A cerimônia de posse do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante, nesta segunda-feira, 6 de fevereiro, no Rio de Janeiro, foi marcada por uma sensação de volta ao passado.

O tom dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do próprio Mercadante foi mais na linha da lamentação, pelo fato de o atual BNDES não ser o mesmo da era dos governos petistas encerrada há sete anos, do que voltado para anunciar novas diretrizes de fomento.

Mercadante, o primeiro a discursar, bem que tentou acenar com novos parâmetros ao enfatizar que sua missão “não é retomar o BNDES do passado, mas para construir o futuro”, citando “o desafio da reindustrialização” como uma das prioridades do banco.

“Não se trata da velha indústria, e sim da nova indústria: digital, descarbonizada, baseada em circularidade e, assim, intensiva em conhecimento, que exigirá inovação e grandes investimentos na pesquisa aplicada”, disse o presidente do banco.

Mas logo na sequência, Mercadante começou a alinhar argumentos de como será difícil para o novo banco atuar em várias frentes com seu perfil atual. Ele enfatizou que não pretende apresentar propostas de obtenção de crédito que contemplem subsídios do Tesouro.

Por isso, sugeriu mudanças na Taxa de Longo Prazo (TLP), que serve de parâmetro para financiamentos do BNDES e segue as taxas cobradas pelo mercado.

A TLP foi criada em 2018, em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que vigorava nas gestões petistas em condições bem mais favoráveis, calculada a partir da estimativa de inflação de 12 meses seguintes ao primeiro mês de pagamento do empréstimo.

Mercadante alega que a TLP tem custo financeiro acima do custo da dívida, “penalizando as pequenas e médias empresas”. Alckmin, na sequência, defendeu a volta de financiamentos para empresas brasileiras no exterior e saudou as articulações de Lula no Mercosul.

Advertência

Lula, por sua vez, repetiu o tom agressivo dos últimos dias. Depois de definir os acontecimentos de 8 de janeiro como “uma revolta de muita gente rica que não queria perder as eleições”, deixou o ar uma advertência.

“Não podemos brincar porque um dia o povo pobre pode cansar de ser pobre e pode resolver fazer as coisas mudarem neste país.”

Sobre o BNDES, falou mais do passado do que do futuro. Questionou o fim da TJLP da era petista e reclamou da diminuição de financiamentos feitos pelo banco – que caíram de R$ 190 bilhões em 2013 para R$ 64 bilhões em 2021 –, questionando o fato de o BNDES deixar de ser um grande indutor do crescimento da economia.

Lula subiu o tom ao rebater a acusação de que o BNDES “dava dinheiro para outros países” e favorecia “meia dúzia de empresas” durante os governos petistas, alegando que os financiamentos beneficiaram empresas brasileiras com projetos em 15 países da América Latina.

“O BNDES nunca foi caixa preta, de tanto martelar isso, o banco teve de gastar R$ 48 milhões numa auditoria internacional em 2020 e o resultado foi que nada de irregular foi encontrado”, disse o presidente.

Economistas ouvidos pelo NeoFeed criticaram os discursos de Lula e Mercadante.

“O discurso de Lula foi assustador, de teor nacionalista e com promessas fortes, mas sem fazer menção de como vai bancar grandes projetos com recursos próprios, a argumentação da TLP de Mercadante é coisa de aprendiz”, disse o economista Celso Grisi, professor da FIA Business School e da FEA/USP.

Grise prosseguiu: “Além disso, nenhuma palavra de como o BNDES vai obter aportes no exterior para obras de infraestrutura e de energia, como o Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics, que é presidido por um brasileiro, Marcos Troyjo.”

István Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE), do Rio de Janeiro, diz que esperava de um governo eleito pela terceira vez um modelo estruturante de geração de crédito mais bem elaborado.

“Para todos os efeitos, o que está propondo são políticas de apoio à grande indústria, que foi um desastre em suas gestões passadas, e nada detalhado para 99,5% das empresas que são pequenas e médias e respondem por 63% de criação de empregos”, disse Kasznar.

O acadêmico da FGV-RJ também cobrou da nova diretoria do BNDES, incluindo o Conselho de Administração, uma análise financeira das empresas que captam recursos do banco.

“Veja o caso da Oi, que passou por recuperação judicial, da Light e agora das Americanas e da Ambev: quais os critérios para otimização de auditoria interna e externa?”, questiona Kasznar. “Não há um comentário de Lula, Mercadante ou do Conselho do BNDES sobre isso.”