O Reino Unido vive um pesadelo econômico que ainda está longe de terminar.

Desde o Brexit, em 2016, o polêmico plebiscito que aprovou a saída da União Europeia (UE), o país teve cinco primeiros-ministros conservadores – três apenas este ano – e vem colecionando uma série de erros na condução da política econômica.

Não bastasse os prejuízos comerciais por renunciar a um mercado comum com 27 países da UE, o Reino Unido ainda teve seus problemas agravados com a desaceleração global com a pandemia da Covid-19 e os efeitos na economia doméstica causados pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

Só em 2020, durante a pandemia, a economia britânica caiu 11%, pior desempenho em 300 anos.

A soma de todos esses eventos ganhou contornos dramáticos na semana passada, quando o governo chefiado pelo recém-empossado primeiro-ministro Rishi Sunak anunciou um pacotaço de 55 bilhões de libras.

Embutidas na proposta de Orçamento para 2023, as medidas vão gerar um aperto financeiro aos britânicos nos três anos seguintes.

O objetivo é reduzir o déficit púbico, aumentar os impostos e reorganizar a economia do país para controlar a inflação anual, de 11%, a maior no Reino Unido em quatro décadas.

Entre os efeitos previstos, o PIB deve contrair 1,4% no próximo ano, com a inflação permanecendo acima de 7%.

O PIB deve contrair 1,4% no próximo ano, com a inflação permanecendo acima de 7%

A queda no poder de compra das famílias será tão acentuada que vai engolir os ganhos dos últimos oito anos, pois os aumentos salariais não vão acompanhar o ritmo da inflação nem do aumento das taxas de juros.

O pacote deve aumentar a recessão, que começou no início deste ano e deve se estender até o ano que vem. A expectativa é que a economia recupere os indicadores pré-pandemia apenas em 2024.

“Trata-se de um ajuste duro e necessário”, avalia Francisco Nobre, economista da XP.
Parte das medidas foi para corrigir algumas decisões equivocadas da antecessora de Sunak, Liz Truss, que ficou apenas 49 dias no cargo.

Em plena crise, Truss decidiu cortar impostos, bancando a diferença emitindo títulos da dívida.

“Com juros reais subindo, essa estratégia era insustentável”, diz Nobre. “Pela nova proposta, a política fiscal caminha junto com a monetária, atacando a inflação e garantindo uma estabilidade financeira.”

Nobre elogiou a decisão do governo de adotar a maior parte do aperto fiscal em etapas, até 2025, garantindo a correção das aposentadorias pela inflação. “Com isso, o governo protegeu os mais vulneráveis”, acrescenta.

Remédio amargo

Seria errado culpar o Brexit por todos os problemas econômicos atuais do Reino Unido.
Antes de 2016, o país já sofria com baixo índice de produtividade, dependência excessiva do sistema financeiro e déficit de qualificação no mercado de trabalho.

Além da queda de indicadores importantes – do crescimento ao comércio, passando por gastos com investimentos –, a saída da UE acrescentou burocracia e custos elevados.

“Com o Brexit, os britânicos criaram um problema que não tinham”, avalia Carlos honorato, professor de Economia da FIA Business School.

Segundo ele, o país perdeu as vantagens de fazer parte do bloco europeu e não ganhou nada em troca. “O Reino Unido sequer fazia parte da zona do euro, tinha liberdade monetária”, diz Honorato.

Agora, adverte, as empresas britânicas voltaram a concorrer com as dos países europeus com preços relativos altos e dependente de mão de obra e matéria-prima de fora.

As empresas britânicas voltaram a concorrer com as dos países europeus com preços relativos altos e dependente de mão de obra e matéria-prima de fora

“O pior é que o país vivia numa região de livre comércio e abriu mão disso em nome de argumentos não econômicos, como a xenofobia, contra a entrada de imigrantes”, afirma Honorato.

Os números comprovam que a saída da União Europeia – destino de 45% das exportações e 53% das importações britânicas – foi um tiro no pé em termos econômicos.

O Escritório de Responsabilidade Orçamentária, órgão do governo britânico, estima que o Brexit causa um impacto anual equivalente a quatro pontos percentuais no PIB do país.

Mais problemas

O prejuízo ainda pode aumentar. Sunak, o novo primeiro-ministro, terá duras negociações pela frente com o bloco europeu.

Uma delas é o Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido – as regras e os termos pelos quais os dois lados concordaram em conversar e negociar um tratado de livre-comércio.

Outro pepino a ser negociado envolve o chamado protocolo da Irlanda do Norte, para evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda, após a saída formal do Reino Unido da UE.

Outro pepino a ser negociado envolve o chamado protocolo da Irlanda do Norte, para evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda

Assim, a Irlanda do Norte, que continua a fazer parte do território aduaneiro do Reino Unido, está sujeita a um conjunto limitado de regras da UE em matéria de mercado único de bens e de união aduaneira.

Anand Menon, professor de política europeia do King’s College, de Londres, diz que os dois temas envolvem acordos políticos aos quais caberá a Sunak obter uma boa saída.

“Ele terá dificuldades políticas para desenvolver o acordo de cooperação e melhorar as relações comerciais com os europeus”, diz Menon.

Para ele, segmentos do Partido Conservador querem que Sunak reescreva o Protocolo da Irlanda do Norte, o que levará a uma guerra comercial e tornará o impacto econômico ainda mais severo.

Sunak e os conservadores ainda têm mais dois anos antes de convocar eleições gerais – no total, o partido está há 12 anos no poder.

Nobre, da XP, avalia que os conservadores ainda têm chances de escapar do veredito das urnas. “Sunak não precisa de uma recuperação forte do país, o importante é restabelecer a confiança na política econômica do governo”, diz.

Resta saber se o primeiro-ministro terá tempo de resolver as pendências e melhorar os indicadores da economia até o acerto de contas a partir do Brexit – uma ideia criada e incentivada pelo Partido Conservador.