Em meio a um cenário global conturbado, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevendo que mais de um terço dos países vai registrar contração neste ano ou no próximo ano do PIB, o Brasil se mostra preparado para atravessar o momento sem grandes sofrimentos.
A avaliação é de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, que vê o País fortalecido pelas reformas que realizou desde 2016, maduro institucionalmente e eventualmente aproveitando a estabilidade de preços das commodities, embora este ponto dependa do quão pronunciada será a desaceleração econômica.
“Vamos ser afetados aqui no Brasil, mas temos essa estabilidade econômica e institucional que reduz a intensidade dos choques externos”, diz Padovani, em entrevista ao NeoFeed, projetando que o PIB fechará 2022 com alta de 3% e de 1% em 2023.
Há mais de 11 anos como responsável pelas análises econômicas do Banco BV, Padovani diz que o cenário global é o que mais o preocupa. Para ele, o fato de as economias avançadas não verem inflações tão elevadas há quase 30 anos dificulta saber como os bancos centrais vão reagir, se vão apertar os juros ao ponto de gerarem uma grave recessão.
Essa situação, inclusive, preocupa mais do que o ambiente fiscal brasileiro a partir de 2023, ainda que seja um ponto de atenção. Padovani entende que a composição política a partir do ano que vem e as restrições econômicas no cenário internacional impedem qualquer aventura.
“A leitura de mercado é de que, seja quem for o presidente, a agenda econômica na sua gestão não deve ser muito diferente do que se vê atualmente”, afirma. “Então, você combina as reformas feitas, que estão ajudando o País a crescer, e a estabilidade institucional, isso tem feito o Brasil ser visto como um porto seguro.”
Ainda que o País tenha capacidade de absorver choques externos, ele acredita que o cenário em 2023 ainda não será totalmente promissor para ganhos na Bolsa, preferindo a renda fixa. “No caso de bolsa e moeda, a gente acha que o ambiente ainda apresentará volatilidade, levando esses ativos a andar de lado”, afirma Padovani.
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
O que explica o crescimento neste ano, considerando o pessimismo no começo do ano?
Esse é o grande debate. Todo mundo se surpreendeu com a retomada, desde a turma mais otimista quanto a pessimista. Tem duas visões sobre isso. Uma visão é mais conjuntural. Essa crise global, com alta de juros, menos crescimento, tensões geopolíticas na Ásia e na Europa, está mais ou menos preservando os emergentes, com os preços das commodities estáveis por problema de oferta. Não é um mercado que, hoje, está agredindo muito os emergentes. Outra explicação é mais local. O Brasil fez reformas desde 2016, colocando o teto de gastos, mesmo com todos os problemas de credibilidade. Teve mudanças estruturais no mercado de trabalho por conta da pandemia, que ficou apertado no mundo todo, e a reforma trabalhista. Ambos parecem ter efeitos nas contratações. Tem a reforma da Previdência, que bem ou mal segura um pouco as despesas obrigatórias. Tem a autonomia do Banco Central, as mudanças nos marcos regulatórios. Todas essas reformas ajudam o crescimento. A gente tem dificuldade de medir isso quantitativamente, mas todo mundo concorda que qualitativamente houve uma mudança.
As eleições tiveram algum tipo de impacto negativo na economia, como se temia?
As eleições passaram supertranquilas para o mercado. Tem uma comoção das pessoas, de todos nós, com esse tema, mas, do ponto de vista de negócios, foi um não evento. Essa é a nona eleição desde a redemocratização e todo mundo entendeu que, a despeito de quem seja o candidato vitorioso, você não vai ter guinadas na gestão econômica, você não vai ter revisão de programas, de políticas públicas.
Quais as projeções do BV para o crescimento da economia neste ano e no próximo?
Estamos junto com a turma de mercado, projetando crescimento próximo a 3% neste ano e próximo a 1% no ano que vem. Se você olhar no nível de produto, você vê a economia se expandindo rapidamente para, em seguida, se acomodar, mas ainda crescendo no ano que vem.
"Essa é a nona eleição desde a redemocratização e todo mundo entendeu que, apesar do vencedor, você não vai ter guinadas na economia"
Qual sua principal preocupação para o ano que vem?
No banco, estamos muito preocupados com o cenário global. Não sabemos dizer exatamente qual vai ser a reação dos bancos centrais, porque a inflação global está alta e resistente. Esse é um fator novo: nunca tivemos inflação tão alta nas últimas três décadas lá fora. Não temos padrão histórico, padrão estatístico, para saber como será a reação dos bancos centrais e, portanto, não sabemos dizer exatamente como isso vai impactar em termos de crescimento. E será a primeira vez que vamos testar um experimento. Colocamos muito dinheiro em circulação com os estímulos quantitativos e é a primeira vez que vamos retirar esses estímulos. A gente não sabe como os mercados de títulos e de crédito vão reagir. E estamos preocupados com a tensão geopolítica na Ásia e na Europa.
De que maneira isso afeta o Brasil?
