A recente inauguração do Porto de Chancay, no Peru - um investimento de US$ 3,5 bilhões com participação majoritária da chinesa Cosco, proprietária de uma das maiores frotas de navios cargueiros do mundo -, chamou a atenção não só por abrir novos mercados para as exportações chinesas na América do Sul ou por consolidar o país asiático como maior parceiro comercial da região.
Localizado a 70 km ao norte de Lima, a capital peruana, Chancay vai oferecer vantagens que, em tese, interessam – e muito – ao exportadores brasileiros. A redução de 10 dias a 15 dias no trajeto entre China e Brasil (a maioria em navegação marítima), em relação às rotas tradicionais pelo Oceano Atlântico, via Canal do Panamá ou pelo Cabo da Boa Esperança, na África, é uma delas.
Outra, de causar inveja aos operadores de navegação que atuam no Brasil, é a possibilidade de o novo porto peruano receber os novos e modernos meganavios porta-contêineres por causa dos quase 20 metros de calado de Chancay – profundidade que nem o Porto de Santos, o maior do País, com 15 metros, sonha em ter.
A euforia com a abertura de uma rota alternativa mais rápida para ligar o Brasil à Ásia, porém, esbarra numa dificuldade logística colossal: como levar e trazer as cargas de Chancay para o País. Serão necessários vencer 800 km pelos trechos sinuosos da parte andina da Rodovia Interoceânica até Tabatinga (AM), primeira cidade brasileira após cruzar a fronteira com o Peru, e de lá por via fluvial até Manaus.
O desafio para as cargas destinadas ao País - que, em resumo, representa cruzar os Andes peruano e a floresta amazônica antes de seguir as rotas tradicionais - é apontado por especialistas ouvidos pelo NeoFeed como o maior entrave para o Brasil se beneficiar da gigantesca obra chinesa, que será o maior porto da América do Sul quando for inteiramente concluída.
A primeira fase, inaugurada na semana passada pelo presidente chinês Xi Jinping, ocupa uma área de 148 hectares, dos 280 hectares previstos. No total, o porto deverá contar com 15 embarcadouros, escritórios, serviços logísticos e um túnel com 2 km de comprimento para o transporte de cargas.
“Para saber se vale a pena, é preciso fazer a conta na ponta do lápis dos custos logísticos para levar ou trazer cargas de Chancay”, diz Jackson Campos, diretor da AGL Cargo e especialista em comércio exterior.
Vários ingredientes entram nessa equação. O tipo de mercadoria é uma delas: as que exigem grande espaço para transporte, como grãos, vão exigir mais custo de frete, porque terão de ser redistribuídas em vários caminhões pequenos para serem transportadas pelas estreitas rodovias andinas.
“Até mesmo o encurtamento da distância de navegação marítima pode não compensar, pois uma carga que vem da China, por exemplo, deve passar pela alfândega do Peru antes de seguir viagem rumo ao Brasil, e o despacho aduaneiro pode levar de cinco a sete dias, uma demora que, somado ao custo do frete total entre Peru e Brasil, pode tornar pouco interessante a rota”, afirma Campos.
O especialista também aponta a questão de segurança: são 800 km de viagem pelas rodovias peruanas, com risco maior de roubo do que pelo trajeto normalmente feito no Brasil, por cabotagem. “Mas para as empresas situadas na Zona Franca de Manaus, a nova rota certamente vai trazer menores custos e benefícios pela relativa proximidade com Chancay para importação de insumos ou exportação de produtos”, diz Campos.
Estratégia chinesa
O porto de Chanmcay se insere na estratégia chinesa de estimular empresas nacionais para controlar ou operar terminais em cerca de 100 portos marítimos estrangeiros. Entre 2000 e 2021, companhias chinesas financiaram quase US$ 30 bilhões em portos de 46 países.
Chancay é visto como a versão sul-americana da Cosco na Grécia, que inaugurou em 2016 um porto que deu à China uma posição relevante no sul da Europa. O novo porto no Peru também deve impulsionar a estratégia do governo chinês de incluir países sul-americanos na chamada Iniciativa Cinturão e Rota, programa de infraestrutura para aumentar a participação comercial do país asiático em várias regiões do mundo.
