Ao longo de seus 87 anos de vida, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter foi um participante ativo da cena pública brasileira. Acionista controlador da Gerdau, uma das principais produtoras de aço do mundo, avaliada atualmente em R$ 42,6 bilhões, ele viu o País passar por uma série de transformações políticas e econômicas.

Ainda assim, o empresário gaúcho, um dos principais nomes da indústria nacional, entende que falta ao Brasil avançar em uma série de agendas, avaliando que ainda estamos muito atrás em questões que outras nações já deixaram para trás e ainda atravancam o País.

“Existe um processo de evolução, mas esse processo de evolução é mais lento do que talvez a dimensão e o tamanho do País exigem”, diz Gerdau, em entrevista ao NeoFeed. “Temos alguns atrasos básicos que fazem com que a possibilidade de acelerar a melhoria da Justiça social seja um processo mais lento do que eu gostaria de ver.”

Membro da quarta geração da Gerdau, o empresário vê o Brasil ainda falho em dois temas que, por anos, ele tentou influenciar via debate público: a educação e a competitividade.

Um dos fundadores do Movimento Brasil Competitivo (MBC), ele destaca o peso que o custo Brasil ainda tem sobre a indústria local – um peso de R$ 1,7 trilhão ao ano – e a demora em fazer reformas para facilitar a vida dos empresários, caso da Reforma Tributária. “Em termos de desenvolvimento econômico, estamos com essa reforma com mais de 20 anos de atraso”, diz ele.

Pelo lado da educação, em que é parte do movimento Todos pela Educação, Gerdau afirma que o Brasil ainda carece de atuar contra as mazelas da educação básica, no momento em que o mundo lida com as consequências que a inteligência artificial está trazendo.

A solução, segundo ele, não passa por desenvolver novas teses, criar novos formatos. Basta olhar para fora, ver o que vem sendo feito ao redor do mundo e trazer as melhores soluções. “É preciso olhar para os benchmarks do mundo e ver o que fazer”, diz Gerdau. “Temos que olhar essa lista [de temas] e fazer o que os outros já fizeram.”

No momento em que o atual governo tenta aprovar um criticado pacote fiscal, Gerdau defende a necessidade do Brasil aumentar seu índice de poupança e investimentos. "É um debate que precisamos avançar", afirma.

O livro A Busca, de Jorge Gerdau
O livro "A Busca", de Jorge Gerdau

O empresário está lançando um livro com reflexões sobre economia, mundo dos negócios e educação: “A Busca: os aprendizados de uma jornada de inquietações e realizações”. Nele, Gerdau conta um pouco de sua trajetória, as lições aprendidas e os valores que o nortearam, que foram resumidos em 23 palavras na parte final do livro.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O governo anunciou recentemente um pacote de ajuste fiscal que acabou levando a uma deterioração das expectativas. Qual é a sua avaliação sobre a situação fiscal e como vê o governo lidando com o tema?
Esse é um tema interessante e o sistema em si tem um conflito. Porque o governo, na angústia, quer ajudar mais o povo. É um ato de decisão política, fruto da pressão do momento político. É entendível. Mas se olharmos o mundo, o que define a prosperidade dos países é seu índice de poupança e investimento. Da arrecadação global do Brasil, temos 17% de poupança e investimento. Na Índia, um país com 1,5 bilhão de habitantes, eles conseguiram fazer um índice de poupança nesses últimos dez anos ao redor de 26% e 28% e conseguem crescer de 6% a 7% ao ano, com uma renda per capita de cerca de um quinto da nossa, sendo que a nossa está estagnada. É um debate que precisamos avançar.

Há necessidade de o setor empresarial participar mais do debate público? Como fazer isso e em que temas são mais urgentes?
A estrutura de representação empresarial adota sistemas estabelecidos em 1939, que estabelece uma representação estrutural, mas esse sistema não estabelece um estímulo para que a macro estrutura empresarial participe das macro definições políticas. Consequentemente, a distorção estrutural de tributos e custos que nós temos é de R$ 1,7 trilhão por ano. São alocações de custos tributários e sociais erradamente alocados em comparação com o sistema mundial hoje.

