Desde a noite de domingo, 9 de junho, quando o site The Intercept revelou conversas privadas entre o então juiz da operação Lava Jato, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol, o Brasil mergulhou em mais uma crise política. As mensagens sugerem que o procurador recebeu orientações do juiz, o que não seria permitido pela lei, e fez a imparcialidade de suas decisões ser questionada.
O jornalista Glenn Greeenwald, o cofundador do The Intercept, já disse que vem mais “chumbo grosso” pela frente sob a forma de novas denúncias. E muitos, que ainda não conheciam a plataforma, se perguntam: de onde vem o The Intercept? Todas as questões levam a um personagem central. Trata-se do bilionário Pierre Omidyar, fundador do eBay, dono de uma fortuna estimada em US$ 13,4 bilhões.
É Omidyar, nascido na França e radicado nos Estados Unidos, o homem que financia o The Intercept e outros projetos de mídia ao redor do mundo. Só o The Intercept, com operações nos Estados Unidos e no Brasil, foi anunciado em 2013 com um cheque de US$ 250 milhões da fundação First Look Media.
Na época, Greenwald, ao lado da também jornalista Laura Poitras, colhia os louros e, logo depois, um prêmio Pulitzer, o mais importante reconhecimento jornalístico, por ter publicado no jornal inglês The Guardian os documentos vazados por Edward Snowden. Eles revelavam que a NSA, agência de segurança nacional americana, espionava pessoas, governos como os do Brasil e da Alemanha, e empresas, como a Petrobras.
Omidyar, por sua vez, vinha tateando a entrada no setor de mídia. Ele já tinha investimentos no veículo de comunicação Honolulu Civil Beat e parceria com o Huffington Post na região do Havaí. Faltava, entretanto, algo de alcance global. Ele chegou a analisar a compra do The Washington Post, adquirido pelo também magnata da tecnologia Jeff Bezos, o fundador e CEO da Amazon. Mais tarde, afirmou que a análise o fez pensar no impacto social de criar algo inteiramente novo. Daí veio o The Intercept, sob o guarda-chuva da First Look Media.
O magnata investe em empresas de impacto social, direitos civis e digitais, e educação por meio do Omidyar Network, fundação que já aportou US$ 1,49 bilhão em vários projetos
O magnata investe em empresas de impacto social, direitos civis e digitais, e educação por meio do Omidyar Network, fundação que já aportou US$ 1,49 bilhão em vários projetos. Também investe em Organizações Não Governamentais e empresas de mídia em 18 países por meio da Fundação Luminate. Até hoje, tirou do bolso US$ 326 milhões para 251 organizações e empresas. Empresas de notícias como Nexo Jornal e Publica contam com investimentos da fundação.
Entre os projetos financiados pela Luminate, de Omidyar, estão os coordenados pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, na sigla em inglês). Em 2016, mais de 400 jornalistas de 76 países publicaram juntos os famosos documentos do escândalo batizado de Panamá Papers, com dados de empresas offshore abertas pelo escritório Mossack Fonseca.
Em 2017, o mesmo ICIJ publicou outra série de denúncias no que foi chamada de Paradise Papers. Elas revelavam que a elite global, como a rainha Elizabeth II, a cantora Madonna, chefes de Estado de várias partes do globo e grandes empresários brasileiros mantinham dinheiro em paraísos fiscais.
Financiamento coletivo
Apesar de ser a startup jornalística com mais dinheiro em caixa para operar de que se tem notícia, o The Intercept vem tentando ser menos dependente de um único “mecenas”. “A gente quer ter mais independência em relação à fundação”, diz Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil.
Para isso, adotou, desde o ano passado, o financiamento coletivo. Os leitores entram na plataforma catarse.me e colaboram com a quantia que quiserem. O objetivo era o de alcançar uma quantia de R$ 60 mil por mês. Até a tarde da terça-feira, 11 de junho, o site já contava com uma colaboração mensal de R$ 92,5 mil.
Nos últimos dias, desde que publicou os diálogos de Moro com Dallagnol, o The Intercept passou a ser acusado de usar material ilegal, extraído por um hacker, e também de ser um veículo de esquerda nessa polarização que tomou conta do País. Demori diz ao NeoFeed que o site adota uma linha editorial para tentar manter os “poderosos na linha”. “Tanto os do poder público como os do poder privado”, diz ele.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o The Intercept publicou uma série chamada The Drone Papers, com segredos militares de como os drones eram usados indiscriminadamente como uma máquina de matar, atingindo inclusive civis inocentes.
Mas, ao mesmo tempo em que financia o jornalismo independente ao redor do mundo, Omidyar já foi acusado de ajudar a sufocar o WikiLeaks. Isso porque, em 2010, a PayPal, empresa que pertencia ao eBay, congelou a conta que era usada pelo grupo de Julian Assange para receber doações e manter a plataforma pulsando.
Omidyar também foi alvo de documentos vazados. Em 2014, o site de notícias PandoDaily denunciou que o magnata, junto com o governo dos Estados Unidos, ajudou a financiar grupos que derrubaram o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, gerando instabilidade na região.
Do zero aos bilhões
A história de vida de Omidyar é mais uma daquelas que saltam aos olhos de quem estuda o nascimento de algumas das maiores empresas digitais do mundo. Filho de imigrantes iranianos – seu pai era um cirurgião médico que trabalhava na John Hopkins University e sua mãe, doutora em linguística pela francesa Sorbonne –, Omidyar cursou ciências da computação na Tufts University, de Massachusetts.
Formado em 1988, trabalhou na Claris, que desenvolvia software para a Apple, e em 1991 fundou a empresa Ink Development, que viria a se tornar e-Shop, com foco no e-commerce. Em 1995, inaugurou um site de leilões chamado Auction Web, o embrião do que se tornaria o eBay.
Ao contrário de muitas empresas digitais, que dão prejuízo por longos anos até amadurecer e começar a lucrar, o eBay é um caso raro de companhia que deu lucro desde o início. A empresa, na verdade, foi a precursora do que hoje o mercado chama de marketplace.
O eBay é um caso raro de companhia que deu lucro desde o início. A empresa foi a precursora do que hoje o mercado chama de marketplace
O eBay nasceu como uma plataforma onde pessoas vendiam seus objetos e outras compravam. A empresa ganhava comissão dos dois lados, de quem vendia e de quem comprava. E, assim, o dinheiro começou a jorrar. “Eram tantos cheques que chegavam à minha porta que tive de contratar gente para me ajudar a abri-los”, disse Omidyar em uma entrevista ao The New York Times.
Hoje, o magnata vive no Havaí, tem participação em várias companhias, é dono da rede de resorts Montage Resort and Spa, com unidades na Califórnia e no México, investe no setor imobiliário e ainda é acionista do PayPal e do eBay. Na empresa que fundou, ele ainda detém 7% das ações. E isso não é pouco.
O eBay conta com 180 milhões de usuários ativos no mundo, faturou US$ 10,7 bilhões em 2018 e está entre as dez marcas de varejo mais conhecidas do planeta. Na terça-feira, 11 de junho, seu valor de mercado na Nasdaq batia em US$ 33,24 bilhões. Nada fora do normal para Pierre Omidyar.
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