Perspectivas de que a economia brasileira perca força diante de juros elevados, moeda mais fraca e inflação mais alta levaram o Ibovespa a encerrar o ano passado com queda de 10,36%, apesar de um desempenho econômico robusto. O PIB de 2024, ainda a ser divulgado, deve fechar em 3,49%, segundo projeções do Focus. Excluindo 2021, ano de recuperação pós-pandemia, esse será o maior crescimento desde 2010. Agora, as preocupações do mercado voltam-se para os impactos na economia real.
A dinâmica econômica projetada para este ano exige maior cautela na bolsa, segundo analistas e investidores. O maior risco, alerta o BTG Pactual, recai sobre as empresas domésticas. Essas companhias devem enfrentar uma forte desaceleração nos lucros, com crescimento projetado de apenas 8%, após uma alta de 29% no ano passado.
Em contrapartida, exportadoras (excluindo Vale e Petrobras) devem apresentar um crescimento de lucro de 44%, revertendo a queda de 33% registrada em 2024, impulsionadas principalmente pela depreciação do real.
Além da dependência do mercado interno, a exposição à Selic deve pressionar ainda mais os balanços das empresas domésticas. De acordo com o BTG, 48% do endividamento total dessas companhias é atrelado à Selic, contra apenas 18% no caso das produtoras de commodities.
O banco também destaca que varejistas de alimentos, eletrônicos e eletrodomésticos possuem alavancagem elevada, amplamente vinculada à Selic. A mesma dinâmica afeta algumas construtoras voltadas para alta renda e locadoras de veículos, setores que devem enfrentar maior pressão em 2025.
"Considerando a incerteza macroeconômica, acreditamos que, daqui para frente, é mais apropriado trabalhar com um cenário de inflação mais alta, taxas de juros elevadas e menor crescimento do PIB”, diz o Santander em relatório.
Essa visão mais cautelosa também se reflete nas carteiras de algumas das principais gestoras. A Ibiuna Investimentos, por exemplo, tem concentrado seu portfólio em empresas com baixa ou nenhuma alavancagem, poder de proteção de margens e perfil exportador.
“Nomes alavancados financeiramente, com fraca geração de caixa e/ou com substanciais programas de investimentos são observados com cautela e devem apresentar resultados desapontadores no curto e médio prazo”, destacou a gestora em carta a investidores.
Mesmo com a aprovação do pacote fiscal às vésperas do recesso parlamentar, o mercado avalia que os cortes de gastos serão insuficientes para conter o endividamento público. A projeção é de que a dívida/PIB alcance 84% em 2026, um aumento de 12 pontos percentuais em quatro anos.
Para a Ibiuna, o cenário doméstico é “relativamente claro”. “Sem uma correção de rumo na política pública de gastos, devemos observar um processo contínuo de deterioração nas variáveis econômicas, como crescimento e inflação, com impactos negativos sobre investimentos, inadimplência, confiança e taxa de desemprego.”
Nesse contexto, até mesmo a tese de que a bolsa está barata, amplamente defendida nos últimos anos, começa a ser questionada.
Com juros reais de longo prazo em 7%, inflação de 5,5% e crescimento projetado de 1%, o BTG calcula que o P/L alvo para o Ibovespa seria de 6,3 vezes, o que colocaria o índice em 90 mil pontos, 25% abaixo do nível atual.
Contudo, em um cenário otimista, com juros reais caindo para 5%, inflação na meta de 3% e crescimento de 3%, o Ibovespa poderia alcançar 179 mil pontos, assumindo um P/L de 12,6 vezes. Para os analistas, porém, esse cenário ainda está distante.
“Considerando o elevado endividamento, as altas taxas de juros e a deterioração fiscal acelerada, a única maneira de estabilizar ou melhorar os preços dos ativos seria por meio de mudanças estruturais no orçamento, algo altamente improvável neste momento”, afirma.
Tradicionalmente, a virada de ano traz uma onda de otimismo ao mercado. No início de 2025, porém, é a cautela que dá o tom.