Em ascensão nos últimos anos, a indústria de Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) e de Fundos de Investimento do Agronegócio (Fiagros) acumulam, respectivamente, cerca de R$ 190 bilhões e R$ 11 bilhões sob gestão, com 2,7 milhões e 500 mil investidores.
Mas essas duas classes de ativos que já vem enfrentando um momento desafiador com as altas taxas de juros - o que tem feito muitos investidores migrarem para ativos de renda fixa - pode sofrer um novo baque caso não consiga reverter o veto presidencial a trecho da regulamentação da reforma tributária que isentava FIIs e Fiagros.
O trecho vetado, na visão do mercado, garantia a manutenção da isenção de impostos sobre as taxas de aluguel dos imóveis de FIIs e Fiagros, como ocorria antes da reforma tributária. Especialistas estimam que a nova alíquota deve representar um impacto de aproximadamente 8,17% sobre esses rendimentos.
O NeoFeed conversou com as principais gestores de FIIs e Fiagros do mercado para saber como estão se movimentando para tentar barrar esse veto. A movimentação envolve representantes do mercado financeiro, da construção civil e do agronegócio através de suas associações setoriais.
A articulação para derrubar o veto ocorre principalmente por meio das bancadas parlamentares. Liderando esse movimento estão a Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) e a Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCA), que estão entre as maiores do Congresso. A FPA, por exemplo, conta com 290 deputados e 50 senadores, número suficiente para derrubar o veto
Grandes gestoras de FIIs e Fiagros consultadas pelo NeoFeed disseram ter recebido com surpresa o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dado que um acordo já havia sido firmado com o governo sobre o trecho vetado.
“Toda hora surge a sombra da tributação. Isso pode levar o investidor a desistir dessa classe e optar pelo Tesouro Direto ou por investir diretamente em imóveis, prejudicando setores que cresciam com esse novo funding”, desabafa o gestor de um grande fundo imobiliário ao NeoFeed.
Após o recesso parlamentar, a articulação deve ganhar força em fevereiro. Mas a votação da queda do veto dependerá da definição das presidências da Câmara e do Senado. Hugo Motta (Republicanos) e Davi Alcolumbre (União Brasil) são favoritos para assumir as respectivas casas. E, segundo apurou o NeoFeed, estão cientes da demanda setorial.
A linha de frente para derrubar o fim da isenção reúne a Frente Parlamentar do Agronegócio. “Nos unimos nessa frente e estamos mobilizando deputados e senadores”, afirma o deputado Arnaldo Jardim, vice-presidente da FPA, ao NeoFeed.
Segundo ele, a mobilização conta com o apoio de entidades como Anbima, Ancord, Abrainc, CNA e ABAG. “Queremos o apoio do próprio governo para isso. Esperamos que não se repita o erro de comunicação que ocorreu com o PIX. Mas, mesmo se o governo não aderir, conseguiremos.”
Outro apoio importante vem da Frente Parlamentar do Empreendedorismo. "Estamos mobilizando a base que já votou a favor do trecho vetado”, diz o deputado Joaquim Passarinho, presidente da FPE, ao NeoFeed.
O veto do governo federal foi embasado em um parecer técnico da Advocacia-Geral da União (AGU), mantido sob sigilo. Segundo Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária, a decisão foi baseada no entendimento de que a isenção dos fundos contrariava a Emenda Constitucional 132.
Com isso, os FIIs e os Fiagros foram excluídos das exceções à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), novos tributos que entrarão em vigor com a reforma. Há muitas dúvidas ainda, caso o veto não seja derrubado, sobre essas cobranças.
Com o veto presidencial, os dividendos pagos para investidores não serão afetados. Mas o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que é composto pelo CBS e IBS, passará a incidir sobre o aluguel, ponto que alcança os fundos imobiliários, afetando o valor pago aos cotistas dos fundos.
“O texto diferenciava fundos com pulverização de cotistas dos com cotistas únicos, que não receberiam o benefício tributário. Foi negociado com o governo. Por isso, o veto nos pegou de surpresa”, diz Cristiane Coelho, diretora jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). “Foi um susto.”
A CNF, junto com a Anbima, redigiu uma carta criticando o veto. “Os fundos não são fornecedores de serviços e, portanto, não poderiam ser classificados como contribuintes de IBS/CBS. Logo, não há que se falar em benefício tributário”, aponta o documento.
Insegurança jurídica
O veto presidencial acrescenta mais um elemento para dois setores que estão sofrendo com a alta dos juros. Desde que a medida foi anunciada, o Ifix, índice que reflete o desempenho dos principais fundos imobiliários com cotas negociadas na bolsa brasileira, caiu 2,7%
Para as gestoras, o veto não apenas introduz um tributo inédito, mas também gera insegurança jurídica. “A regra não é clara sobre o que pode ser taxado: tijolo, papel, Fiagros, FIIs ou toda a indústria. Isso pode levar a interpretações abrangentes de tributação”, afirma Bruno Gomes, sócio da JiveMauá, com R$ 19,4 bilhões em investimentos.
André Poppe, analista da Warren Investimentos, destaca as incertezas quanto ao impacto nas regras para fundos imobiliários. “O veto deixou os fundos de fundos à margem, sem clareza sobre sua inclusão na nova legislação.”
A confusão também afetou casas menores de investimento, como a Greenwich Investimentos, com R$ 400 milhões sob gestão. “Nossos advogados ainda analisam se nossos fundos, que compram CRAs, serão atingidos”, afirma Daniel Moro, sócio da gestora. Raphael Vieira, co-head da Arton Advisors, acrescenta. “Os fundos de papel também caíram após o veto, reflexo da falta de entendimento sobre quem será impactado.”
Apesar da esperança de reversão, o veto deixou marcas em uma indústria em crescimento, com ampla participação do varejo. “O trecho vetado não visava entregar benefícios, mas reforçar as condições existentes. É essencial para evitar insegurança jurídica em um mercado trilionário como o de fundos de investimento”, afirma Cristiane Coelho.