A dissidência de dois integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) na decisão sobre a taxa básica de juro, na quarta-feira, 21 de setembro, foi a primeira desde 2016 e deu ao Banco Central (BC) uma “carta na manga”.

Dos nove membros que compõem o comitê, sete votaram a favor da manutenção da Selic em 13,75%. Dois defenderam um aumento da Selic em 0,25 ponto percentual. Vontade da maioria, o ciclo de aperto monetário no Brasil foi encerrado, mas a dissidência tem significado.

“O travessão que o BC precisa transpor para voltar a elevar a Selic é muito elevado, especialmente, após uma pausa para observar os efeitos dos ajustes de juro já realizados. De todo modo, ele tem uma ‘carta na manga’, caso a política fiscal seja muito expansionista em 2023”, avalia Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original.

Apesar da possibilidade de retomada do aperto monetário, Caruso não acredita que o BC vai sacar a “carta na manga”, mas manterá a Selic estável até a passagem do primeiro para o segundo semestre de 2023, quando o cenário se mostrar favorável ao corte do juro.

“Projetamos Selic em 13,75% até a terceira reunião do Copom do ano que vem. A taxa poderá começar a cair a partir do quarto encontro programado para 20 e 21 de junho”, diz o economista ao NeoFeed.

A essa altura do calendário, pontua, a potência da política monetária estará no máximo e será possível também observar uma desinflação do IPCA corrente.

“É fato que o Copom não toma decisão sobre inflação corrente, mas é mais fácil iniciar um ciclo de corte da Selic com os preços declinando”, argumenta o economista, para quem as incertezas fiscais impõem dúvidas sobre execução da política monetária. Em contraponto, cita, entregar inflação na meta de 3% – definida para 2024 – é razoável.

Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original

No cenário de referência do BC para a execução da política monetária, a inflação projetada para 2024 está em 2,8%, informa o comunicado do Copom divulgado ontem com a decisão de manutenção da Selic. Para 2022, a inflação esperada é de 5,8% e, para 2023, de 4,6%. Nesses dois anos, as estimativas superam as metas de 3,5% e 3,25%, respectivamente.

O Original prevê expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,7% para este ano e 0,2% para o próximo. Em 2022 o viés é de alta porque “a atividade está muito boa neste terceiro trimestre, ainda que os dados de agosto desacelerem”, diz Caruso, que considera determinante para o desempenho da atividade em 2023 o posicionamento do próximo governo.

Ele observa que promover a desinflação da economia será um grande desafio nos próximos meses, mas considera que o país está “na contramão do mundo em algumas questões”.

“Nos dá alguma vantagem o fato de termos feito um ajuste de juro mais cedo, seja por ter acertado no diagnóstico de que a inflação era mais alta e persistente ou porque cortamos muito a Selic anteriormente. Mas é fato que o Brasil tem uma história interessante para contar ao resto do mundo.”

Caruso afirma que o Brasil tem apresentado um crescimento econômico surpreendentemente positivo, que as contas públicas, sempre preocupantes, terão o primeiro superávit primário em anos e, aparentemente, será uma das primeiras economias a interromper o ciclo de aperto monetário.

“Isso não quer dizer que o cenário é confortável. Talvez, o Brasil consiga minimamente surfar de forma saudável o atual choque monetário global e a contração da atividade”, completa.