O custo do frete para o envio de mercadorias para todo o mundo voltou a disparar nas últimas semanas em razão do conflito no Oriente Médio e de uma seca na região do Canal do Panamá, na América Central.

Como resultado, o comércio global entra em 2024 enfrentando sua maior ameaça desde a pandemia, que desestruturou as cadeias de suprimentos.

Há seis semanas, uma frente envolve ataques de grupos terroristas pro-Irã do Iêmen a navios comerciais a caminho do Canal do Suez, no Egito – que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, formando a principal rota entre Ásia e Europa.

Os ataques são uma forma de pressionar Israel a suspender os bombardeios na Faixa de Gaza. Para evitar riscos, empresas de transporte marítimo estão usando uma rota alternativa, pelo extremo sul da África, o que atrasa de 5 a 15 dias o tempo de viagem dos navios, dependendo do destino.

Outro problema diz respeito à seca que reduziu o fluxo de água e paralisou o Canal do Panamá, inviabilizando a rota mais rápida de tráfego de mercadorias entre Ocidente e Oriente.

Para se ter uma ideia do impacto desses dois problemas em diferentes partes do planeta, cerca de 40% do tráfego global de mercadorias passa pelo Suez (30%) e pelo Canal do Panamá (8%).

De acordo com levantamento da Freightos, uma plataforma de reservas e pagamentos para fretes internacionais, as taxas spot para o transporte de mercadorias da Ásia para o Norte da Europa aumentaram 173% em comparação ao período anterior ao início da crise.

Já as taxas para a costa leste da América do Norte aumentaram 52% no mesmo período. Não há previsão para que os custos dos fretes retomem aos valores pré-pandemia. A tendência, por sinal, é que permaneçam elevados.

Eventos climáticos

Um relatório anual divulgado esta semana pela Everstream Analytics, consultoria especializada em análise de riscos do comércio global, aponta os eventos climáticos extremos - e não os conflitos políticos - como a principal ameaça à cadeia de suprimentos em 2024.

O Canal do Panamá é um exemplo. A região onde ele está situado sofre sua pior seca desde que a medição de registros começou, em 1950. Isso reduziu o tráfego marítimo, colocando mais pressão sobre todo o sistema.

O relatório da Everstream Analytics cita outros casos de eventos climáticos recentes que afetaram o transporte de mercadorias, como os incêndios florestais do ano passado no Canadá e a primeira passagem do furacão Ian na costa da Flórida, em 2022, que levou a uma queda de 75% nos embarques na área em comparação com as semanas anteriores.

Um dado do relatório, porém, chamou a atenção. Na década de 1980, os EUA vivenciaram um evento climático de bilhões de dólares ajustado pela inflação a cada quatro meses. "Hoje, um evento de bilhões de dólares ocorre a cada três semanas”, adverte a Everstream Analytics.

A consultoria também agrega outros riscos à cadeia de suprimentos que podem causar escassez de mercadorias. Além dos conflitos militares, ela cita as guerras comerciais entre os EUA e a China e a tensão em Taiwan (que elege presidente este ano) como possíveis razões para levar alguns países a “relocalizar” a produção.

E como fica a inflação?

A crise atual reforça o risco de aumento do preço dos produtos, num momento em que, com inflação em queda no Primeiro Mundo, o comércio global começava a se recuperar após o tombo causado pela pandemia.

A boa notícia é que, mesmo com os custos de fretes mais elevados, eles ainda deverão permanecer entre 45% e 75% mais baixos do que durante o pico do apagão logístico nas cadeias de suprimentos em 2021, de acordo com a Freightos.

A atuação da Marinha dos EUA na região do Suez nas últimas semanas diminuiu o número de ataques aos navios com contêineres, mas não há normalização do tráfego prevista a curto prazo, porque boa parte das frotas de navios planejou a mudança de rota há mais de um mês e muitos estão em viagem.

A preocupação atual das grandes cadeias varejistas da Europa e dos Estados Unidos, porém, é a demora para receber os estoques de mercadorias para o verão no Hemisfério Norte, que ocorre entre o final de junho e setembro.

A maioria esperava começar a receber as coleções de roupas nas próximas seis semanas, mas esse prazo seguramente vai atrasar. Com isso, os consumidores só vão perceber a extensão da crise nas cadeias de suprimento quando forem às compras, nas vésperas da alta estação.