O ano de 2025 começou com uma nuvem pesada rondando a economia do País, em meio ao pessimismo quanto à política fiscal do governo, com juros e inflação em elevação e cotação do dólar batendo recorde. Mas para o setor de infraestrutura, que trabalha com investimentos a longo prazo, entre 15 e 30 anos, o cenário por enquanto é de céu azul.

Efeito do aumento de aporte de capital privado no setor, que tem batido seguidos recordes desde 2022, estão previstos mais de 110 leilões de infraestrutura para este ano, entre concessões, privatizações e parcerias público-privadas (PPPs), com potencial de gerar R$ 250 bilhões em investimentos.

Esse gigantesco pipeline inclui 27 leilões de saneamento – a maioria municipais, mas 5 deles de grande porte –, e 87 certames na área de transportes nos diferentes modais, esses sob supervisão do governo federal.

O levantamento do NeoFeed com as perspectivas do setor para 2025 foi feito a partir do cruzamento de informações de três fontes.

Uma delas é a da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) – que no fim de 2024 divulgou o Livro Azul de Infraestrutura, levantamento anual que apresenta oportunidades de investimento e perspectivas para os próximos anos.

Além dos dados da Abdib, boa parte da agenda de leilões citadas acima foi baseada em projeções do governo federal para 2025 na área de Transportes, como os de rodovias, portos e ferrovias.

Outra fonte essencial para o levantamento foi a 12ª edição do Barômetro da Infraestrutura - pesquisa semestral que o NeoFeed teve acesso antecipado, que tem como objetivo de identificar o ânimo de empresários dos diversos setores de infraestrutura.

Divulgado na quarta-feira, 15 de janeiro, a partir de uma parceria entre a consultoria EY e a Abdib, o Barômetro de Infraestrutura confirmou previsões e análises de especialistas consultados pelo NeoFeed nos últimos dias.

De acordo com o estudo, para os próximos seis meses há uma percepção de um cenário favorável para investimentos em infraestrutura, que nessa edição ficou em 52,9%, indicador similar à edição anterior da pesquisa – mas bem acima da média histórica do levantamento, que é de 40,6%.

Vários fatores explicam o otimismo do setor para o ano que se inicia. O primeiro deles é o apetite do setor privado, que em 2024 investiu R$ 197,1 bilhões em concessões, PPPs e privatizações, investimento 76% maior do que o feito pelo setor público.

O setor privado, por sinal, vem aumentando ano a ano o aporte de capital em infraestrutura – a soma de investimentos privados do biênio 2023/24 (R$ 369,7 bilhões) teve um crescimento recorde de 35% em relação ao pico anterior, entre 2013/14.

Para 2024, a Abdib havia projetado investimentos de R$ 259,3 bilhões (todos os setores, exceto óleo e gás), o equivalente a 2,22% do Produto Interno Bruto (PIB) do País – ante uma necessidade de investimentos anuais para o setor de 4,31% do PIB. Não há projeção fechada para 2025, o que só deve ser concluída no final do primeiro semestre.

Maturidade

Os setores com mais investimentos nos últimos anos são, pela ordem, saneamento, energia elétrica e rodovias – ranking que deve seguir inalterado este ano.

Para Roberto Guimarães, diretor de planejamento e economia da Abdib, o grande aporte de capital privado no setor de infraestrutura reflete uma maturidade dos processos licitatórios, que têm sido melhor organizados, com estruturação de projetos mais consistente e matriz de riscos bem elaborada, entre outros avanços.

“Se tem segurança jurídica e maturidade, o investidor privado participa”, diz o diretor da Abdib. Segundo ele, o mercado de capitais tem peso relevante nessa evolução, ajudando a criar mais mecanismos de financiamento para os projetos.

Além do BNDES, que voltou a estruturar e financiar projetos a juros de mercado (exceto em projetos de inovação), há mais dinheiro público dos orçamentos estaduais, além do mercado de capitais – este, com debêntures incentivadas e, agora, de infraestrutura, que tendem a atrair fundos de pensão e outras fontes.

