Ex-aluno da Universidade de Stanford, Chow Shing-Yuk deixou o emprego como consultor na Bain & Company, em 2002, para se dedicar profissionalmente ao pôquer. Com o dinheiro ganho nos cassinos, ele fundou, em 2013, a EasyVan, startup de entregas de Hong Kong, rebatizada posteriormente de Lalamove.
Sua grande cartada, entretanto, veio no início de 2019, quando a novata alcançou o status de unicórnio, ao atrair um aporte de US$ 300 milhões liderado pelos fundos Sequoia Capital China e Hillhouse Capital. Com a rodada, a empresa somou US$ 461,1 milhões em sete aportes. E acelerou sua expansão para mais de 180 cidades na China e no sudeste asiático.
Primeiro país fora da região a receber uma operação da Lalamove, o Brasil entrou nesse jogo em junho de 2019. E depois de iniciar sua jornada local com foco em pequenas e médias empresas, a startup está ampliando seu roteiro, em uma aposta que promete acirrar a disputa pela última milha no País.
O principal ponto desse novo mapa é a extensão da oferta para grandes empresas. “No início, nós tivemos problemas para reter os motoristas”, afirma Philippe Rambaud, responsável pela expansão da empresa na América Latina. “Esperamos seis meses para não queimar a relação com esse perfil de clientes. Mas, agora, entendemos que já temos uma frota capaz de atendê-los.”
Desde o seu desembarque no Brasil, a Lalamove alcançou uma base de mais de 5 mil entregadores, que já respondem por um volume diário superior a 500 pedidos, realizados por uma carteira de mais de 500 clientes ativos, boa parte deles PMEs.
Os números ainda estão distantes dos mais de 2 milhões de entregadores parceiros da startup na Ásia. Mas a conta bancária recheada indica que a empresa pode bater de frente, em breve, com outros unicórnios no País, em especial a Loggi, companhia também focada no B2B e que tem uma base de 25 mil motoboys cadastrados apenas em São Paulo.
“Acredito que exista espaço para mais nomes nesse mercado”, diz Rambaud. Ele ressalta que ter uma segunda oferta é bom tanto para usuários como para motoristas. Sem deixar de apontar as vantagens da Lalamove nessa corrida. “A Loggi é muito focada em duas rodas. Estamos fazendo mais do que isso.”
Além de motoboys, a Lalamove trabalha com o cadastro de motoristas de vans, fiorinos e caminhões de menor porte. Cerca de 30% da frota atual é composta por quatro rodas. Na proposta da companhia, os preços iniciais das entregas variam de R$ 9 a R$ 100, de acordo com o serviço contratado.
A Lalamove tem uma base de mais de 2 milhões de entregadores parceiros na Ásia
Para ganhar corpo entre as grandes empresas, a companhia investe em um pacote que inclui recursos como a possibilidade de agendar entregas, o rastreamento em tempo real da carga e a entrega de relatórios mensais de controle.
“Eles têm alguns desafios para escalar essa oferta”, diz Mauro Schluter, professor de logística da Universidade Mackenzie. “Mas o principal é mostrar que o serviço deles é confiável e, ao mesmo tempo, bom e barato.”
Outra direção
Os novos rumos no mercado brasileiro também passam pelo reforço da atuação no atendimento direto a consumidores, um segmento que coloca mais um unicórnio, a colombiana Rappi, no roteiro da empresa. Hoje, esse nicho responde por cerca de 15% das entregas feitas pela plataforma. Até o fim do ano, a meta é chegar a uma participação de 30%.
Os investimentos em marketing digital e offline, com destaque para a adesivação de carros com a marca da companhia, estão entre os principais movimentos para ampliar a presença no B2C. “É um mercado de potencial gigantesco”, diz Rambaud. “Com poucos cliques, qualquer um pode ter um caminhão em casa.”
O executivo francês conheceu a Lalamove quando trabalhava na área de operações da Foodpanda, app de delivery, em Hong Kong. Na época, ele precisou recorrer ao serviço da startup para mudar de residência. Seu novo endereço ficava em um bairro a 50 quilômetros de distância.
Na empresa há dois anos, Rambaud iniciou a operação em países como Filipinas e Indonésia. Na América Latina, seu passo mais recente foi a abertura, em dezembro, do escritório no México. Entre o fim de 2020 e início de 2021, ele prevê a chegada da companhia na Colômbia, no Peru e no Chile.
Enquanto isso, a Lalamove projeta ampliar a estrutura no Brasil, hoje composta por unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro, praças nas quais a empresa já atua. Além da possibilidade de novos escritórios, a previsão é dobrar a equipe atual, de cerca de 50 profissionais, até o fim de 2020. De olho na oferta para empresas de grande porte, uma das prioridades é reforçar o departamento de vendas.
A expansão também envolve a chegada em novas capitais, como Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Fortaleza (CE). Ao mesmo tempo, o plano inclui aumentar as frotas em outras cidades nas quais a Lalamove já marca presença, porém, ainda de forma tímida. Entre elas, Santos, Campinas e São José dos Campos.
A maior prova, porém, do apetite para endurecer a disputa nas ruas do País é a estratégia inicial de atração dos entregadores adotada pela empresa. Desde que chegou ao Brasil, a Lalamove não tem incluído a taxa normalmente cobrada desses parceiros em cada pedido. Em seu modelo de negócios original, as receitas vêm dessa fonte e também dos percentuais pagos pelos clientes.
Rambaud reforça que a isenção de taxas é uma estratégia temporária adotada pela companhia em todo os mercados nos quais desembarca. Ele não revela quando essa tática será encerrada no Brasil. Mas frisa que o fato de ter fôlego em caixa não significa que a operação tem um cheque em branco para queimar dinheiro no País.
“Somos diferentes de outras startups. Não recebemos milhões para gastar. Tanto que antes de diversificar, tivemos que escolher um foco inicial para avançar no Brasil”, afirma. “Mas temos dinheiro suficiente para crescer de forma sustentável no País. E à medida que mostramos resultado, estamos atraindo mais recursos da matriz.”
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