A regulamentação da primeira fase da reforma tributária, referente ao consumo, chegou à reta final no Congresso Nacional na segunda-feira, 9 de dezembro, com a apresentação do parecer do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), e algumas surpresas.

Uma delas foi a inclusão de armas e munição na lista de produtos que sofrerão com a cobrança adicional do Imposto Seletivo, apelidado de "imposto do pecado". Outra, mais relevante, foi a manutenção de alíquota máxima de 26,5% do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o novo imposto único a ser criado em substituição ao modelo atual.

A alíquota, estipulada durante análise do texto na Câmara dos Deputados, porém, deverá ficar em 28,1% do IVA após alterações nas duas Casas. Com isso, o governo terá de enviar ao Congresso lei complementar após a aprovação da versão final do texto, propondo medidas que reduzam o porcentual a patamar igual ou inferior à alíquota de referência.

No relatório, Braga manteve mudanças feitas pela Câmara dos Deputados à proposta enviada pelo governo federal, entre elas a isenção de tributos a carnes, frangos e peixes. A incorporação das proteínas na cesta básica havia sido um dos pontos mais polêmicos do debate realizado pelos deputados em julho deste ano.

Mas um dos itens mais esperados, a equiparação do saneamento à saúde, não ocorreu. Com isso, a carga tributária do saneamento vai passar dos atuais 9,74% para 26,50%. Isso deverá representar um aumento de 18% na tarifa média de água e esgoto à população.

A versão final do texto do relator deveria ser apresentada e lida em reunião na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas faltou quórum. Com isso, a expectativa de levar a proposta à votação em plenário na quarta, 11 de dezembro, deve ser adiada.

O cronograma prevê que o texto aprovado no Senado deverá retornar à análise da Câmara dos Deputados — que poderá acatar ou rejeitar as alterações promovidas pelos senadores, antes de encaminhar a proposta à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A regulamentação é uma exigência da Emenda Constitucional 132, promulgada há um ano, que estipulou a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo.

Germano Andrade, sócio do escritório Andrade GC Advogados, afirma que, a despeito do grande número de mudanças feitas no Senado em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados, a versão final foi satisfatória.

“O processo da reforma tributária na Câmara dos Deputados foi feito às pressas, por isso o texto chegou ao Senado com imperfeições e mesmo assim acabou sendo aprimorado”, diz Andrade ao NeoFeed. “Para se ter uma ideia, foram feitas no Senado 1.998 propostas de emendas ao texto aprovado na Câmara, sendo que 600 acabaram acolhidas.”

Pressão no Senado

As mudanças buscaram uma compensação para evitar um aumento ainda maior da alíquota padrão de 26,5% do IVA do que já havia sido incluído no texto do aprovado pelos deputados.

Em agosto, depois de alterações feitas pela Câmara, o Ministério da Fazenda havia estimado que a alíquota padrão dos impostos unificados — cobrada sobre todos os itens que não estiverem em regras especiais da reforma — deveria ser de 27,8,% (agora corrigida para 28,1%).

Andrade observa que os estudos que levaram à formulação desses números pelo Ministério da Fazenda nunca foram submetidos a escrutínio.

“A posição defendida pelos congressistas é de que prometem revisar a alíquota após cinco anos de entrada em vigor”, diz o advogado tributarista. “Se tiver havido perda de arrecadação, o Poder Executivo, ao invés de aumentar a alíquota padrão, deve propor projeto para diminuir os descontos dados aos regimes diferenciados.”

O “estouro” da alíquota máxima do IVA colocou pressão na mudança nos tributos sobre o consumo decidida pelo Senado. Mesmo assim, houve modificações nas listas de bens e serviços desonerados, especialmente os alimentos.

Na Cesta Básica, cujos produtos terão alíquota zero do IBS e da CBS, houve ajuste na descrição de alguns itens, como do leite em pó e das fórmulas infantis, e a remoção da mandioca, batata-doce e cocos.

Foi mantida a taxação zero para itens como arroz, feijão, café, farinha e açúcar. Já na Cesta Estendida, destaca-se a inclusão de produtos in natura como frutas, cereais e produtos hortícolas não incluídos na Cesta Básica

Em relação aos medicamentos submetidos à alíquota zero, foi suprimida a lista de princípios ativos que seriam abarcados pela desoneração. No novo texto, a alíquota zero será aplicada às classes de medicamentos destinados a tratar doenças específicas (tratamentos oncológicos, doenças raras, DST’s, farmácia popular, etc.)

Quanto ao setor imobiliário, foram incluídos critérios objetivos para caracterizar os seus contribuintes. A disposição é especialmente voltada para dar segurança quanto à não cobrança do IBS e da CBS aos cidadãos que alugam ou vendem imóveis para a obtenção de renda extra, mas que não o fazem de forma habitual.

Como era esperado, o relator Eduardo Braga, que é do Amazonas, ampliou os benefícios tributários para a Zona Franca de Manaus (ZFM), incluindo no parecer a redução de alíquota da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) para comerciantes de dentro da ZFM.

Para Victor Hugo Rocha, diretor jurídico do movimento Destrava Brasil (que defende uma reforma tributária ampla e definitiva), apesar das diversas alterações, o texto deverá proporcionar um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das atividades econômicas.

“Para além da balança que busca equilibrar os regimes e alíquota do IBS e da CBS, destaca-se que o texto continua a prever a simplificação do sistema, a busca da neutralidade, a não-cumulatividade ampla e facilitar o cumprimento e a fiscalização das obrigações tributárias”, diz Rocha.

O setor de saneamento, que passará a ser enquadrado na alíquota máxima, foi o grande derrotado até agora pela reforma tributária. “Fomos esquecidos pelos parlamentares e pelo Poder Público, até mesmo pela sociedade”, lamenta Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon, associação das concessionárias privadas de saneamento.

Segundo ela, a nova carga tributária afetará de imediato os 4 mil contratos entre o poder público e os operadores públicos e privados do setor. Dias promete continuar lutando para que o pleito de equiparação com a saúde ainda seja contemplado nos substitutivos ou destaques que deverão ser apresentados ao relatório antes da votação.

“Estamos sensibilizando os governadores e coletando suas assinaturas em uma carta-manifesto, que já recebeu apoio de estados que representam 49,1% da população do país, ou 104,4 milhões de pessoas”, diz a diretora da Abcon.