Os setores da economia brasileira que atuam nas áreas de importação e exportação têm enfrentado problemas logísticos em 2024. O aumento do custo de frete internacional, causado pela pouca oferta de contêineres e de navios de transporte no mercado internacional, puxa a lista de motivos que interferem na chegada e saída de produtos do Brasil.

Na última semana de setembro, o custo do frete para a rota China-Brasil estava entre US$ 8,5 mil e US$ 9 mil nos portos do Sudeste. Até março deste ano, em média, o valor era de US$ 1.200 por contêiner de 40 pés em praticamente todo o território nacional.

Em Manaus, atingiu US$ 14 mil, sendo US$ 5 mil como “taxa da seca” – cobrada pelas empresas de transporte marítimo de longa distância para compensar a utilização limitada de contêineres devido aos baixos níveis de água em certos portos ou rios.

O início do período de seca na Amazônia com dois meses de antecedência, em agosto, desorganizou a cadeia logística até em outros pontos do País, afetando de forma crítica os setores de importação e exportação de diversos insumos, de eletroeletrônicos e químicos a grãos.

O custo elevado de frete prejudicou também a importação de insumos de baixo valor agregado para indústrias da Zona Franca de Manaus. “Importadores de polímeros se viram afetados de tal forma que pararam de importar essa resina da China e de outros países asiáticos por conta do aumento expressivo nos custos de frete”, afirma Frederico Fernandes, especialista em petroquímica da consultoria Argus.

Os custos estão se acumulando em toda a cadeia de comércio exterior. O gargalo logístico nos principais portos brasileiros causam um prejuízo anual de R$ 21 bilhões, segundo estimativa do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), que reúne 19 armadores de longo curso em razão filas de navios para atracamento e armazéns superlotados.

Especialistas que atuam no setor de logística ouvidos pelo NeoFeed advertem que o preço do frete internacional tende a seguir elevado nos próximos meses. E sem a modernização dos portos nacionais, o Brasil perderá divisas.

Entre julho de 2023 e junho de 2024, por exemplo, os produtos do agronegócio representaram 48,6% de todas as exportações brasileiras. A seca na Amazônia vem causando estragos severos no setor.

Para se ter uma ideia, um terço das exportações brasileiras de soja e 42,5% dos embarques totais de milho no ano passado fizeram escoamento pelos portos do Arco Norte, como o de Itacoatiara (AM) e Barcarena (PA). Na última semana de setembro, o Rio Madeira paralisou o transporte de grãos, inviabilizando a rota por hidrovias desde Mato Grosso.

O pico de exportação ocorre entre março e agosto e as safras deste ano de milho, soja e também de farelo foram menores do que o recorde do ano passado. Por isso, o prejuízo agregado foi menor, apesar da seca mais severa.

“No ano passado, os traders detectaram o problema do calado mais baixo nos rios da Amazônia e transferiram parte do escoamento por rodovia para Santos, mudando os fluxos logísticos internos no País”, diz Samuel Isaak, especialista em agronegócio da XP.

Mas a antecipação da seca este ano pegou os traders de surpresa. “Em 2023, foram 12 embarques de navios com grãos em Itacoatiara em setembro. Este ano, foram nove no mês”, acrescenta Isaak.

Outras regiões produtoras de commodities agrícolas e de outros produtos que optam por exportar pelos portos de Santos e Paranaguá, por exemplo, não enfrentam o custo do frete marítimo elevado da Região Norte, mas também lutam contra os problemas logísticos nos portos.

“Com o crescimento das exportações de grãos e de outros produtos agrícolas, o Porto de Santos enfrenta desafios críticos de infraestrutura”, afirma Vitor Vinuesa, diretor de logística da Archer Daniels Midland (ADM), uma multinacional que atua na exportação de grãos e na produção e processamento de produtos agrícolas.

O índice internacional considerado ideal de capacidade de operação de um porto é de 65% para atracação e de 70% para movimentação nos pátios. Acima disso, começam a se formar filas de navios. Santos já superou esses limites, com índices em 85%.

À parte esses problemas, Santos já vinha enfrentando limitações para receber os navios de contêineres de última geração, que são maiores, por causa do baixo calado, limitado a 14,6 metros no desembarque.

No início de setembro, o governo federal anunciou um investimento de mais de R$ 12 bilhões no Porto de Santos para os próximos quatro anos. Os recursos serão destinados ao aprofundamento do canal, melhorias nas perimetrais, construção do túnel Santos-Guarujá, revitalização do cais do Valongo e do aeroporto do Guarujá.

“A fila para conseguir agendar a retirada ou devolução de um contêiner em Santos é crítica, pois há navios que esperam até 20 dias para conseguir atracar”, diz Jackson Campos, diretor da AGL Cargo e especialista em comércio exterior. “Para quem exporta commodities de baixo valor agregado, o preço de frete elevado e a espera representam um grande prejuízo.”

