O Banco Central (BC) bateu o pé. Sem sinal da nova âncora fiscal, o Comitê de Política Monetária (Copom) não moveu uma palha no sentido de flexibilizar a política de juro. Manteve a Selic em 13,75% na quarta-feira, 22 de março, e endureceu o discurso provocando nesta quinta-feira, 23 de março, a explosão da temperatura no governo, forte queda do Ibovespa, alta do dólar e uma arrancada das taxas de juro.
O Ibovespa fechou aos 97.926 pontos, em queda de 2,29%, a segunda maior queda em um único dia este ano e patamar mais baixo de fechamento da sessão desde 18 de julho de 2022. O dólar avançou 1%, a R$ 5,29 nas operações à vista e, para liquidação futura, ultrapassou R$ 5,30.
A moeda foi pressionada por demanda, comentaram dois operadores de gestoras independentes que, na condição de anonimato, informaram à Coluna a movimentação de fundos estrangeiros na venda de posições na bolsa brasileira pela intranquilidade interna e tensão externa com o setor bancário.
O mercado engrenou sua jornada negativa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – em cerimônia no Complexo Naval de Itaguaí, Rio de Janeiro – escancarando, mais uma vez, sua irritação com o BC.
Inconformado com o nível da Selic, Lula recomendou que o Senado “dê um jeito” no presidente Roberto Campos Neto, aprovado pela Casa para o posto que, pela Lei de Autonomia do BC, ocupará até dezembro de 2024.
Lula não surpreendeu, mas elevou a inquietação de grandes investidores que tampouco se surpreenderam com a decisão do Copom – de manutenção da Selic pela quinta vez consecutiva em 13,75% – mas não descartavam um sinal de flexibilização da política monetária pelo Comitê.
A sinalização não ocorreu. Ao contrário, o colegiado voltou a afirmar que “conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
Por tudo isso, difícil imaginar que o debate sobre juro e meta de inflação desviará do roteiro previsto: o BC seguirá sob holofotes e apanhando do presidente da República e do PT que, nas redes sociais, promete continuar combatendo Campos Neto na tentativa de fazê-lo renunciar ao cargo.
Mas o BC não está exposto apenas às pressões internas. Na segunda e terça-feira, 20 e 21 de março, economistas de prestígio internacional, palestrantes no seminário “Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI” no BNDES, engrossaram o coro contra o juro brasileiro.
O Nobel de Economia Joseph Stiglitz, da Universidade de Columbia chamou de “pena de morte” o juro aqui praticado. James Galbraith, da Lyndon B.Johnson School of Public Affairs, alertou que a altíssima taxa de juro aumenta a desigualdade social. Jeffrey Sachs, também de Columbia, disse que o Brasil “é punido por juros altíssimos e num momento que não é de austeridade fiscal”.
Dia após dia, formou-se um caldo de cultura que levou à deterioração dos ativos nesta quinta-feira, 23 de março, agravada pela percepção de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sofre um desgaste junto ao Palácio do Planalto.
Não passou despercebido, nos últimos dias, que os ministros palacianos, Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, passaram a vocalizar críticas de Lula ao BC que tem em Haddad o interlocutor mais próximo no governo.
Também pesou contra o ministro, o fato de o sigilo sobre a proposta fiscal, por ele pretendido e explicitado, ter sido quebrado com a orientação de Lula para que o texto fosse discutido com outros ministros, políticos e economistas que não mercado.
Em entrevista ao portal Brasil 247, na terça-feira, 21 de março, Lula disse não ter a pressa do mercado para o arcabouço fiscal. Mas é fato que o detalhamento da âncora e um trâmite célere da proposta poderiam ter empurrado o BC, no dia seguinte, a uma indicação de queda futura do juro.
Ainda ao Brasil 247, o presidente também afirmou que apresentar a proposta fiscal depois da viagem à China – para onde ele e a comitiva brasileira embarcam no sábado, 25 de março – não é um problema porque a proposta precisa ser “mais discutida e, quando anunciada, deve ser explicada”. E Haddad estará cumprindo agenda na visita ao país asiático.
Ainda quanto à âncora fiscal, na quinta-feira, 23 de março, à saída de reunião no Ministério da Fazenda, o ministro Alexandre Padilha minimizou dificuldades eventuais na tramitação da proposta do governo que deverá ser rápida. Boa notícia.
Entretanto, Padilha esclareceu que não tem data determinada para que o texto chegue aos parlamentares. O comentário abateu os investidores que estavam mais esperançosos com a definição da questão fiscal.
Ponto a menos para a âncora fiscal, ao longo da semana circularam informações de que, apesar da relevância, é improvável que a proposta – tão aguardada pelo mercado financeiro e o BC – seja a estrela de uma cerimônia de apresentação formal do texto.
A perspectiva é de que o palco seja dividido com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que tem prazo legal de entrega em 15 de abril – e o marco regulatório para Parcerias Público-Privadas (PPPs).
A inquietação provocada pelo desfecho do Copom e a ausência da âncora fiscal poderá ser atenuada na semana de encerramento do mês e do trimestre em função da viagem de parte do Executivo e do Congresso para a China.
Num clima mais ameno, os próximos dias podem ser de terreno fértil para Roberto Campos Neto, uma vez que a autoridade monetária publica na terça-feira, 28 de março, a ata do Copom e na quinta-feira, 30 de março, o Relatório Trimestral de Inflação – os documentos mais relevantes da instituição.
Isso não quer dizer, porém, que o nível do juro será menos perturbador até a próxima reunião do Copom, em maio. Tanto é, que a ideia de que juro nas nuvens vai operar milagres contra a inflação é questionada.
Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), em conversa com a Coluna, alerta para a necessidade de que outras medidas sejam aplicadas contra a inflação.
“Não dá para combater a inflação só com juros porque a inflação não é um fenômeno decorrente apenas de pressões de demanda. É decorrente também de custos”, afirma.
No cenário atual, observa o economista, esses custos refletem desorganização de cadeias produtivas, aumento dos preços dos combustíveis e a iniciativa de países protegerem a oferta de alimentos, privilegiando o mercado interno – variáveis sobre as quais o juro não tem efeito.
Entre os instrumentos adicionais à taxa de juro ele cita: a retomada dos estoques reguladores de alimentos, redução de mecanismos de indexação, um cenário fiscal mais estável, diminuição do diferencial entre juros interno e externo que estimula carry-trade e volatilidade cambial e uma mudança na política de preços da Petrobras.
Marconi avalia que “a política de preços da Petrobras é errada e está provocando consequências negativas para a economia brasileira” e entende que o país tem condições para produzir petróleo internamente.
“Nossas importações deveriam ser muito pequenas. Assim não precisaríamos usar como referencial o preço internacional que é muito volátil, afeta toda a cadeia produtiva e os consumidores”, diz.
Quanto à meta de inflação, Marconi defende que o BC busque a meta num cronograma mais alargado, além de considerar a meta muito baixa.
“Para reduzir a meta, a economia brasileira deveria ter aumento de produtividade, condição que não existe no Brasil hoje. Do contrário, cumprir a meta leva à redução do nível de atividade. Exatamente o que não se espera. A alternativa, portanto, é recorrer a outros instrumentos, além do juro, para a execução dessa tarefa”, insiste.
Não há dúvida de que neste pós-Copom a ideia de mudar a meta de inflação voltará ao radar. Mas a próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) subiu no telhado. Está prevista para 30 de março, quinta-feira, data em que Haddad estará com Lula. Na China.