"A distorção estrutural de tributos e custos que nós temos é de R$ 1,7 trilhão por ano"

A polarização política o preocupa. Isso prejudica a evolução da economia e do País?
Como um país democrático, as decisões têm que ser fruto de debates e análises abertas. Todo mundo ganha com isso, porque o debate pode ajudar a achar soluções melhores. Sempre existe um pouco de conflitos de visões de um lado ou outro. Mas é interessante ver que, na Europa, os conflitos de visão filosófica são muito pequenos. Você não vê mais nas estruturas europeias falas sobre ampliar a estatização. Você não vê uma direita que não tenha convicções profundas de trabalhar políticas sociais. Existe no mundo Ocidental uma maturação, evoluções de condução de macropolíticas, com as distâncias que se tinham 30 ou 50 anos atrás diminuindo.

No caso da indústria brasileira, que passou por um processo de desindustrialização, há um caminho para recuperar o setor? Ou esse é um tema do passado?
Não dá para desistir de lutar, não podemos abrir mão. Se fizermos a análise do  custo Brasil,  limparmos esses R$ 1,7 trilhão e modernizarmos as estruturas, tenho certeza que, no dia seguinte, o País vai responder com desenvolvimento competitivo. Se analisarmos as empresas bem organizadas, que trabalham os custos de cunho operacional, elas são muito boas no Brasil. Mas na macro estrutura, esse processo está atrasado. E a estrutura política do País não é fácil de conduzir.

Como estimular a reindustrialização?
É preciso criar uma consciência de macroanálise, entre os congressistas, que façam análises comparativas. Tem uma palavra-chave, que é benchmark, que significa buscar o melhor padrão que existe. É preciso olhar para os benchmarks do mundo e ver o que fazer. Olhar para vários temas, tributário, custo do operário, custo da logística, processo político de decisão, isso tudo é público. Temos que olhar essa lista de pontos e fazer o que os outros já fizeram.

"Tem uma palavra-chave, que é benchmark, que significa buscar o melhor padrão que existe"

Pensando na Gerdau, como a companhia consegue lidar com isso?
Como trabalhamos em mais de dez países, conseguimos lidar, mas para nós é claro o que precisa ser feito. Entendemos que o Brasil é altamente competitivo em sua estrutura de recursos humanos, em vários setores, o Brasil tem eficiências. Mas se eu tomar a conjugação social, essa competência fica limitada. É um problema mais ou menos evidente, de conhecimento público, mas cabe uma análise sobre quais são os interesses de curto, médio e longo prazo.

Recentemente, a Gerdau e outras siderúrgicas enfrentaram a concorrência do aço chinês no Brasil, que chega ao País com valores muito baixos. Após pressão, o governo decidiu impor uma taxação sobre o produto. É uma questão resolvida?
Ela está equacionada dentro da fotografia atual, mas não está esgotada. O fato é que o governo se capacitou e atacou esse problema, com uma solução semelhante às adotadas por Estados Unidos, Canadá, México e Chile. O Brasil entrou nisso com certa lentidão. Esse é um tema relativamente novo, da guerra comercial mundial, em que o Brasil está em processo de maturação. E existe um desequilíbrio não solucionado no mundo, com a China produzindo mais da metade do aço no mundo. A crise interna criou um excesso de capacidade de produção. Quando se tem uma produção estatal desequilibrada, como é o caso da China, em relação à competição privada, acaba se criando esses desequilíbrios mundiais.

Você é um dos empresários com participação forte na vida pública. Como avalia a evolução institucional do Brasil ao longo dos anos?
Existe um processo de evolução, mas é mais lento do que talvez a dimensão e o tamanho do País exigem. O crescimento econômico e da população foram de tamanho vulto que talvez tenha sido difícil, e ainda é difícil, no Brasil, modernizar com as tecnologias de gestão que existem no mundo. Temos alguns atrasos básicos que fazem com que a possibilidade de acelerar a melhoria da Justiça social seja um processo mais lento. E isso passa indiscutivelmente por um processo mais lento de adotar as melhores técnicas disponíveis. Nossa atuação de modernização tecnológica é um processo que poderia acelerar mais.

