Ter dinheiro em conta é o sonho de muita gente, mas pode ser o pesadelo dos investidores – e do mercado. A Berkshire Hathaway, do magnata Warren Buffett, por exemplo, nunca esteve tão capitalizada. De acordo com a Bloomberg, no último trimestre a empresa vendeu US$ 1 bilhão a mais de ações do que comprou e agora tem US$ 122 bilhões "parados" em caixa.
Conhecido como oráculo de Omaha por suas previsões certeiras, Buffett diz muito até quando cala. E o mercado escuta até o seu silêncio.
Agora, o mercado se pergunta: por que Buffett não está colocando a mão no bolso e indo às compras? Será que ele sabia que uma recessão batia à porta da economia global e estava esperando a queda dos preços dos ativos para dar um bote certeiro?
Em se tratando de Buffett, tudo é possível. O megainvestidor começou a investir em 1954 com uma centena de dólares em mãos. Aos poucos construiu uma fortuna que o levou a ser o homem mais rico do mundo. Hoje, ocupa a terceira posição, acumulando um patrimônio estimado em US$ 86 bilhões.
Pai da análise fundamentalista, que leva em consideração um cenário mais macro e a projeção dos investimentos, Buffett foi treinado pelo economista Benjamin Graham, autor de teorias e obras como "O Investidor Inteligente", estudadas até hoje.
Colocando em prática o que aprendeu com o "mestre", o empresário adquiriu, em 1965, a Berkshire Hathaway, uma companhia do setor têxtil com muitos (e graves!) problemas financeiros. A ideia, desde o princípio, era fazer dela uma holding de grandes investimentos diversificados.
Os preços baixos durante a recessão de 1973 e 1974 permitiram que a companhia de Buffett comprasse bons negócios por preços muito abaixo dos praticados. Seu retorno, à época, era superior a qualquer concorrente.
Em entrevista, o próprio Buffett reconheceu que "dinheiro em mãos não o deixa feliz"
Um de seus maiores e mais lucrativos acertos, aliás, foi justamente neste momento. Em 1988, Buffet bancou a compra de 7% da Coca-Cola por pouco mais de US$ 1 bilhão.
Exímio "jogador" nessa arte de comprar e vender ações, o magnata mostra que domina a brincadeira não somente por saber quando se desfazer de certos investimentos, mas por saber quando sair de cena por completo.
Em 1969, Buffett deixou o mercado por conta dos níveis altos da bolsa, que não correspondiam à realidade. Agora, diante da inatividade de uma Berkshire Hathaway ultra-capitalizada, é quase impossível não traçar um paralelo com o que o mundo viveu então.
O professor de finanças e economia da USC Marshall School of Business, na Califórnia, Lawrence Harris não vê grande alarme neste "recuo" de Buffett. "As empresas retêm dinheiro por estratégia ou responsabilidade. Talvez eles estejam planejando alguma grande aquisição ou talvez eles apenas não concordem com a avaliação dos negócios", disse Harris em entrevista ao NeoFeed.
De fato, a Berkshire, de Buffett, é famosa por concentrar dinheiro a fim de fazer grandes aquisições, como aconteceu em 2015, diante da compra da empresa metalúrgica Precision Castparts Corp. por US$ 31,58 bilhões. O problema é que faz anos que a companhia não finaliza uma aquisição realmente impactante, e ela não dá nenhum sinal de que esteja buscando.
No ano passado, as apostas de Buffett foram consideradas conservadoras. Ele adquiriu uma participação expressiva da Apple e aplicou bilhões de dólares em bancos americanos. Em 2019, contudo, ele está mais tímido em seus movimentos.
Esse movimento de "frenagem" da empresa talvez indique maior cautela de Buffett. Aliás, neste ano, a sua Berkshire Hathaway perdeu US$ 5 bilhões nos investimentos feitos na Kraft Heinz, da qual é sócio com o fundo 3G Capital, do brasileiro Jorge Paulo Lemann. "A Kraft Heinz se tornou o ponto fraco da Berkshire Hathaway", afirmou o analista Meyer Shields, da Keefe, Bruyette & Woods, ao NeoFeed.
O tombo da Kraft Heinz, que está em um difícil processo de ajuste operacional, não foi o único dos problemas de Buffett. Outras empresas de seu portfólio também estão com desempenho abaixo do esperado. Exemplos são o volume acima da média de sinistros juntos à seguradora Geico e a diminuição das exportações americanas, que afetou sua empresa ferroviária BNSF.
A Berkshire Hathaway, de Buffett, é famosa por concentrar dinheiro a fim de fazer grandes aquisições
Para Shields, porém, um dos maiores desafios da Berkshire é reconhecer "negócios transformadores". E isso não parece ser o forte de Buffett, que deixou escapar, anos atrás, oportunidades valiosas de aquisições de Google e Amazon, por exemplo. Ele só veio a investiu no setor de tecnologia recentemente, apostando em IBM e Apple.
Ainda que muita gente veja com bons olhos o fato de as contas das empresas contarem com tantos zeros positivos, vale lembrar que investidores precisam de retorno. Em entrevista célebre, o próprio Buffett reconheceu que "dinheiro em mãos não o deixa feliz", porque seu trabalho consiste justamente em fazer o contrário.
Em sala de aula, o professor USC Marshall School of Business, Lawrence Harris, costuma dizer que uma das lições mais valiosas que um investidor pode aprender é nunca pagar mais do que algo realmente vale. "Uma grande empresa pode ser um péssimo acordo, se for cara demais”, afirma ele. “Mas um negócio mediano pode ser ótimo, se o preço de venda foi baixo", afirma Harris.
Fiel defensor de que o mercado revela a média entre os otimistas e os pessimistas, Harris confessa ainda que sua opinião pessoal do cenário que se vê é que startups e outras empresas estão superestimadas no preço. "E talvez Warren Buffett concorde comigo."
Se uma recessão global derrubar os preços dos ativos, como alguns economistas estão prevendo, talvez seja a hora de Buffett voltar a ser Buffett e botar a mão no bolso para fazer mais uma de suas aquisições.