família de R$ 600 por mês com um pagamento adicional de R$ 150 para cada criança).
Todas os cenários previstos pelo banco impactam na inflação e na taxa de juros. O Credit Suisse acredita que o Banco Central deverá manter a taxa de juros Selic em seu nível atual ao longo de 2023. Como a incerteza fiscal tende a se estender pelo primeiro semestre de 2023, a estimativa é que a expansão fiscal de curto prazo deverá empurrar a inflação para cima.
O início do ciclo de flexibilização dos juros, de acordo com o banco, deverá ocorrer apenas no terceiro trimestre 2024 – mesmo assim, na hipótese de que haverá menos incerteza quanto ao quadro fiscal. A expectativa é que a taxa básica de juros esteja em 11,5% no fim de 2024.
Solange Srour, uma das economistas do Credit Suisse que assinam o documento com Rafael Castilho e Francisco Filho, diz não ver mais espaço para queda de juros em 2023 porque o banco trabalha com o cenário de uma expansão fiscal de R$ 100 bilhões por dois anos, o que causará aumento da demanda.
“A economia brasileira está sem capacidade ociosa, a inflação esperada para 2023 e 2024 já é acima da meta, e uma expansão fiscal nesse momento do ciclo vai impedir uma queda de juros”, disse Srour ao NeoFeed.
Essa possibilidade foi reforçada com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, apresentada ontem no Senado, que prevê ampliação do teto em R$ 145 bilhões e possibilidade de gasto extra para investimento - na prática, um cenário pior em termos de impacto fiscal e maior em relação ao estímulo da demanda projetado pelo banco.
A economista do Credit Suisse chama a atenção para outro efeito causado pelo estímulo fiscal sem a apresentação de uma política específica nem explicação de como será financiado: a incerteza para o mercado sobre a sustentabilidade da dívida pública.
Isso causa, segundo ela, um efeito na política monetária, gerando prêmio de risco maior que impacta a taxa de câmbio e as expectativas de inflação.
“A política monetária é afetada por esses dois canais: estímulo fiscal aumenta a demanda em um momento em que não existe capacidade ociosa no Brasil e a política monetária já está restritiva justamente para trazer a inflação para meta e isso vai impedir o ciclo de queda dos juros”, acrescenta Srour.
Inflação e PIB
O Credit Suisse prevê que a inflação em 2023 fique em 5,8%, acima da meta (3,25%) estabelecida pelo Banco Central e do limite máximo tolerado (4,75%).
A inflação de serviços permanecerá alta devido a medidas de estímulo fiscal. De acordo com o banco, a resistência ao corte de gastos provavelmente levará o governo a aumentar a carga tributária, aumentando assim a inflação.
“Para que a inflação caia para um nível próximo à meta de 3% para 2024-25, seria necessária uma política monetária mais apertada do que esperávamos e reformas estruturais que levem a uma maior abertura comercial na economia e à desindexação da economia”, indica o documento.
Já em relação ao crescimento da economia, o Credit Suisse prevê uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,7% em 2023 e 1,7% em 2024.
A queda do PIB em relação a 2022 (que deve fechar em 2,6% de crescimento, segundo previsão do banco) seria decorrente dos efeitos defasados do aperto da política monetária do país e da desaceleração do crescimento dos principais parceiros comerciais do Brasil.
Par se ter uma ideia do desafio fiscal do próximo governo, o banco calcula que o PIB precisaria crescer 3,5% ao ano, com juros reais a 4%, para acomodar o Bolsa Família fora do teto de gastos.
“Fizemos esse cálculo para mostrar que o Brasil é um país que não pode se permitir gastar esse montante acima do que gasta hoje, mesmo mantendo as despesas crescendo com a inflação para frente, porque o país tem uma taxa de juros muito acima de seu PIB potencial”, afirma a economista do banco.