Embora o governo brasileiro não esteja interessado em aderir ao programa chinês, os dois páises firmaram nesta quarta-feira, 20 de novembro, mais de 37 atos de cooperação bilateral, durante encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o líder chinês Xi Jinping, em Brasília.
Além de acordos sobre abertura de mercado para produtos agrícolas, os dois países acertaram programas de cooperação em várias áreas, como indústria, energia, mineração, finanças, comunicações e desenvolvimento sustentável.
Mesmo sem a participação do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota, o novo porto peruano será muito útil para as empresas chinesas que atuam no polo industrial de Manaus, a maioria no setor eletroeletrônico, com foco quase exclusivo no mercado consumidor nacional.
A Livoltek é a mais nova a desembarcar na região. A empresa do setor fotovoltaico teve o projeto aprovado pela Suframa e pelo governo estadual e deverá gerar 400 empregos diretos após a implantação da unidade.
Ele vai se juntar a outras empresas chinesas instaladas na Zona Franca, como Gree, TPV, Wasion, Todaytec, Nansen, I-Sheng, Hikvision, Futura, TCL e BYD, que juntas empregam mais de 5 mil pessoas.
Entre 2007 e 2023, os investimentos chineses no País somaram US$ 73,4 bilhões, com 264 projetos. Só em 2023, foram anunciados 29 projetos, com investimentos de US$ 1,73 bilhões, 33% a mais que o ano anterior.
Por outro lado, as exportações brasileiras para a China - disparado, o maior parceiro comercial do País - somaram este ano, até outubro, US$ 83,4 bilhões, incluindo soja, petróleo, minério de ferro, carne e celulose. No ano passado, o Brasil teve superávit de US$ 51,1 bilhões no comércio bilateral, que somou US$ 157,5 bilhões.
Nova rota
Gustavo Valente, CEO da Sinergy Advisors, consultoria de desenvolvimento de negócios, admite os problemas logísticos para as empresas brasileiras aproveitarem as vantagens de Chancay. Mas afirma que cabe ao Brasil aproveitar a oportunidade aberta pela inauguração de uma rota mais curta para a Ásia.
“Temos uma rota para explorar que traz uma redução de 25% do tempo de transporte marítimo em comparação com o trajeto do Atlântico ou via Canal do Panamá, precisamos investir em infraestrutura para que produtos como do agronegócio e de mineração obtenham custos logísticos mais baixos”, diz.
Valente vê potencial de avanços nesse sentido, em especial na Região Norte. “Além da Zona Franca de Manaus, que não paga imposto de importação e pode diminuir o custo do frete do insumo, vejo o Acre como outro grande beneficiário do novo porto no Pacífico”, afirma Valente, lembrando que o estado tem um fluxo comercial relevante com o Peru, de US$ 75 milhões em carne bovina, soja e madeira.
“Toda nova rota logística gera investimento em infraestrutura e isso pode impulsionar a competitividade regional, abrindo novas opções para o agronegócio do Centro-Oeste escoar sua produção por Chancay”, afirma.
Para isso, seria essencial investir na malha logística nem que for no longo prazo. “Seria essencial a construção da Ferrogrão, uma ferrovia de 900 km com capex de R$ 25 bilhões que desde 2016 tenta obter autorização para sair do papel”, diz Valente, para quem a obra, quando pronta, tornará viável o custo do frete de exportação da soja pela rota peruana.
Jackson Campos, da AGL Cargo, afirma que o Brasil não se preparou para tirar benefício da obra de Chancay, iniciada em 2016. Na verdade, um antigo projeto, a construção de uma nova rodovia entre Cruzeiro do Sul (AC) e Pucallpa, no Peru, sempre enfrentou resistência.
Em 2023, o projeto foi paralisado por preocupações ambientais e pelo impacto sobre comunidades indígenas. O governo brasileiro até expressou interesse em melhorar as estradas próximas à fronteira, mas uma nova obra controversa na Região Norte – como a Ferrogrão e o asfaltamento da BR 319, a única estrada que conecta Manaus a Porto Velho e ao resto do país, ambas paradas por causa dos mesmos problemas – dificilmente avançaria.
“O problema é que a nova rodovia ligando o Acre ao Peru não é a solução adequada para cargas pesadas, como de soja. O ideal seria mesmo uma ferrovia”, diz Campos. “A possível solução já teve um planejamento errado.”