Em que sentido?
Um exemplo prático é que, há mais de 30 anos, nós criamos o ICM [Imposto sobre Circulação de Mercadorias] como imposto, que depois passou a se chamar ICMS. É um sistema com cumulatividade tributária. E agora estamos discutindo para, daqui alguns anos, introduzir o IVA. A França introduziu o IVA depois de dois ou três anos que introduzimos o ICM. Nós estamos introduzindo o IVA agora. Esse sistema faz a tributação final ser melhor em termos de justiça tributária. Em termos de desenvolvimento econômico, estamos com essa reforma com uns 20 anos de atraso. Vemos que o Brasil avança, mas pelos macro sistemas, estruturas políticas etc., estamos atrasados em relação ao mundo.

"Nós estamos introduzindo o IVA agora. Esse sistema faz a tributação final ser melhor em termos de justiça tributária"

São esses entraves macro que seguram o País?
Na parte elétrica, acumulamos encargos no sistema de uso de energia nos processos produtivos que no mundo não existe. Na folha de pagamento, o operário brasileiro leva ao redor de 50% para casa e na hora que ele faz as compras tem uma carga tributária ao redor de 25% a 32% Nos países desenvolvidos, entre o que custam e aquilo que recebem, eles ficam com mais ou menos 70%. Temos logística eficiente em alguns casos, como no transporte do minério até o porto, coisas no setor primário, mas o custo logístico do Brasil é praticamente o dobro do custo de logística dos Estados Unidos.

Por que decidiu escrever esse livro misturando biografia e reflexões sobre o mundo dos negócios e da sociedade?
Eu estava relutando um pouco em fazer um livro clássico de autopromoção ou promoção empresarial. E aí, meditando, cheguei à conclusão de que o livro deveria ser baseado um pouco na filosofia histórica da empresa Gerdau, da cultura familiar. Achei que deveria tentar escrever um livro, com essa concepção, não tanto de contar a história de realizações, mas de trabalhar conceitos filosóficos. Entendi que dentro de uma visão de dar uma contribuição, poderia formalizar um pouco essa concepção, de valores que definem a história da Gerdau e definiram a minha própria história.

No livro, você fala como seu pai, Curt Johannpeter, teve uma influência determinante na história da Gerdau. Como vê os valores dele perpassando a Gerdau ao longo do tempo?
Meu pai, que entrou [na Gerdau] depois da Segunda Guerra Mundial, foi indiscutivelmente um reforço, com sua visão de definição de métodos, clareza, transparência, gestão de recursos humanos. Se a gente analisar os comportamentos da família Gerdau, a filosofia, o comportamento social, sempre em relação à sociedade, à comunidade, os problemas sociais, eles são um lastro muito forte da cultura Gerdau. A entrada do nosso pai trouxe uma visão extremamente profissional, técnica e exigente [para a empresa]. Eu e meus irmãos somos frutos desse balanceamento e isso explica em grande parte o que conseguimos realizar.

A questão de perenizar esse valores também está livro, assim como o esforço que tiveram na década de 1980 de fazê-los perpetuar após o falecimento de seu pai, e tocar em frente a companhia. Como foi esse novo balanceamento?
Na década de 1980, nós começamos a trabalhar com o apoio do professor [Vicente] Falconi, que realizou as primeiras missões ao Japão para absorver essa técnica de Total Quality Control, o TQC. Esse domínio sobre gestão e processo, no fundo, tem um lastro em valores, aquilo que já era um comportamento cultural da família. E existia uma equipe com uma filosofia empresarial muito bem definida, forte. O interessante do Falconi, que foi um diferencial decisivo, é que ele ajudou a converter tudo em processos. A filosofia do TQC explica o sucesso da indústria japonesa e nós a incorporamos na década de 1980.

Você também demonstra preocupação quanto à educação no Brasil. Quais os caminhos que precisam ser tomados para melhorar a situação?
A educação é um tema essencialmente de gestão. O processo de educação tem sido conduzido muito mais sob uma visão política do que uma visão de resultados. A estrutura gerencial do processo educacional tem que entrar em tipos de raciocínio de propósito que quer se atingir. Como a educação, as tecnologias e o conhecimento humano se aceleraram de uma forma fantástica, há a necessidade de ajustar a educação à velocidade que o mundo exige, nós estamos num atraso sério. Temos hoje na educação primária exemplos de bons resultados em alguns Estados, mas ainda temos atrasos enormes.