Os britânicos estão indo às urnas nesta quinta-feira, 4 de julho, não só para eleger o novo Parlamento, de 650 cadeiras, que deve pôr fim a 14 anos de hegemonia do Partido Conservador. Com a eleição, o país começa a fechar um ciclo político e econômico iniciado em 2016 com o Brexit, a votação que sacramentou a saída do Reino Unido da União Europeia.

Oito anos depois da histórica decisão, os britânicos têm pouco a comemorar, pois todas as bandeiras levantadas pelo Partido Conservador para abandonar a UE fracassaram: a economia encolheu, a imigração aumentou, a renda per capita caiu, os serviços públicos pioraram e, de quebra, o país ainda continua amargando uma série de problemas regulatórios para consolidar a separação do bloco europeu.

O primeiro sinal de que o ciclo do Brexit está chegando ao final deve vir da votação do dia, que tende a confirmar uma vitória acachapante do Partido Trabalhista, com cerca de 18 pontos de vantagem nas pesquisas de boca de urna em relação aos tories, como os conservadores são conhecidos.

Com maioria folgada, os trabalhistas devem eleger seu líder, Sir Keir Starmer, como novo primeiro-ministro em substituição ao conservador Rishi Sunak, no cargo há menos de dois anos.

“O Brexit foi um trauma para o Reino Unido, econômica e politicamente, na medida em que destruiu o Partido Conservador e o trouxe a este ponto de provável humilhação”, afirma ao NeoFeed George Magnus, pesquisador da Universidade de Oxford e ex-economista-chefe do banco UBS, resumindo o sentimento dos britânicos.

Para se ter uma ideia do atraso causado pela saída da União Europeia, os britânicos cunharam uma expressão, o “Breget” – trocadilho que mistura a palavra Brexit com regret, “arrependimento” em inglês -, para reconhecer o erro, admitido por 65% da população em pesquisa.

A rigor, o efeito foi além das fronteiras do Reino Unido, pois o Brexit inaugurou uma série de mudanças populistas que abalaram a política ocidental, seguido depois pela eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e da ascensão da extrema direita em vários países da Europa e América Latina -  fruto de um longo processo de desgaste com a classe política tradicional e frustração de camadas populares com a perda de empregos gerada pela globalização.

No caso do Reino Unido, a separação do bloco europeu entrou em vigor pouco antes da pandemia e da guerra na Ucrânia, numa conjunção que levou à maior crise econômica do país em décadas.

O Goldman Sachs estima que a economia britânica atualmente é 5% menor do que seria sem o Brexit. Desde 2016, a economia britânica cresceu em média 1,3% ao ano, contra 1,6% do grupo de sete países mais ricos do mundo (G-7).

O Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social reforçou essa percepção, estimando que o Brexit resultou em uma perda de renda anual per capita superior a US$ 1 mil. A partir de janeiro de 2021, quando o país deixou o mercado único e a união aduaneira, as exportações de bens do Reino Unido diminuíram 13%.

Para o economista Magnus, da Universidade de Oxford, é difícil avaliar o peso específico do Brexit num contexto que inclui a pandemia e a guerra na Ucrânia. “Alguns fatores não estavam relacionados com a saída de União Europeia, como a fraca produtividade, a desigualdade e o baixo investimento, mas é certo que foram exacerbados pelo Brexit”, afirma.

Divórcio litigioso

Não bastasse o fardo econômico causado pelo Brexit, o Reino Unido ainda continua às voltas com o divórcio litigioso da União Europeia em várias frentes.

Uma vez fora do bloco comercial, o país teve de internalizar uma grande parte da administração que anteriormente era gerida em Bruxelas, sede da UE, desde o comércio até a regulamentação de alimentos e medicamentos, obrigando o serviço público do Reino Unido a contratar 100 mil pessoas.

O pesadelo burocrático incluiu uma incorporação, por meio de uma operação de cópia-e-cola, de quase 50 anos de leis acumuladas da UE. As empresas passaram anos sem saber quais as novas regulamentações que enfrentariam e se ainda teriam mercados de exportação na Europa. Muitas adiaram os gastos para esperar por clareza.

No primeiro trimestre, após quatro anos de atraso, o governo finalmente divulgou um conjunto de regras sobre controles fronteiriços para importações europeias, incluindo requisitos de inspeção de alimentos.

Enquanto isso, o ciclo de inflação e juros elevados – um fenômeno que atingiu a economia global após a pandemia - teve um impacto maior no Reino Unido devido à série de tropeços dos governos conservadores.

Ao longo do atual ciclo do Brexit, o país teve cinco primeiros-ministros. Só em 2020, a economia britânica caiu 11%, pior desempenho em 300 anos. A inflação atingiu 11,1% em outubro de 2022, índice mais elevado que o pico na zona do euro (10,6%) e nos EUA (9,1%).

Sunak assumiu o cargo de primeiro-ministro em dezembro de 2022, em substituição a Liz Truss, que ficou apenas 49 dias na função. Em plena crise, Truss decidiu cortar impostos, bancando a diferença emitindo títulos da dívida.

Com poucos dias no governo, Sunak anunciou um grande pacote de 55 bilhões de libras esterlinas que gerou um aperto financeiro aos britânicos sentido até agora.

Como consolo, Sunak conseguiu há poucas semanas trazer a inflação para a meta de 2% ao ano. O feito, inédito entre os países ricos no atual ciclo de inflação e juros elevados, porém, não deve evitar a queda do primeiro-ministro.

O desgaste dos conservadores é tão grande que conseguiu a proeza de amansar a expectativa do mercado financeiro quanto a um governo trabalhista, tradicionalmente ligado a uma agenda fiscal expansionista e com foco social.

De acordo com Magnus, o líder trabalhista Starmer e a provável ministra das Finanças, Rachel Reeves – que seria a primeira mulher a ocupar o cargo – são considerados moderados. Starmer, ex-chefe do Ministério Público de 61 anos que entrou na política apenas em 2015, prometeu que seu futuro governo não terá espaço para gastos fiscais.

“Starmer indicou muitas coisas que não fará, como aumentar a dívida pública nos próximos cinco anos nem elevar a taxação nas principais áreas de tributação”, diz o acadêmico da Universidade de Oxford. “Os únicos compromissos frouxos são aumentar o emprego na área da saúde e reduzir os tempos de espera no NHS”, acrescenta, referindo-se à sigla do serviço público de saúde, que vem decaindo nos últimos anos.

Em meio à provável derrota imposta aos conservadores, a eleição britânica ainda reserva uma ponta de ironia em relação às bandeiras levantadas pelos que defendiam a separação da UE oito anos atrás.

A imigração proveniente do bloco europeu, em percentagem do total dos fluxos de pessoas, chegou a cair para metade desde o Brexit. Mas o governo Sunak decidiu amentar a imigração legal para ajudar a impulsionar a economia.

Nos últimos dois anos, 2,4 milhões de pessoas foram autorizadas a estabelecer-se na Reino Unido, superando qualquer influxo anterior. Foi o suficiente para renovar o discurso xenófobo de Nigel Farage, um político populista que lançou o Partido da Reforma, na época do Brexit, pregando o fim da imigração e a separação da UE.

O líder populista está de volta, com uma campanha acusando os conservadores de terem traído o Brexit e aberto a porta para a imigração descontrolada. Resta saber se Farage se tornará no médio prazo no símbolo de um novo ciclo político e econômico semelhante ao que mergulhou os britânicos na aventura fracassada do Brexit.