Um clima de suspense envolto em uma lista interminável de dúvidas marcou a quinta-feira, 10 de agosto, véspera do anúncio do novo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), o pacote de investimentos em infraestrutura do governo federal que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai apresentar na sexta, 11, no Rio de Janeiro, após cinco adiamentos.

O NeoFeed conversou nas últimas semanas com fontes do setor de infraestrutura e alguns pontos do programa que estavam em aberto permaneceram sem confirmação horas antes do anúncio.

Ajudaram a aumentar a expectativa em torno do pacote a falta de informações simples – o novo nome do programa é um exemplo – a pendências importantes, como o limite de gasto do governo federal com o PAC previsto para este ano, passando pela criação de um fundo garantidor que permita às grandes empreiteiras sem acesso a crédito participar das obras.

O risco maior é o programa, na prática, começar a sair do papel só em 2024. O próprio governo se encarregou de aumentar o suspense, para não esvaziar o impacto do anúncio de sexta-feira, em evento grandioso transferido para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro para acomodar todos os convidados – além dos 27 governadores, políticos, empresários e autoridades de outros poderes.

Desde a posse, em janeiro, o governo Lula mobilizou ministérios e governos estaduais na elaboração da lista de obras e do orçamento do PAC, que foram crescendo à medida que os anúncios programados foram sendo adiados.

No último adiamento, no início de julho, por exemplo, a previsão era de R$ 84 bilhões de investimentos públicos em cerca de 3 mil obras ao longo de quatro anos.

Desde então, o orçamento do governo para o programa praticamente triplicou, com gastos previstos de R$ 240 bilhões até 2026, cerca de R$ 60 bilhões por ano, em áreas como transportes, energia, infraestrutura urbana, inclusão digital, educação, ciência e tecnologia.

Na última semana, para aumentar a expectativa em torno do anúncio oficial, foram incorporadas as previsões de recursos de estatais, de financiamentos dos bancos públicos e do setor privado, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), chegando ao número mágico de R$ 1 trilhão a ser empregado até 2026 – incluindo R$ 300 bilhões de investimentos da Petrobras.

Queimando a largada

Os seguidos adiamentos do anúncio do programa somados aos embates políticos do governo no Congresso Nacional com o Centrão por causa de cargos, adiando a votação do arcabouço fiscal, passaram a colocar sob risco a largada do novo PAC.

A demora da votação do arcabouço criou um enorme problema para o governo, pois o conjunto de leis estabelece novas regras de crescimento para as despesas. Sem sua aprovação, não há como prever o investimento de R$ 60 bilhões deste ano (e também dos próximos) no PAC.

Já os seguidos adiamentos do anúncio criaram outro problema: deixaram pouco tempo para o governo viabilizar as obras iniciais. Ou seja, mesmo que o governo encontre uma fórmula para liberar o orçamento de gastos previstos para 2023, de R$ 60 bilhões, dificilmente conseguirá executá-los a tempo.

Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto Advogados e especialista em Direito Ambiental, Infraestrutura e Logística, adverte que existe um ritual burocrático para formalizar e aprovar editais, contratos, licitações e PPPs, envolvendo órgãos como Tribunal de Contas da União, e liberação de linhas de crédito com bancos de fomentos, como o BNDES e a Caixa Econômica.

“Além disso, o PAC serve como um organizador da economia para o setor privado”, diz Favacho. “Se o governo anunciar que não vai investir em aeroportos, por exemplo, uma empresa que previa investimentos em franquias de lojas em aeroportos vai mudar seu planejamento, e isso não ocorre do dia para a noite.”

Nesta semana, durante apresentação de resultados do segundo trimestre da Gerdau, o CEO Gustavo Werneck reforçou essa certeza ao afirmar que será difícil a empresa mirar projetos do programa do governo neste segundo semestre. “O PAC só deve começar em 2024”, disse Werneck.

Outro nó envolvendo o PAC que ainda não foi desatado diz respeito às empreiteiras interessadas em participar de obras.

Desde os primeiros anúncios do PAC, o Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada), que representa as grandes empreiteiras, vem pedindo ajuda ao governo para conseguir empréstimos para a fase inicial das obras do programa.

Muitas ainda enfrentam dificuldades econômico-financeiras, herança da crise econômica de 2015-2026 e das multas de leniência da Operação Lava Jato, ou estão em recuperação judicial.

“É um problema que afeta a grande maioria, para não dizer todas as empresas do setor, independentemente de estarem ou não em recuperação judicial”, disse no mês passado ao NeoFeed o presidente do Sinicon, Claudio Medeiros.

Segundo ele, as empresas do setor têm dificuldade de acesso ao crédito bancário e ao mercado segurador por causa do custo elevado.

Saída para empreiteiras

Nas últimas semanas, o Sinicon propôs ao governo a criação de um fundo para recuperação do setor, o FGInfra (Fundo Garantidor de Infraestrutura).

Numa primeira etapa, esse fundo direcionaria cerca de R$ 650 milhões de outro produto existente, o FGI (Fundo Garantidor de Investimentos), para lastrear empréstimos bancários a empreiteiras.

A empresa solicitante pagaria cerca de 3% do valor solicitado em empréstimos bancários ao FGI como remuneração. Se não honrar o empréstimo, a contratante da obra utilizaria o valor do FGInfra como uma apólice de seguro.

Os R$ 650 milhões do FGInfra seriam o capital de giro inicial (15% do valor da obra), suficiente para tirar do papel empreendimentos de até R$ 50 bilhões. De acordo com o Sinicon, a partir daí já existiria fluxo de pagamentos pelo contratante do PAC.

O Sinicon não confirma se a negociação para a criação do FGInfra foi aprovada pelo governo. Mas duas fontes do setor acreditam que a confirmação do acordo deverá ser feito junto com o anúncio do PAC.

Para Favacho, o governo tem interesse em atrair essas construtoras, pois as novas regras do PAC devem ser mais rígidas em termos de compliance.

“É uma grande oportunidade de recuperar as empresas nacionais do setor, mesmo porque a alternativa seria contratar para as grandes obras do PAC apenas empresas estrangeiras, o que não interessa ao governo”, diz o especialista.

Se o valor total (R$ 1 trilhão) do PAC for confirmado, será pouco inferior ao R$ 1,2 trilhão (sem correção) da soma dos dois PACs das gestões petistas anteriores.

Espera-se, porém, que não repita o legado dos PACs anteriores: 45% de obras incompletas, muitas com problemas de má gestão e denúncias de corrupção.