Os fundos de infraestrutura, por sinal, deram um salto em 2024, com a captação subindo quase 10 vezes em relação ao ano anterior. O segmento, com 1.192 fundos de infraestrutura disponíveis, somou R$ 109,5 bilhões até o fim de novembro, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Para Guimarães, esse funding por meio de diversos atores trouxe equilíbrio para os certames do setor. “Bancos privados e fundos de investimento também estão participando de estruturação de projetos, de seu financiamento e também de leilões, até o mercado segurador está sendo chamado a participar com o seguro-garantia”, acrescenta.

Ele cita o exemplo de uma concessão rodoviária no Mato Grosso, a MT-430, em que uma seguradora atua como avalista - se a obra der problema, assume o projeto.

O diretor da Abdib admite, porém, que o investimento público em infraestrutura ainda é baixo, citando a recente queda de pontes em vários pontos do País como uma constatação desse problema.

“Cerca de 20% da malha rodoviária foi concedida à iniciativa privada e deve dobrar nos próximos anos”, afirma. “Mas o que não foi concedido exige manutenção com dinheiro público, por outro lado só é possível conceder estradas que tenham densidade de tráfego, senão o setor privado não se interessa.”

Gustavo Gusmão, sócio da EY para governo e infraestrutura, observa que o governo federal conseguiu eliminar a tensão que surgiu durante a transição de gestão, quando o setor privado colocou em dúvida a aderência da nova gestão petista aos investimentos privados de infraestrutura.

“O governo federal não atrapalhou, na verdade estimulou”, diz Gusmão. “Nos últimos dois anos, até aumentou o investimento público em infraestrutura, mas não na proporção dos investimentos privados.”

Um detalhe que chama a atenção em relação a investimentos públicos em infraestrutura é o aumento de ofertas abertas por governos estaduais e municipais.

Boa parte desses governos locais busca atrair investimentos privados para a chamada infraestrutura social - como construção de escolas, hospitais e habitação ou concessão de parques -, que voltou a ter relevância, segundo levantamento do Barômetro de Infraestrutura.

Pela quinta vez consecutiva, a expectativa do mercado sobre o potencial de concessões e PPPs nos níveis estaduais é superior à do governo federal, o que demonstra uma consolidação da percepção de que as agendas estaduais para concessões e PPPs são mais efetivas se comparadas com as de outros entes federativos.

Se o a agenda de investimentos públicos federais está capenga, os governos estaduais passaram a olhar o setor de infraestrutura com carinho. Só o governo paulista prevê movimentar R$ 50 bilhões de investimentos este ano com concessões e PPPs.

Gustavo Valente, CEO da Sinergy Advisors, consultoria que atua no setor de infraestrutura, observa que o governo paulista tem uma agenda robusta de mais de 30 projetos - somente em 2024, foram leiloados ativos de mobilidade urbana e rodovias que somam R$ 130 bilhões em investimentos.

“Diferentemente dos leilões federais, o governo paulista oferece maior previsibilidade regulatória e agilidade, tornando seus projetos mais atrativos”, diz Valente. “Para investidores, São Paulo apresenta menor risco jurídico, enquanto os ativos federais frequentemente demandam maior capital e envolvem processos mais burocráticos.”

PPPs e crise fiscal

A resistência do governo federal em aderir às PPPs também é um diferencial em relação aos governos estaduais.

Leonardo Moreira, sócio do escritório Ciari Moreira Advogados e especialista em contratos públicos, afirma que é necessário lembrar que o menor número de PPPs em comparação aos leilões de concessões no Brasil pode ser efeito de fatores como a complexidade desses contratos e as restrições fiscais enfrentadas não só pelo governo federal, como por estados e municípios.

“As PPPs exigem maior planejamento e envolvem compromissos financeiros futuros, como contraprestações públicas, o que pode torná-las menos atrativas para entes federativos com limitações orçamentárias”, diz Moreira.

Por outro lado, muitos especialistas afirmam que fatores econômicos, como a alta de juros e a instabilidade cambial, podem impactar também as concessões, tanto as que já estão publicadas (e em grande parte já sofrem com pedidos repactuações), quanto aquelas que estão sendo estruturadas.

“O atual quadro fiscal pode levar a uma pressão sobre o mercado e o governo de turno, seja em busca de uma maior taxa de retorno, para a redução da matriz de risco dos projetos ou até mesmo apontando um eventual desinteresse dos players do mercado”, adverte Julia Andery Amorim, sócia do escritório Kuntz Advocacia.

