A estiagem que assola os estados do Amazonas, Acre e Rondônia há meses já está causando impactos em diferentes setores da economia brasileira por conta da dependência que a região tem da navegação fluvial.
O baixo nível atual de rios como Madeira, Negro, Solimões e Jamari afetam desde o transporte de grãos vindos do Centro-Oeste para exportação, como de mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus para o resto do país e de alimentos, remédios e suprimentos para a população desses três estados.
Aos gargalos de logística – que ameaçam reduzir oferta de eletroeletrônicos produzidos no distrito industrial de Manaus para a Black Friday e o Natal no resto do país – somam-se os riscos energéticos. O governo federal admite ativar as usinas termoelétricas a diesel, mais caras, o que deve impactar na conta de luz de todos os brasileiros.
Os problemas gerados pela seca levaram os governos do Amazonas e do Acre a decretar estado de emergência e o governo federal a criar uma força-tarefa para agir na Amazônia.
Liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, a comitiva composta pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia), Marina Silva (Meio Ambiente), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) desembarcou nesta quarta-feira, 4 de outubro, em Manaus.
Além do transporte fluvial, cada vez mais restrito, a seca já começa a prejudicar a geração de energia na região – o que ligou o alerta do governo federal.
Seguindo o protocolo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, por exemplo, suspendeu temporariamente a operação devido ao baixo nível de água do Rio Madeira, com metade da média histórica.
A usina de Jirau, situada a cerca de 120 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, e que faz parte do complexo de hidrelétricas do Rio Madeira, continua operando. Mas a energia produzida, que antes era destinada para o consumo do Sudeste pelo linhão do Madeira, está sendo transferida localmente para o sistema Acre-Rondônia.
O governo já gasta R$ 12 bilhões por ano para suprir o fornecimento de energia nos sistemas de geração isolados da Amazônia, que produzem energia a partir de termelétricas a óleo diesel. Esses sistemas abastecem 211 comunidades na região amazônica, contendo cerca de 3,1 milhões de pessoas. As termoelétricas a serem ativadas, para fornecer para municípios atendidos pelo sistema elétrico, vão aumentar essa conta.
Fator El Niño
O período de seca na Amazônia não chega a ser novidade nessa época do ano, que começa em maio e normalmente se estende até setembro e outubro. Mas graças a uma combinação entre as mudanças climáticas e o fenômeno natural El Niño, que reduz a quantidade de chuvas na região, a estiagem atingiu o nível mais crítico desde 2010.
Em Manaus, o vice-presidente Alckmin anunciou a liberação de R$ 138 milhões para obras de dragagem em trecho de 8 km do Rio Solimões (entre os municípios de Benjamin Constant e Tabatinga) e em outro trecho, de 12 km do Rio Madeira (perto da foz do Rio Amazonas em Tabocal). O objetivo é desobstruir o fluxo das águas e garantir a navegabilidade dos rios.
Para Luís Fernando Resano, diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), apesar das medidas, o governo federal agiu tarde e demonstrou mais preocupação com a questão energética do que com os problemas logísticos gerados pela estiagem.
“Todo ano tem seca, mas na comitiva gigantesca que desembarcou em Manaus não estava o ministro dos Transportes, para assegurar agilidade para levar comida para áreas isoladas e escoar a produção industrial da Zona Franca de Manaus”, diz Resano.
Segundo ele, com menos navegabilidade nos rios, o envio de alimentos diminuiu em vários municípios, gerando aumento dos preços. “No caso da indústria, houve planejamento, com antecipação de produção e de envio de produtos para o Sudeste, o que deve assegurar parte do estoque para a Black Friday, mas para o Natal, se a estiagem prosseguir, poderá haver problemas”, adverte.
De acordo com a Cieam, entidade que representa a indústria do Amazonas, menos de 1% da produção do polo industrial de Manaus é transportada via área.
Por outro lado, parte das exportações de grãos produzidos no Noroeste do Mato Grosso também está sendo impactada. Em especial, a que utiliza o corredor da BR-364, sentido Porto Velho e Rio Madeira, e a produção do Centro do Mato Grosso, que trafega pela BR-163 até Miritituba (PA), com transbordo no Rio Tapajós.
Embora a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não tenha registrado problemas, um eventual bloqueio da rota de exportação de grãos pelos portos de Miritituba e Santarém, no Pará, poderá obrigar os produtores a exportarem os grãos por uma rota alternativa, pelos portos Santos (SP) e Paranaguá(PR), com aumento dos custos logísticos.
Resano, da Abac, diz que as cargas de grãos são transportadas em barcaças, que conseguem navegar em rios com calado (medida da parte submersa do navio) menor. “O único trecho que ocorreram problemas com as barcaças, pelo que soubemos, foi no Terminal de Novo Remanso, um pouco acima de Manaus”, diz.