Responsável por 40% do volume movimentado de cargas do País, o Porto de Santos entrou na mira dos exportadores de café. A Cecafé, entidade do setor, afirma que 110 embarcações com produto para exportação (86% do total) tiveram de alterar a agenda em agosto deste ano por conta de atrasos e filas em Santos – o recorde foi de 29 dias de espera.

O gargalo no porto santista resume os problemas de logística portuária no País. James Theodoro, CEO da Korsa Riscos e Seguros, que atua no setor de logística, diz que a compra da gigante francesa CMA CGM da Santos Brasil - que opera um dos principais terminais de contêineres do Porto de Santos -, deve trazer eficiência à operação.

“Os portos brasileiros, em geral, continuam ineficientes, basta comparar o tempo de descarga com portos europeus ou da Ásia, falta tecnologia e temos uma burocracia fiscal e de vigilância sanitária que elevam o Custo Brasil”, diz Theodoro.

Invasão chinesa

A cadeia logística brasileira de importação e exportação brasileira vem com problemas desde o primeiro semestre. Uma importação massiva de veículos elétricos chineses (VEs) vinha afetando a capacidade dos portos.

Além da demanda maior este ano (aumento de 510% de emplacamentos), as montadoras do país asiático decidiram antecipar o envio de VEs antes do aumento de 18% da alíquota de importação, que passou a valer em julho.

O grosso do aumento de importações ocorreu entre abril e junho. Em abril, por exemplo, as encomendas de VEs foram 13 vezes maiores do que no mesmo mês de 2023 – totalizando 40,9 mil veículos, entre elétricos e híbridos.

Em junho deste ano, último mês antes da cobrança da nova alíquota, os veículos chineses representaram o principal produto importado do País, com participação de 8,9%, superando os óleos combustíveis (5,8%), segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

A invasão chinesa gerou a formação de um estoque de 82 mil VEs. Uma boa parte entrou pelo Porto de Itapoá, em Santa Catarina – que opera exclusivamente com contêineres.

Segundo Ricardo Propheta, sócio da BRZ, gestora que detém 49% da holding Portinvest, que controla o porto, cada chegada de navio com 6 mil VEs chineses, em média, acomodados em contêineres de 40 pés (2 carros em cada contêiner) impacta a operação dos portos, por ocuparem grande espaço nos terminais. Mas, segundo ele, a importação chinesa no porto reduziu a partir de julho.

“O prazo para desembaraço aduaneiro e a espera de caminhões para transportar esses contêineres são relativamente altos, pode variar entre cinco e dez dias”, diz Propheta, que estima um aumento de 10% no movimento do porto para este ano – Itapoá fechou 2023 com um movimento de 1 milhão de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés).

No Porto de Vitória, no Espírito Santo, que tradicionalmente recebe uma grande quantidade de carros elétricos chineses, a falta de espaço para acomodar os VEs no pátio gerou um gargalo prejudicial à exportação de café e de rochas ornamentais.

“Ninguém aqui é contra a importação de veículos, mas a autoridade portuária precisa equilibrar as necessidades de todos os setores”, reclamou Tales Machado, presidente do Centro Brasileiro dos Exportadores de Rochas Ornamentais (Centrorochas), em julho.

Desequilíbrio geopolítico

O aumento do custo de frete internacional não é apenas um problema local. Há uma lista de motivos que, interligados, interferem na chegada e saída de produtos globais.

Há, por exemplo, o bloqueio da rota marítima entre a Ásia e o norte da Europa iniciado em novembro de 2023 na região do Mar Vermelho, por parte de guerrilheiros houthis, do Iêmen, que exige um ajuste de rota do transporte marítimo na região.

Nos próximos dias, o comércio exterior começará a calcular a greve por melhores salários convocada pelo principal sindicato de estivadores dos Estados Unidos e iniciada na terça-feira, 1º de outubro, que fechou cerca de 30 portos americanos numa faixa territorial do Maine ao Texas.

A paralisação impacta um quarto do comércio internacional do país e tende a afetar as cadeias de suprimentos globais, agravando a oferta e a taxa de frete de navios e contêineres e o embarque de exportações para Europa, Ásia e América Latina, incluindo Brasil.

Os 45 mil estivadores exigem um aumento de 77% de salários nos próximos seis anos sob a alegação de que os ganhos das transportadoras marítimas, que já haviam subido com pandemia - quando a demanda por espaço em navios porta-contêineres empurrou as taxas de frete para níveis recordes –, voltou a crescer com novo aumento do frete com a crise no Mar Vermelho.

Os grevistas recusaram uma oferta de aumento salarial de quase 40% feita semanas atrás pela Aliança Marítima dos Estados Unidos (USMX), que representa as transportadoras marítimas. Estimativas indicam que a paralisação, que pode durar semanas, custa à economia dos EUA até US$ 5 bilhões por dia.