Esse risco, porém, depende do setor em que deve ocorrer leilões. No de saneamento, a crise fiscal do País passa ao largo do pipeline do setor, com R$ 72 bilhões de investimentos previstos em seus 27 leilões de 2025, incluindo os de grande porte – nos estados de Goiás, Pará, Paraíba, Pernambuco e Rondônia.

Ilana Ferreira, superintendente técnica da Abcon – a associação das concessionárias privadas de saneamento – , diz que o segmento não tem notado uma desaceleração do apetite de investimentos, a despeito do capital mais caro com juros e dólar em elevação.

“Saneamento tem um retorno garantido, o déficit das metas de universalização é elevado, então a receita potencial é alta e estável, diferentemente de outros setores, em que uma crise econômica interfere diretamente”, diz.

De qualquer forma, a atual crise fiscal tende a afetar mais nos novos projetos. “O investidor certamente vai alocar esse custo na proposta, o impacto maior se concentra nos contratos vigentes, que podem exigir um reequilíbrio”, acrescenta Ferreira.

Segundo ela, o teste maior será no primeiro leilão do ano, no Pará. “Será importante porque é um volume grande de investimento”, diz, lembrando que o grande número de certames de 2025 é de PPPs em municípios pequenos, com investimentos menores.

Outro setor com grande expectativa de investimentos pesados é o de concessões rodoviárias. Para 2025, são esperadas sete repactuações de concessões de estradas federais, em análise no TCU, que somam R$ 60,32 bilhões de investimentos.

Em relação a novas concessões, estão previstas a passagem de oito rodovias que ainda são geridas pelo governo federal e que deverão ser repassadas à iniciativa privada. Ao todo, essa carteira soma R$ 34,16 bilhões.

Repactuações

Valente, da Sinergy Advisors, adverte que a repactuação de concessões é problemática, pois nem todos os projetos são viáveis e existem muitos gargalos relacionados à segurança jurídica, o que aumenta a dificuldade de atrair players devido às altas taxas de retorno exigidas.

“O avanço depende do alinhamento entre concessionárias e governo em relação a novos termos de contrato, com destaque para a precificação de outorgas e exigências de investimentos adicionais”, afirma ele.

As repactuações também são o maior entrave para as concessões ferroviárias - o setor de infraestrutura que inicia 2025 mais atrasado, com queda de 2,9% no valor dos investimentos em relação a 2023.

O estudo da Abdib sugere que é fundamental a conclusão dos processos de renovação das concessões da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) e da Malha Sul, marcados por negociações prolongadas e questões regulatórias complexas. O TCU é uma peça central nas negociações, com foco em evitar termos que possam ser considerados desvantajosos para o governo.

Guimarães, da Abdib, adverte que a grande dúvida é para onde vai o dinheiro das repactuações. Segundo ele, ficar no setor é fundamental. “Sobrar R$ 15 bilhões numa repactuação e passar para o Tesouro cumprir superávit primário não funciona”, diz.

Além disso, é preciso avançar na divulgação do Plano Nacional de Ferrovias, em estruturação no Ministério de Transportes, onde são estimados R$ 200 bilhões em investimentos.

“Há muita expectativa de PPPs no setor de carga geral com dinheiro público e privado, mas é essencial aporte de investimento público, o setor ferroviário é intensivo de capital e só investimento privado não é suficiente”, acrescenta Guimarães.

Por fim, o setor portuário comemorou vários avanços em 2024, e as 21 concessões de terminais portuários previstas para este ano devem gerar mais R$ 8,54 bilhões em outorgas. No entanto, a atratividade desses ativos depende de garantias claras sobre os retornos e da simplificação do arcabouço regulatório.

Para Gusmão, da EY, o setor portuário acabou pagando o preço pela mudança radical de planejamento do setor entre o governo anterior e o atual.

“Houve um soluço durante a transição, antes estava prevista uma privatização completa, mas o novo governo buscou um canal de concessões parciais e precisou voltar umas casinhas no jogo”, afirma o especialista da EY.

Mesmo assim o setor portuário prevê um modelo inédito de licitação do setor, o de concessão de canais de acesso aos portos, cujos vencedores terão obrigação de fazer dragagem, além da concessão de hidrovias e do terminal de contêineres do porto de Santos, que devem movimentar pelo menos outros R$ 6 bilhões nos próximos dois anos.