A gente acha que a demanda por matérias-primas cai bem. Por mais que você tenha restrição de oferta, seus efeitos sobre os preços são temporários. A expectativa é de estabilidade ou queda de preços das commodities no mundo. Vamos ser afetados aqui no Brasil, mas eu acho temos de fato essa estabilidade econômica e institucional local que reduz a intensidade dos choques externos. É como se o país estivesse um pouco mais resiliente a choques adversos. Vemos com muita preocupação a situação global, mas a gente ainda vê crescimento no Brasil de 1%.
Qual a perspectiva para inflação e juros nesse cenário?
A gente acha que a combinação de desaceleração global, com o País um pouco mais resistente a choques, permite que você tenha um crescimento no Brasil menor, com menor pressão cambial. Achamos que a inflação continua em queda e caminha para a meta em 2024. Se caminha para a meta em 2024, que é 3%, então a taxa de juros não deveria ter um diferencial tão grande assim. Achamos que o juro neutro no Brasil é de 7% ao ano e ele está em quase 14%. Então, a gente acha que vai cair rápido no ano que vem. Mas o mercado é um pouco mais cauteloso com essa queda. Estamos com uma projeção de 10% ao ano para o ano que vem. Para inflação, esperamos o IPCA em 5,5% neste ano e 5,3% no próximo.
Você vê a política interferindo na economia no próximo ano?
Nesta eleição ficou claro que não devem ocorrer guinadas, porque o capital político do próximo presidente, seja quem for, não vai ser grande. O Congresso tem sido protagonista nos últimos anos, vai ter um equilíbrio de forças, e a disputa eleitoral está movendo os dois candidatos para o centro. A leitura de mercado é de que, seja quem for o presidente, a agenda econômica na sua gestão não deve ser muito diferente do que se vê atualmente. Então, você combina as reformas feitas, que estão ajudando o País a crescer, e a estabilidade institucional, isso tem feito o Brasil ser visto, nesta visão, como um porto seguro. E aí, quanto mais conturbado o mundo, mais a gente se torna uma referência.
"O próximo governo vai ter que discutir regra fiscal, mas não estamos vendo esse debate como um gatilho para uma instabilidade macroeconômica"
Como você avalia a questão fiscal? É uma grande fonte de preocupação para os próximos anos?
A situação fiscal é a principal preocupação a curto prazo. Existe uma demanda por gastos reprimidos, muitos anos de ajuste fiscal. Então, é natural que você tenha demandas por reajustes dos servidores, aumento de investimento público, programas sociais, num ambiente de crescimento menor e arrecadação menos forte. Você vai ter um descompasso que terá de ser resolvido, uma parte com impostos, mas a maior parte com dívida. O problema é que você vai fazer dívida com um nível alto de juros. Mesmo se fizermos tudo certo, a dívida demora para estabilizar. Estamos falando lá para depois de 2026. Os próximos anos do Brasil serão marcados por trajetória de alta da dívida num contexto global ruim. Mas achamos que isso afeta relativamente pouco o ambiente macro.
Como assim?
O próximo governo, seja quem for, vai ter que discutir regra fiscal. Esse debate é inevitável, mas ainda vai ter regra, não existe um cenário em que se abandona as regras. E não estamos vendo esse debate como um gatilho para uma instabilidade macroeconômica mais pronunciada, porque seja qual for o governo, ele tem incentivos para ter uma gestão relativamente responsável. O mundo está muito mais complicado e os investidores tendem a punir má gestões econômicas. Você tem uma composição eleitoral que vai fazer com que a gestão econômica seja mais próxima ao centro. Também teremos pressões do mercado e da imprensa. Tudo isso tende a moderar as escolhas der políticas públicas de modo geral. Será um ambiente ruidoso, mas não fonte de uma instabilidade macro mais pronunciada.
Diante deste cenário, qual a visão do Banco BV para o mercado financeiro? Ele abre caminho para um retorno à bolsa? A renda fixa continua tendo essa maior atratividade vista nos últimos anos?
Para nós, o grande veículo de investimento no momento é a renda fixa. A combinação de desaceleração global com estabilidade econômica e política no Brasil permite queda da inflação, ancora as expectativas de inflação e abre espaço para queda de juros. A renda fixa é realmente uma grande oportunidade. No caso de bolsa e moeda, a gente acha que o ambiente ainda apresentará volatilidade. O cenário global impacta esses ativos, dólar forte pelo mundo e alta dos juros derrubando as bolsas, a gente sente esses impactos. Por outro lado, como o Brasil tem mostrado essa resistência maior, seja por razões conjunturais, seja pela questão de reforma e estabilidade política, isso está amortecendo os impactos.
Quando você entende que a situação global começa a melhorar, considerando o impacto dela na economia brasileira?
Eu acho que a gente começa a ver essa retomada, pelo menos no mercado financeiro, no segundo semestre do ano que vem, porque teremos mais informações de qual foi o esforço monetário, como ele impactou no crescimento. Provavelmente, a gente vai ver a inflação em queda. Acho que as principais questões monetárias e fiscais vão estar já bem encaminhadas, você já vai saber a história ali. A dúvida é um pouco a questão geopolítica. Até o primeiro semestre do ano que vem, é um ambiente de muita instabilidade, de muita dúvida.