Em uma viagem recente ao Quênia, Bill Gates, cofundador da Microsoft, foi interpelado: “Como você, um ativista do meio ambiente, ainda usa jato particular em suas andanças pelo mundo?”
Proclamando-se “parte da solução, não do problema”, o criador do Breakthrough Energy Group, fundo dedicado a mitigar os efeitos da crise climática, respondeu:
“O que eu pago para a Climeworks excede em muito a pegada de carbono da minha família e eu gasto bilhões de dólares em inovação climática. Você quer que eu fique em casa e não venha para o Quênia aprender sobre agricultura e malária?”
A fala de Gates é reveladora de uma característica muito particular do mercado de carbono – a remediação. Ao comprar créditos de CO², empresas, governos e indivíduos pagam para compensar a degradação que impõem ao planeta com suas operações e hábitos.
A reparação acontece mediante o financiamento de serviços de sequestro de CO². Na maioria dos casos, as empresas oferecem projetos de conservação ou restauração do meio ambiente. Algumas, como a suíça Climeworks, fazem a captação do gás diretamente do ar e o armazenam em estoques subterrâneos – onde, entre um e dois anos, é transformado em pedra.
“Muitos setores - como mineração e aviação - ainda não conseguem eliminar totalmente suas emissões, seja por uma questão estrutural ou pelo estado ainda incipiente das tecnologias necessárias”, lê-se no relatório Mercado voluntário de carbono tem potencial gigantesco no Brasil, da McKinsey. “Isso torna a maioria das empresas dependente da compra de créditos de carbono para remover ou neutralizar as emissões.”
Mercado trilionário
Impulsionada pela urgência da agenda ESG (acrônimo em inglês de ambiental, social e governança corporativa), a demanda global por créditos de carbono deve crescer, no mínimo, 15 vezes até 2030. E centuplicar, nas duas décadas seguintes, aponta o levantamento da McKinsey. De 2022 para 2023, o setor avançou 164%, batendo US$ 851 bilhões, nos cálculos da consultoria anglo-americana Refinitiv. Em 2019, foram US$ 211,5 bilhões.
O potencial, porém, é de US$ 1 trilhão, ao longo dos próximos 14 anos, informa o estudo Long-Term Carbon Offsets Outlook, recém-divulgado pela BloombergNEF (BNEF), empresa de pesquisa focada em mercados globais de commodities e tecnologias de descarbonização. Mas, como alertam os analistas, o comércio de carbono não está moldado para o sucesso – pelo menos não do modo como está estruturado hoje.
Na maioria dos países, exceção aos europeus, faltam políticas públicas e transparência ao setor. As operações ocorrem no mercado voluntário (VCM, na sigla em inglês). Nesse modelo, descarboniza quem quer, nas quantidades que se quer. Já, no mercado regulado, os governos impõem metas de redução para cada setor econômico, determina os preços e supervisiona toda a cadeia.
Não à toa, globalmente, o mercado voluntário é maior do que o regulado. Responde por cerca de 70% de todos os créditos negociados no mundo. Conforme o relatório Refinitiv Carbon Market in Review, apenas em novembro passado, o VCM movimentou US$ 1 bilhão. A moeda é a tonelada de carbono, que, no regulado, vale, em média, três vezes mais.
Em busca da regulação e transparência
Com atraso, o Brasil só começou a se estudar a regulação do setor, no ano passado. Atualmente, nas contas da McKinsey, emitimos menos de 1% do potencial do país. Em 2021, por exemplo, o setor movimentou quase US$ 2 bilhões, com o dobro de créditos transacionados em 2020. O valor da tonelada de carbono passou de US$ 2,50 para US$ 4.
Com a maior biodiversidade do planeta, o país responde por somente 12% do VCM mundial. Nossa participação poderia ser quatro vezes maior, atingindo, em 2030, receitas anuais de US$ 100 bilhões, conforme levantamento da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil) em parceria com a consultoria WayCarbon,
“Nossos maiores desafios são regular o mercado, para que tenhamos regras claras, e garantir a transparência do setor”, defende a engenheira florestal Janaína Dallan, fundadora e co-CEO da Carbonext, uma das líderes do setor no Brasil.
Fundada em 2010, nos últimos dois anos, a empresa vem atraindo a atenção de investidores importantes, como Shell, Canary, Alexia Ventures, Fitpart Global Fund e o “family office” do ex-banqueiro Tom Freitas Valle, entre outros. Pelos dados da Crunchbase, a climatech já levantou US$ 45,8 milhões no venture capital.
Entre os cerca de 40 clientes corporativos, estão Uber, Unidas e Buser. Essa vertical é responsável pela maior parte do faturamento, cujo valor, Janaina não abre. A Carbonext oferece também serviços de compensação para pessoas físicas.
Ecossistema em ebulição
O foco de Janaina está nas soluções baseadas na natureza, em especial a conservação de floresta. Atualmente, a empresa tem 23 projetos na Amazônia Legal, o equivalente a 2 milhões de hectares sob proteção, de aproximadamente 150 proprietários. Como explica a executiva, os créditos de carbono são gerados na porção de floresta sob ameaça. “Aquela terra que, se não fizermos nada, será devastada”, diz ela.
Cerca de 70% do capital levantado pela Carbonext é investido na floresta. Metade do dinheiro gera renda extra para os donos da terra e 20% são usados na manutenção e preservação da área. Os 30% restantes compõem a receita da empresa.
O ecossistema brasileiro está em ebulição. Em março de 2022, o Santander adquiriu 80% da consultoria WayCarbon. A expectativa é de um retorno sobre o capital investido de 30% a 50% nos próximos três a quatro anos. O valor da transação não foi divulgado.
O banco tem a ambição de chegar a 2050 com as emissões de todo o grupo zeradas. Para tanto, pretende mobilizar 120 bilhões de euros em negócios relacionados às finanças verdes, entre 2019 e 2025. E 220 bilhões até 2030.
Também no campo das aquisições, em julho de 2021, a Ambipar, empresa de gestão de resíduos ambientais e controle de riscos, estreou no mercado de carbono com a compra da startup Biofílica, principal concorrente da Carbonext.
Quatro meses antes, a climatech Moss.Earth, de compra e venda de carbono, por blockchain, captou US$ 10 milhões, em uma rodada de série A, liderada pela SP Ventures e Acre Venture Partners, com participação da Jive Investments, Flori Ventures e The Craftory. Entre os clientes da startup, estão a Hering, iFood, Gol e Arezzo.
Seis por meia dúzia, não
Conforme levantamento da McKinsey, 77% das 80 maiores companhias brasileiras já publicaram alguma meta de redução de carbono. Delas, no entanto, pouco mais da metade (56%) não está alinhada às recomendações da comunidade científica.
A possibilidade de minimizar a pegada de carbono mediante compensação financeira não desobriga ninguém, nem empresa, país ou indivíduo, a investir em tecnologias ou mudanças de hábito para reduzir as emissões de GEE. “Não é trocar seis por meia dúzia”, diz Janaína. A ideia, completa a executiva, é compensar o residual, aquilo que sobrou dos projetos de descarbonização.
Em um cenário dos sonhos, o comércio das emissões de gases do efeito estufa (GEE) não existiria. Ninguém poluiria –ou poluiríamos muito pouco. Como não vivemos no mundo ideal, os negócios relacionados ao CO² são imprescindíveis na transição para uma economia carbono zero e, consequentemente, um futuro mais limpo. Como diz Janaína, “tenho fé de que, no futuro, a Carbonext não precisará mais existir”.