A norte americana Kristin viu “sua mãe desaparecer na demência” do Alzheimer e escutou de seu médico que ela estava no mesmo caminho e nada podia ser feito. Deborah perdeu o pai e a avó para a mesma doença e ficou horrorizada ao desenvolver os mesmos sintomas de perda de memória. Edward chegou a ser aconselhado a deixar seus negócios em ordem o mais rápido possível e se preparar para o deterioração irreversível.

Marcy desconfiou quando viu chegar dezenas e dezenas de multas por estacionamento proibido porque nunca se lembrava de pôr dinheiro no parquímetro. Sally, professora de enfermagem, submeteu-se a um ensaio clínico inócuo.

Frank tinha planos de escrever um livro com relato de seu próprio declínio, enquanto tivesse alguma noção do que acontecia ao seu redor. Julie perguntou a um neurologista especializado se poderia simplesmente ajudá-la a evitar a piora posterior e recebeu como resposta: “Desejo-lhe boa sorte”.

Todas essas sete pessoas tiveram um destino contrário à sina ou sentença de morte do Alzheimer, ao se candidatar como voluntárias do neurocientista Dale E. Bredesen, como ele relata em Os primeiros sobreviventes do Alzheimer – Como pacientes recuperaram a vida e a esperança, que a Editora Objetiva lança este mês.

Kristin foi sua paciente zero. Nas palavras de Bredesen, todos eles “sobreviveram ao caráter ‘terminal’ de tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, históricos familiares e prognósticos médicos”.

Isso aconteceu graças à própria curiosidade e à engenhosidade do grupo em encontrar uma nova solução, “à coragem de lidar com as causas subjacentes do declínio cognitivo e à determinação em aderir a um protocolo inédito”.

Bredesen criou uma abordagem de vanguarda no tratamento da doença. No decorrer de mais de 30 anos estudando o cérebro humano, ele desenvolveu o que chama de “protocolo ReCODE" (sigla que significa reversão do declínio cognitivo).

Pelo método, são mapeados 36 fatores metabólicos (e de riscos) que podem levar ao desenvolvimento da doença. Entre eles estão desarranjo metabólico, falta de nutrientes, falta de suporte trófico, exposição a vírus etc. que podem desencadear o declínio cognitivo causado pela doença. Nas intervenções, as variantes são tratadas nas causas de forma a prevenir e reverter os efeitos, como aconteceu com os sete pacientes.

Pelo método, são mapeados 36 fatores metabólicos (e de riscos) que podem levar ao desenvolvimento da doença. Nas intervenções, as variantes são tratadas nas causas de forma a prevenir e reverter os efeitos, como aconteceu com os sete pacientes

O neurocientista, portanto, não propõe a cura por medicamentos potentes e diretos, com maior eficiência. Porque isso ainda não é possível e nem o seu foco.

Segundo ele, até o momento, os melhores resultados, no contexto de busca por uma cura para uma doença que atinge cada vez mais pessoas, principalmente idosos, vieram de “protocolos de medicina de precisão”. Em paralelo, claro, há importantes avanços de pesquisa com a inteligência artificial, a partir da análise de grandes conjuntos de dados. O pesquisador defende a união dessas forças para o combate ao Alzheimer.

Se cada paciente apresentou conjunto diferente de fatores, o protocolo ideal para cada um foi diferente. E é assim que tem de ser, cada caso é um caso. “A ideia de que uma doença crônica complexa como Alzheimer não deve ser tratada às cegas, mas atacando suas causas subjacentes, talvez pareça óbvia" escreve.

“A ideia de que uma doença crônica complexa como Alzheimer não deve ser tratada às cegas, mas atacando suas causas subjacentes, talvez pareça óbvia"

"Tentar tratá-la às cegas é como tentar pousar uma cápsula espacial na Lua apontando o foguete em uma direção aleatória e cruzar os dedos”. No entanto, acrescenta, esse é exatamente o padrão de atendimento de muitos centros de Alzheimer no mundo todo.

Para o pesquisador, graças a esses primeiros sobreviventes, um caminho se abre para outras milhões com histórico familiar que podem prevenir ou reverter o declínio cognitivo. “São catalisadores de uma mudança de paradigma no modo como pensamos, avaliamos, prevenimos e tratamos a doença de Alzheimer e os sintomas de pré-Alzheimer, o déficit cognitivo leve e o declínio cognitivo subjetivo”. Seu estudo é um alento de esperança para quem não tinha nada no que acreditar.

Bredesen explica que a doença está relacionada não a uma consequência de proteínas mal dobradas, mas à insuficiência de uma rede entre as mesmas. Daí identificar e direcionar os pontos de falha para cada paciente.

Bredesen explica que a doença está relacionada não a uma consequência de proteínas mal dobradas, mas à insuficiência de uma rede entre as mesmas. Daí identificar e direcionar os pontos de falha para cada paciente

Um caminho possível hoje é deixar o Alzheimer na condição de “doença rara”, ou seja, antecipar-se à sua ocorrência, preventivamente, em pessoas com histórico familiar. Ajuda nesse sentido cada vez mais investimentos em estudos sobre a demência nos EUA, que chegou a US$ 3,2 bilhões no ano passado.

Toda a vida científica de Bredesen tem sido dedicada a salvar vidas condenadas pela doença. Seu humanismo e empatia marcam cada linha de seu livro. E trazem esperança ao relatar o que o leitor sabe, antecipadamente, que terá final feliz, em um mundo real onde a doença se mantém implacável e cada vez mais faz vítimas.

Como é um tratamento, na condição de sobreviventes dessas pessoas, ele pôde identificar os fatores que causavam o declínio em si e seu tratamento personalizado de medicina de precisão.

Bredesen critica o tratamento uniforme ou generalizado. “Todos os membros do grupo (de pacientes) têm seu modo de vida atrelado a essa direção equivocada — que envolve financiamentos monstruosos, desenvolvimento de medicações, fortunas farmacêuticas, publicações seminais para a carreira, startups de biotecnologia, poder de aprovar subvenções, cerimônias autocongratulatórias e assim por diante”.

E lamenta: “Agora ficou quase impossível corrigir a rota. O que começou de forma idealista como ciência e medicina se metamorfoseou em política — e, na política, uma das armas menos potentes é a verdade”.

Mas nem tudo são más notícias, escreve ele. Na verdade, há uma ótima novidade: a de que a própria pesquisa basilar em si, aquela fundamental sobre a qual repousa o desenvolvimento de tratamentos para o Alzheimer, é bastante sólida, reprodutível e até elegante.

“Muita coisa se descobriu e está publicada sobre a patologia, a epidemiologia, a microbiologia e a bioquímica da doença de Alzheimer, e isso está publicado em mais de 100 mil artigos biomédicos”. De modo que “as ferramentas necessárias para jogar xadrez com o demônio do Alzheimer estão disponíveis”.

Serviço:
OS PRIMEIROS SOBREVIVENTES DO ALZHEIMER
Como pacientes recuperaram a vida e a esperança
Dale E. Bredesen
Editora Objetiva
216 páginas
R$ 69,90