As regiões Norte e Nordeste vão ser a próxima fronteira para as empresas privadas do setor de saneamento em 2025. As duas regiões devem atrair quatro dos cinco maiores leilões deste ano – nos estados do Pará, Pernambuco, Paraíba e Rondônia.
Somados a outras duas licitações menores, previstas para Alagoas e Bahia, esses certames vão beneficiar 355 municípios e uma população total de 19,8 milhões de pessoas, com R$ 56 bilhões em investimentos, ou quase 77% do total previsto para o ano.
O setor privado está se preparando para essas disputas com grande expectativa. Depois de praticamente dobrar a participação em concessões nos últimos dois anos, passando de 15,7% em 2023 para os atuais 30% – graças aos leilões da Sabesp, de Sergipe e do Piauí em 2024 -, a previsão é de que empresas privadas fechem 2025 à frente de 44% das concessões de saneamento do País.
“Esses leilões no Norte e Nordeste são exemplos dessa agenda positiva do setor privado e emblemáticos para a corrida rumo à universalização desses serviços no País”, afirma Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon, associação que reúne as empresas privadas de saneamento, acrescentando que setor vive um momento desafiador, com atrasos para cumprir as metas definidas pelo marco legal.
O marco determina que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água tratada e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Levantamento do Instituto Trata Brasil indica que 32 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e para 90 milhões de pessoas falta coleta de esgoto.
Daí a pressão para acelerar o calendário de leilões. Dos 29 certames previstos em todo o País para este ano, 23 serão no formato de concessões e cinco por meio de PPPs. Apenas um leilão, em Rondônia, ainda não tem formato definido pelo BNDES, que fará a modelagem.
Os leilões do Pará e de Pernambuco são os mais aguardados. Marcada para 11 de abril, a concorrência do Pará será o primeiro grande leilão do ano no saneamento. A licitação envolve 126 municípios, com investimento estimado de R$ 18,8 bilhões e população beneficiada de 5,2 milhões de pessoas.
Em Pernambuco, a concessão envolve dois blocos de municípios, um deles formado por 24 cidades dos sertões Central, do Araripe e do São Francisco; e o outro bloco que inclui 160 municípios, da Região Metropolitana do Recife até o Sertão do Pajeú e o distrito de Fernando de Noronha.
Na primeira etapa, a concessionária vencedora deverá investir R$ 2,8 bilhões, enquanto na segunda etapa o investimento alcança R$ 16,1 bilhões, totalizando R$ 18,9 bilhões.
A concessão envolve serviços de água e esgoto e está em fase de consulta pública aberta. No modelo proposto pelo BNDES, a companhia pública estadual continuará responsável pela captação e tratamento da água.
Capitais estaduais na mira
Especialistas ouvidos pelo NeoFeed afirmam que, a despeito do grande número de leilões previstos, a área de saneamento deve manter a liderança no setor de infraestrutura entre os que mais atraem investimentos.
“Não deve faltar apetite para os leilões. Estamos prevendo ágios elevados nos certames envolvendo lotes contendo as capitais, como no Pará, e concorrência menor nos lotes do interior, que devem atrair empresas pequenas ou locais”, afirma Roberto Marinho, sócio-fundador da Yards Estruturados, empresa de investment banking com atuação no setor de infraestrutura.
A quantidade de leilões, porém, ligou um alerta. Há dúvida se haverá interesse de participação, principalmente de fundos de investimento, diante de uma agenda tão extensa de leilões do setor em 2025, uma vez que existe uma “concorrência” de leilões rodoviários e de outros segmentos de infraestrutura.
Para Marinho, uma série de fatores contribui para atrair investidores para um leilão de saneamento. Entre eles, a modelagem do contrato e, principalmente, a extensão de cobertura. “Uma cobertura menor de saneamento pode criar mais espaço para gerar valor ao concessionário, mas exige do investidor entrar inicialmente com um volume maior de dinheiro para avançar nas metas e o ciclo de juros atual prejudica.”
O sócio de infraestrutura na RBR Asset Management, Sergio Ranciaro, admite que o risco de alguns processos perderem atratividade existe, particularmente em projetos menores ou em regiões de difícil acesso. Entretanto, leilões de grande porte, como aqueles envolvendo estados com grandes populações urbanas, tendem a concentrar maior interesse.
“Os projetos do Pará e Pernambuco, somados, vão gerar mais de R$ 36 bilhões de investimentos e estão atraindo significativa atenção do mercado”, afirma Ranciaro, lembrando que no Norte e Nordeste existem várias cidades com menos de 20% do esgoto coletado e tratado.
Mas uma máxima repetida pelo mercado, segundo a qual quanto maior o déficit de saneamento num determinado estado, maior o apetite do setor privado para obter a concessão – uma realidade presente no Norte e Nordeste - nem sempre se confirma.
“Quando o investidor analisa se vale a pena entrar um processo de concorrência pública, estuda uma série de fatores, incluindo a modelagem do contrato de concessão, as garantias contratuais que estabelecem os riscos, as regras de equilíbrio econômico-financeiro e até a maturidade regulatória dos órgãos de estado”, diz Renato Fernandes de Castro, sócio do escritório Almeida Prado & Hoffmann Advogados e especialista em contratos de infraestrutura
Quanto à possibilidade de participação de uma nova leva de players - como os fundos de investimento, que invadiram os leilões de concessões rodoviárias -, Castro acha pouco provável. “Os participantes dos certames licitatórios deste ano devem ser as mesmas empresas que já atuam no setor e participaram nas últimas disputas”, diz.
Uma explicação repetida por agentes do setor é a exigência de conhecimento técnico de saneamento para os novos entrantes, o que afasta investidores pontuais, ou os obriga a associar às empresas de saneamento tradicionais.
“Não detectamos novos entrantes, além dos recentes - Perfin e Kinea”, diz Marinho, da Yards Estruturados. “Fundos de investimentos devem seguir apostando em leilões de concessões rodoviárias e de logística, como os leilões de portos e aeroportos regionais previstos para este ano.”